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<p>Copyright © 2022 by João Oliveira Ramos Neto</p><p>capa</p><p>Sérgio Campante</p><p>diagramação</p><p>Kátia Regina Silva |</p><p>e-book</p><p>Marcelo Morais</p><p>Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)</p><p>(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)</p><p>Ramos Neto, João Oliveira</p><p>A História dos evangélicos para quem tem pressa [livro eletrônico] / João</p><p>Oliveira Ramos Neto. -- 1. ed. -- Rio de Janeiro : Editora Valentina, 2023.</p><p>ePub</p><p>ISBN 978-65-88490-63-1</p><p>1. Evangélicos 2. Igrejas Evangélicas - História 3. Religiões - História I. Título.</p><p>22-128567 CDD-384.550981</p><p>Índices para catálogo sistemático:</p><p>1. Religiões : História 200.9</p><p>Henrique Ribeiro Soares - Bibliotecário - CRB-8/9314</p><p>Todos os livros da Editora Valentina estão em conformidade com</p><p>o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.</p><p>Todos os direitos desta edição reservados à</p><p>Editora Valentina</p><p>Rua Santa Clara 50/1107 – Copacabana</p><p>Rio de Janeiro – 22041-012</p><p>Tel/Fax: (21) 3208-8777</p><p>www.editoravalentina.com.br</p><p>http://www.editoravalentina.com.br/</p><p>SUMÁRIO</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>CAPÍTULO UM • O Início do Movimento Evangélico</p><p>A Historiografia da Reforma Protestante | As Fontes da Reforma Protestante | Os Antecedentes</p><p>Históricos da Reforma Protestante | O Desenvolvimento | Começam os Conflitos | A Expansão da</p><p>Fé Luterana | Enquanto Isso, na Inglaterra… | O Legado da Reforma Protestante</p><p>CAPÍTULO DOIS • Novas Doutrinas Dividem o Movimento</p><p>Os Puritanos | O Pietismo e os Grandes Avivamentos | Os Liberais e os Fundamentalistas | O</p><p>Surgimento do Movimento Pentecostal | Os Evangélicos Durante a Guerra Fria</p><p>CAPÍTULO TRÊS • Os Evangélicos Chegam ao Brasil</p><p>Os Protestantes Tradicionais Históricos | Os Evangélicos Pentecostais | Os Paraevangélicos | As</p><p>Igrejas Autônomas | A Insuficiência da Tríade Tradicional, Pentecostal e Neopentecostal</p><p>CAPÍTULO QUATRO • História das Principais Controvérsias no Brasil</p><p>Música e Liturgia | Eclesiologia | Política | Doutrina | Costumes | A Maçonaria | Como Entender</p><p>as Igrejas Evangélicas e os Evangélicos</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>BIBLIOGRAFIA BÁSICA</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Por que existem tantas igrejas diferentes? Até o século 16, eram somente</p><p>duas igrejas cristãs: a Católica Apostólica Romana, no Ocidente, com sede</p><p>em Roma, e a Ortodoxa, no Oriente, com sede em Constantinopla. Em</p><p>1517, porém, um monge católico, da Ordem dos Agostinianos, de</p><p>nacionalidade alemã, questionou o poder absoluto do papa, criticando o que</p><p>considerava erros da Igreja Católica. Essa ação deu início ao movimento que</p><p>ficou conhecido como Reforma Protestante. A partir de então, o</p><p>Cristianismo dividiu-se em diversas igrejas diferentes.</p><p>Neste livro, vamos estudar esse movimento que deu origem às diversas</p><p>denominações cristãs existentes. Os membros desse movimento passaram a</p><p>ser chamados evangélicos para diferenciar-se dos cató licos. Não é nosso</p><p>objetivo fazer um estudo exaustivo, e sim uma introdução. Por outro lado,</p><p>não queremos que seja uma introdução demasiado rasa, mas</p><p>problematizante e reflexiva, como deve ser o estudo histórico.</p><p>Nosso objetivo também foi produzir um estudo com uma linguagem</p><p>bem clara e acessível, fugindo de termos que restringem o leitor a um</p><p>pequeno grupo privilegiado de iniciados. Por outro lado, não evitamos</p><p>totalmente o uso de termos técnicos, porque também desejamos que,</p><p>mesmo enquanto faz uma leitura agradável, ele amplie o seu conhecimento,</p><p>às vezes recorrendo a uma pesquisa paralela para elucidar determinado</p><p>termo. Considerando tratar-se de um segmento cristão, é recomendável que</p><p>tenha um conhecimento prévio da história do Cristianismo, onde se encaixa</p><p>a história dos evangélicos. Caso seja leigo no assunto, sugerimos que leia</p><p>este livro duas vezes, pois, de posse de todas as informações adquiridas na</p><p>primeira leitura, a segunda fará mais sentido.</p><p>Entre os diversos diferenciais deste livro, destacamos a exaustiva síntese</p><p>visando abranger numa única obra todas as denominações evangélicas</p><p>existentes no Brasil. Dessa forma, fomos dos luteranos aos neopentecostais.</p><p>Trouxemos também todas as atualizações possíveis do assunto, superando</p><p>explicações defasadas, como dividir os evangélicos somente em três ondas</p><p>do Pentecostalismo, ou reduzir a Reforma Protestante a Lutero e Calvino.</p><p>Por fim, mas não menos importante, apresentamos os resultados inéditos de</p><p>pesquisas que desenvolvemos na carreira acadêmica. Por isso, ao final, há</p><p>uma sugestão de bibliografia para aprofundamento. Este é, portanto, um</p><p>guia bastante pesqui sado, conciso e, sobretudo, didático.</p><p>No que se refere à sua relevância, assim como a memória gera a</p><p>identidade de um indivíduo, a história gera a identidade de um grupo</p><p>coletivo. Por isso, é necessário que os evangélicos conheçam a sua história e</p><p>entendam o porquê de muitas práticas e rituais adotados e realizados em</p><p>suas igrejas até hoje. Um diferencial deste livro é ser uma ferramenta que</p><p>proporcionará a evangélicos de uma determinada denominação saber como</p><p>pensam e agem os demais evangélicos das denominações diferentes. Que</p><p>fique bem claro: não defendemos nenhum ponto de vista específico.</p><p>O nosso objetivo foi, exclusivamente, mostrar todas as correntes de</p><p>pensamento, de forma igual, para o leitor tomar conhecimento e não fazer</p><p>apologética desta ou daquela denominação específica. Por outro lado, a</p><p>história dos evangélicos não se limita apenas aos próprios evangélicos.</p><p>Como um grupo religioso, presente cada vez mais na sociedade, cultura e</p><p>política brasileiras, é importante conhecê-los para entender melhor o nosso</p><p>próprio país. Por isso, este livro também é indicado para quem não é</p><p>evangélico, mas tem interesse em aprender sobre eles. A ideia, como</p><p>resultado esperado de um estudo histórico, é diminuir o preconceito, tanto</p><p>entre os evangélicos com denominações diferentes, como entre os que não</p><p>são evangélicos e caem no equívoco de rotular todos como se fossem iguais</p><p>e, às vezes, até reduzidos ao que os inimigos dizem a respeito, sem</p><p>corresponder à realidade.</p><p>Lembremos também que o estudo histórico não pode ser mera descrição</p><p>de fatos que forçam o estudante a decorar informações sem sentido. Deve,</p><p>antes, produzir uma reflexão crítica cuja explicação faça sentido para o</p><p>sujeito entender o seu lugar no mundo. A História é a investigação do</p><p>homem no tempo, cuja reflexão contemporânea elabora os questionamentos</p><p>que o pesquisador faz para o passado. As pesquisas históricas referem-se ao</p><p>passado, mas o fazem com o objetivo de constituir, a partir do passado, um</p><p>sentido para o presente. Foi isso que buscamos.</p><p>Do ponto de vista teórico, adotamos os pressupostos da História</p><p>Cultural, que investiga a religião sem reduzi-la ao aspecto econômico e</p><p>social. Adotando este pressuposto, defendemos que uma concepção de fé</p><p>pode ser geradora de comportamento social, e não acreditamos que uma</p><p>doutrina seja simples reflexo de outros interesses, entre eles, o econômico.</p><p>Por muito tempo, inclusive como herança do período da ditadura militar</p><p>no Brasil (1964-85), pensou-se que estudar História era decorar nomes e</p><p>datas, numa sucessão de eventos sem sentido. No entanto, o estudo</p><p>histórico torna-se relevante quando nos permite questionar e refletir</p><p>criticamente sobre o nosso mundo. Por isso, uma forma prática de se</p><p>estudar o que aconteceu no passado é analisar as causas, o desenvolvimento</p><p>e as consequências do evento. Foi isso que procuramos trazer.</p><p>No primeiro capítulo, falaremos das origens do movimento evangélico</p><p>no cisma que começou em 15 de outubro de 1517, em Wittenberg, onde</p><p>hoje é a Alemanha. No segundo, veremos o desenvolvimento desse</p><p>movimento e como ele se subdividiu em diversas correntes de pensamento</p><p>diferentes entre si. No terceiro, estudaremos, desde a chegada dos primeiros</p><p>evangélicos ao Brasil até a sua consolidação e atualidade. E, no quarto e</p><p>último capítulo, explicaremos como a identidade dos evangélicos brasileiros</p><p>foi se formando a partir dos embates e controvérsias internas que o</p><p>movimento teve ao longo de sua história. Ao final, você terá uma visão</p><p>panorâmica</p><p>cidade de origem da família de Carlos V. Imediatamente</p><p>Carlos V deixou a Espanha e voltou para o Sacro Império Romano-</p><p>Germânico, a fim de controlar a situação. Vendo que a segunda dieta de</p><p>Espira não tinha surtido efeito, pois os luteranos já eram muitos e haviam</p><p>protestado contra a decisão de ressuscitar o Édito de Worms, e tendo ainda</p><p>a questão dos muçulmanos para resolver, Carlos V convocou uma nova dieta</p><p>para a cidade de Augsburgo, em 1530. Pela primeira vez, o imperador</p><p>resolveu parar para considerar as ideias luteranas e pediu que fossem</p><p>expostos os pontos principais. O príncipe João da Saxônia Eleitoral</p><p>convocou os principais teólogos luteranos a apresentarem uma síntese.</p><p>Filipe Melâncton elaborou, então, o documento conhecido como Confissão</p><p>de Augsburgo. Quando chegaram ao local da Dieta (Lutero não podia ir</p><p>porque estava proibido de viajar em território aliado à Igreja Romana),</p><p>Melâncton descobriu que Eck já havia escrito 404 artigos condenando os</p><p>luteranos como heréticos. Melâncton imediatamente começou a reelaborar</p><p>o material, a fim de responder também a esse ataque.</p><p>A preocupação luterana era empenhar-se para conquistar o apoio do</p><p>imperador e, para isso, minimizou conflitos políticos com o Império e</p><p>realçou ser o Luteranismo contrário aos inimigos, daí a necessidade de</p><p>distanciar-se dos anabatistas, mesmo que não estivesse claro quem eram</p><p>eles. Enquanto Melâncton enfrentava seus opositores em Augsburgo,</p><p>Lutero escrevia-lhe cartas de encorajamento. As assinaturas dos príncipes</p><p>no documento deixavam claro o cunho político do debate. Assim, a</p><p>Confissão foi lida em alemão para Carlos V em 25 de junho de 1530, numa</p><p>leitura que levou mais de 2 horas. Após a leitura, Carlos V designou</p><p>teólogos papais para examiná-la e refutá-la. Eck apresentou a confutatio, que</p><p>foi lida no dia 3 de agosto.</p><p>O Imperador Carlos V posicionou-se ao lado da refutação de Eck e</p><p>exigiu que os protestantes admitissem terem sido refutados, e deu um prazo</p><p>para os luteranos se retratarem, sem que tivessem acesso a uma cópia do</p><p>documento romano. Melâncton fez uma apologia da Confissão, às pressas,</p><p>com base nas anotações, enquanto ouvia a leitura de Eck, mas Carlos V deu</p><p>o assunto por encerrado, recusando-se a ouvir a apologia. A pregação</p><p>luterana foi imediatamente proibida em Augsburgo.</p><p>Era um momento delicado para os protestantes, pois o Imperador</p><p>Carlos V estava com o seu poder estabelecido e em paz com o Papa</p><p>Clemente VII. Carlos V solicitou ao papa um concílio, mas este negou,</p><p>temendo que ocorresse no Sacro Império o que estava ocorrendo na</p><p>Inglaterra. Neste mesmo ano, como veremos, a Inglaterra rompia com</p><p>Roma, criando sua Igreja nacional. No entanto, não era do interesse de</p><p>Carlos V criar uma Igreja nacional alemã, pois ele era da Espanha.</p><p>Clemente VII e Carlos V tinham interesses em comum no Império,</p><p>estavam fortalecidos por causa da unidade, e, por isso, os governantes dos</p><p>territórios protestantes se reuniram para tomar uma ação conjunta e criaram</p><p>a Liga de Esmalcalda, cujo propósito era oferecer resistência armada, caso o</p><p>imperador se decidisse contrário aos luteranos.</p><p>Carlos V se viu novamente obrigado a adiar a questão com os</p><p>protestantes, porque, tanto o Imperador Francisco I da França, como os</p><p>turcos, ameaçaram com novas guerras. Carlos V havia conseguido vencer</p><p>uma batalha em Viena, mas agora os turcos queriam vingança e haviam</p><p>chegado lá novamente. Por causa dessas duas ameaças, Carlos V precisava</p><p>do apoio de todos os territórios do Sacro Império, e por isso, em 1532, foi</p><p>firmada a paz de Nuremberg. Segundo esse novo acordo, era permitido aos</p><p>protestantes continuarem com a sua fé, porém estariam proibidos de</p><p>estendê-la a outros territórios. O Édito Imperial de Augsburgo seria</p><p>suspenso e os protestantes ofereceriam ao imperador seu apoio contra os</p><p>turcos, ao mesmo tempo que se comprometiam a não ir além da Confissão de</p><p>Augsburgo. Essa paz durou até 1542, mas o Luteranismo continuou</p><p>crescendo pelo Império Germânico e pela Europa.</p><p>Para se proteger da Liga de Esmalcalda, em 1539, Carlos V formou</p><p>uma aliança com príncipes que continuavam aliados ao papa, que recebeu o</p><p>nome de Liga de Nuremberg. Os príncipes aderiram a essa aliança com certa</p><p>desconfiança, pois uma vitória de Carlos V contra os luteranos aumentaria</p><p>seu poder, bem como aumentaria o poder dos Habsburgo e submeteria os</p><p>principados à cidade de Viena. Em 1534, por exemplo, Filipe de Hesse</p><p>invadiu o ducado de Wurtemberg (não confundir com Wittenberg) para</p><p>tirá-lo dos Habsburgo e devolver ao duque anterior, Ulrico, que, juntamente</p><p>com a população, se declarou luterano. O retorno de Ulrico significou um</p><p>grande fortalecimento do partido luterano no Império, e justamente na</p><p>região fronteiriça com os adeptos da Confissão Tetrapolitana.</p><p>Em 1531, Zwínglio, líder das reformas na região da Suíça, morreu na</p><p>batalha de Kappel, e os reformadores que estavam aliados com Zurique</p><p>perderam apoio político e militar. Se quisessem ficar contra o imperador,</p><p>deveriam se unir aos luteranos, por intermédio da adesão à Liga de</p><p>Esmalcalda. Assim, em 1536, os dois grupos, luteranos e zwinglianos,</p><p>entraram em acordo contra os católicos, fortalecendo a resistência</p><p>protestante.</p><p>Em 1539, Jorge, o duque da Saxônia Ducal (não confundir com a</p><p>Saxônia Eleitoral, de Frederico), morreu. Havia permanecido católico</p><p>durante todo o tempo, sendo sempre contrário a Lutero e aos luteranos, de</p><p>forma geral. Seu sucessor foi o irmão, Henrique, que se declarou luterano e</p><p>logo conduziu o território a abraçar a nova dou trina. O mesmo aconteceu</p><p>com Brandemburgo. Em 1542, a Liga de Esmalcalda conquistou o</p><p>território do duque Henrique de Brunswick, que era aliado do imperador. O</p><p>Luteranismo, portanto, crescia em todo o território do Sacro Império</p><p>Romano-Germânico, deixando Carlos V encurralado.</p><p>Mas nem tudo estava perfeito para os luteranos. Filipe de Hesse, chefe</p><p>da Liga de Esmalcalda, era bígamo. Ele pediu conselho a Lutero, que o</p><p>orientou a manter esse assunto em segredo, pois a lei era contra tal prática.</p><p>No entanto, o caso se tornou público e foi um es cândalo que diminuiu</p><p>consideravelmente o prestígio do Luteranismo. Além disso, a bigamia era</p><p>passível de punição de morte, e Filipe passou a apoiar Carlos V para não</p><p>sofrer as consequências da lei. Então, muitos membros da Liga de</p><p>Esmalcalda a abandonaram, e ela ficou enfraquecida.</p><p>Para piorar, o novo duque da Saxônia, Maurício, descendente de</p><p>Henrique, retornou à Igreja Romana e ao papa, tomando par tido favorável</p><p>ao imperador, que o subornara. Em 1546, Lutero faleceu, deixando o</p><p>Luteranismo acéfalo, exatamente quando Carlos V estava em paz com a</p><p>França e com o papa. O Luteranismo se viu desprestigiado, enfraquecido e</p><p>sem o seu líder. Carlos V aproveitou-se da situação para finalmente colocar</p><p>um fim na heresia, invadindo a Saxônia Eleitoral e aprisionando João</p><p>Frederico, sucessor de Frederico, que protegia Lutero. Em abril de 1547, o</p><p>imperador já havia alcançado a vitória, destruindo a Liga de Esmalcalda na</p><p>batalha de Mühlberg.</p><p>Carlos V, então, em 1548, propôs o Ínterim de Augsburgo, composto por</p><p>católicos e luteranos, e o que esse Ínterim promulgasse seria válido até que</p><p>se convocasse um concílio geral para resolver as questões. O Concílio de</p><p>Trento já havia começado em 1545, porém o Imperador Carlos V se</p><p>opusera porque havia bri gado novamente com o papa. Carlos V queria</p><p>implantar no Sacro Império Romano-Germânico o mesmo que a sua avó</p><p>Isabel havia feito na Espanha, isto é, reformar a Igreja, dando um fim ao</p><p>abuso e à corrupção eclesiástica, mas mantendo as doutrinas e práticas</p><p>tradicionais, como fez Elizabeth na Inglaterra. O papa não aceitava realizar</p><p>um concílio, com medo de fazer ressurgir o movimento conciliarista e se</p><p>repetir o evento do Concílio de Constança, até porque não era possível fazer</p><p>um concílio no Império Germânico ao mesmo tempo em que já estava</p><p>sendo realizado outro na Itália. O Ínterim era a única alternativa</p><p>para o</p><p>imperador ganhar tempo para, posteriormente, implantar essa política. No</p><p>entanto, nem os católicos e nem os luteranos concordaram com o imperador</p><p>legislando sobre as questões teológicas.</p><p>O Sacro Império Romano-Germânico continuava dividido entre</p><p>luteranos e católicos, até que os príncipes luteranos, por iniciativa da cidade</p><p>de Magdeburgo, começaram a conspirar contra Carlos V. Magdeburgo</p><p>produziu a primeira justificação luterana de resistência religiosa à</p><p>autoridade, que levou o nome de Confissão de Magdeburgo. O documento se</p><p>baseava na fonte que estudamos e que Lutero escreveu para justificar a</p><p>resistência. Foi esse documento, por exemplo, que inspirou o famoso pastor</p><p>luterano Dietrich Bonhoeffer que, como veremos, no século 20, se envolveu</p><p>na conspiração para assassinar Hitler, sendo descoberto e executado como</p><p>mártir.</p><p>O duque da Saxônia, Maurício, que havia se colocado ao lado do</p><p>imperador em troca de receber alguns benefícios, tomou a cidade de</p><p>Magdeburgo em novembro de 1551. Como o imperador não cumpriu sua</p><p>parte no trato, Maurício também se uniu à conspiração luterana, liderando a</p><p>revolta. Um dos motivos dessa decisão deveu-se ao fato de o Imperador</p><p>Carlos V querer revogar a Bula de Ouro, fazendo com que o novo</p><p>imperador não fosse mais escolhido pelo colégio de príncipes eleitores, e sim</p><p>que a sucessão do trono deveria ser hereditária, passando para o filho, Filipe.</p><p>Os príncipes do império enviaram, então, um embaixador à França para</p><p>obter apoio do rei francês à conspiração dos luteranos. Quando estourou a</p><p>revolta, o Imperador Carlos V se viu encurralado. Seu irmão Fernando</p><p>conseguiu negociar com os príncipes rebeldes o Tratado de Pasau, que</p><p>libertava Filipe de Hesse e João Frederico, e garantia a liberdade para cada</p><p>governante local escolher entre o Romanismo e o Luteranismo. Em 1555,</p><p>Carlos V finalmente abdicou em favor do filho e se refugiou no mosteiro de</p><p>Yuste, na Espanha, onde morreu em 1558.</p><p>O novo imperador, Fernando I, mostrou-se tolerante com o Lu-</p><p>teranismo. Em 1555, decretou a Paz de Augsburgo, que garantia liberdade de</p><p>culto para luteranos e católicos nos seus respectivos territórios, mas não</p><p>garantia a mesma liberdade para outras correntes, como zwinglianos e</p><p>anabatistas. Sob seu governo e do seu sucessor, Maximiliano II, o</p><p>Luteranismo continuou se expandindo no Sacro Império Romano-</p><p>Germânico e no norte da Europa, culminando na guerra civil (1618-48) que</p><p>ficou conhecida como Guerra dos Trinta Anos. Os luteranos não</p><p>conseguiram reformar a Cristandade, mas sim dividi-la. Até hoje, a</p><p>principal separação que se conhece entre os cristãos ocidentais é entre</p><p>católicos e protestantes.</p><p>Guerras civis por causa de religião também ocorreram em outros países</p><p>da Europa, como França e Inglaterra, e foram responsáveis pelo</p><p>desenvolvimento das ideias iluministas, que até hoje salvaguardam, na</p><p>civilização ocidental, um Estado laico, fundamental para garantir a paz e</p><p>evitar que cidadãos se matem por conflitos religiosos. Infelizmente, no caso</p><p>brasileiro e estadunidense, muitos evangélicos ignoram isso, e continuam</p><p>sonhando e insistindo que se programe um Estado cristão que imponha a</p><p>obrigatoriedade desta religião a todos, usando a força estatal para compelir</p><p>que sigam uma ética cristã. Caso isso aconteça, qual Cristianismo estará</p><p>legitimado para determinar o comportamento? As guerras certamente</p><p>recomeçariam.</p><p>ENQUANTO ISSO, NA INGLATERRA…</p><p>Enquanto acontecia tudo isso no continente, outra Reforma tinha curso na</p><p>Inglaterra. Para fortalecer a aliança com a Espanha contra a França, o Rei</p><p>Henrique VII propôs o casamento de seu filho Artur, primogênito e</p><p>herdeiro do trono, com a princesa Catarina de Aragão. Entretanto, apenas</p><p>quatro meses depois, Artur faleceu, e os pais de Catarina propuseram o</p><p>casamento dela com o novo herdeiro do trono e irmão de Artur, Henrique,</p><p>que se tornaria Henrique VIII. O problema é que o direito canônico, com</p><p>base numa interpretação equivocada de Levítico 20:21, proibia que alguém</p><p>se casasse com a viúva de seu irmão, e, para a concretização de tal projeto,</p><p>foi necessário obter uma dispensa papal.</p><p>Da união entre Henrique VIII e Catarina de Aragão esperava-se o</p><p>nascimento de um novo herdeiro para o trono. O casamento, que de fato</p><p>ocorreu – mesmo contra o direito canônico, mas com uma dispensa papal</p><p>extraordinária –, foi caracterizado pela dificuldade de gerar um herdeiro</p><p>para o trono de Henrique VIII. Dessa união, somente uma filha</p><p>sobreviveu – Maria Tudor. Henrique VIII, então, pediu que o papa anulasse</p><p>seu matrimônio com Catarina, que o tornaria livre para um novo</p><p>casamento. Conceder tal dispensa para Henrique VIII era um problema</p><p>para o Papa Clemente VII, não somente por ferir o direito canônico, mas</p><p>porque Clemente VII dependia de favores e do apoio do Imperador Carlos</p><p>V – sobrinho de Catarina de Aragão –, que, entre outros, lutava contra</p><p>protestantes no Sacro Império. Henrique VIII não teve outra opção senão</p><p>romper com o papa.</p><p>Em 1534, ocorreu o rompimento definitivo entre Henrique VIII e</p><p>Roma, quando o rei inglês publicou o Ato de Supremacia aos 3 de novembro</p><p>daquele ano. Nesse documento, ele não alterava a doutrina católico-romana,</p><p>apenas rompia politicamente com Roma, dando ao imperador o título de</p><p>chefe da Igreja da Inglaterra. O parlamento promulgou leis proibindo o</p><p>pagamento das anuidades e de outras contribuições a Roma e declarou que</p><p>o matrimônio de Henrique VIII com Catarina não era válido –</p><p>consequentemente, Maria Tudor não era mais a herdeira do trono.</p><p>Henrique VIII tornou-se a cabeça suprema da Igreja da Inglaterra e foi</p><p>declarado traidor todo aquele que se atrevesse a dizer que o rei era cismático</p><p>ou herege. Também a Igreja da Inglaterra confiscou todos os bens e imóveis</p><p>da Igreja, que passaram a pertencer ao reino. Como reação, em 1536,</p><p>Henrique VIII foi excomungado pelo papa.</p><p>O problema é que o senso comum tende a pensar que a Igreja Anglicana</p><p>surgiu apenas porque o Rei Henrique VIII queria se casar novamente, o que</p><p>não é verdade. Havia uma insatisfação dos ingleses em prestar contas ao</p><p>papa em Roma. Um exemplo disso era o pagamento das annate, tributo que</p><p>os ingleses pagavam a Roma e que, ironicamente, no século 14, era revertido</p><p>à França para financiar a guerra contra os próprios ingleses. Além disso, o</p><p>Luteranismo se espalhou pela Inglaterra, graças à literatura clandestina</p><p>proveniente da Alemanha, cujas ideias de Lutero eram traduzidas para o</p><p>inglês sem levar o seu nome, e as pessoas acabavam lendo sem o preconceito</p><p>de saber quem era o autor e passavam a concordar com aquela novidade,</p><p>juntamente com a tradução da Bíblia para o inglês por William Tyndale.</p><p>Até hoje, a Igreja Anglicana é subordinada ao rei/rainha da Inglaterra, e seu</p><p>principal documento, oriundo do Ato de Supremacia, são os 39 artigos de</p><p>religião.</p><p>O LEGADO DA REFORMA PROTESTANTE</p><p>A Reforma Protestante dividiu o Ocidente e teve inúmeras consequências</p><p>importantes, tanto imediatas para aquele período, como a longo prazo, que</p><p>impactam o nosso mundo até hoje. Ela trouxe transformações, não somente</p><p>espirituais, mas também políticas, econômicas, culturais e sociais. Uma das</p><p>mais importantes consequências se deu no campo econômico, já que a</p><p>doutrina de Calvino acabou influenciando os estadunidenses a</p><p>enriquecerem. Isso foi tema de pesquisa do sociólogo alemão Max Weber, e</p><p>voltaremos ao assunto mais adiante. Também consequência imediata da</p><p>Reforma Protestante foi a diversidade denominacional que surgiu, de que</p><p>trataremos neste livro.</p><p>No aspecto teológico, a Reforma Protestante pouco alterou a liturgia de</p><p>culto. Até hoje, quando se vai a um culto luterano, percebe-se que ele</p><p>mantém mais semelhanças com a liturgia católica do que com uma liturgia</p><p>pentecostal, por exemplo. Foi Thomas Müntzer quem primeiro passou a</p><p>celebrar a missa na língua do povo – em alemão, e não mais em latim. Na</p><p>prática imediata, a alteração maior foi permitir o casamento dos pastores e a</p><p>abolição</p><p>das imagens, ações pioneiras de Karlstadt. A Igreja Católica só</p><p>passou a celebrar a missa na língua do país onde ela estava sendo celebrada</p><p>após o Concílio Vaticano II, em 1962.</p><p>O legado mais importante da Reforma Protestante talvez tenha sido a</p><p>separação entre Igreja e Estado. Costuma-se divulgar que era uma ideia</p><p>luterana. Lutero, porém, nunca advogou pela separação entre poder secular</p><p>e poder espiritual. Na verdade, ele defendia a permanência da ideia de</p><p>Cristandade, ou seja, a união entre religião e política, mas pregava que os</p><p>príncipes parassem de ouvir o papa e passassem a ouvi-lo. Quem pregou a</p><p>separação foram os anabatistas. Inclusive, eles foram perseguidos por isso, já</p><p>que era uma ideia inovadora para aquele momento. A ideia de separação</p><p>entre Igreja e Estado, para o Ocidente, nasceu na Reforma Protestante do</p><p>século 16, mas só foi concluída e efetivada após a Revolução Francesa, em</p><p>1789.</p><p>Lutero, apesar de não propor a separação de imediato entre as duas</p><p>esferas, trabalhou para que o Estado assumisse a responsa bilidade de</p><p>proporcionar educação para todos os seus cidadãos e não deixar que</p><p>somente a Igreja Católica a oferecesse para um grupo de privilegiados.</p><p>Inclusive, foi após a Reforma Protestante que os pastores passaram a ter</p><p>preparo teológico prévio. Antes, os padres mal eram alfabetizados. Os</p><p>reformadores tinham uma preocupação de que todos os pastores estudassem</p><p>com afinco a Bíblia para poder ensiná-la ao povo.</p><p>Antes da Reforma Protestante, os pobres não tinham nenhum tipo de</p><p>assistência. Como a Igreja Católica pregava que dar esmolas era uma forma</p><p>de expiar pecados, as pessoas em dificuldades eram vistas como uma espécie</p><p>de mal necessário para que os ricos pudessem fazer caridade. Lutero e</p><p>Calvino proibiram que pobres mendigassem nas cidades para que os ricos</p><p>dessem esmolas e passaram a trabalhar para que o Estado assumisse um</p><p>serviço social de amparo aos mais necessitados. Com tudo isso, vemos que a</p><p>Reforma Protestante ajudou a formar o mundo, inclusive político, que</p><p>conhecemos hoje e que nos parece tão natural. Um aspecto interessante ao</p><p>se estudar História é descobrir que nada no mundo social é natural; se a</p><p>sociedade funciona como a conhecemos é porque decisões do passado a</p><p>tornaram assim. E, se ela pode ser construída de um jeito, também pode ser</p><p>de outro.</p><p>Antes de Lutero, Calvino, Zwínglio, entre outros, não existia a noção de</p><p>individualidade. As pessoas não escolhiam a religião: quem nascia em</p><p>território dominado pela Igreja Católica era automaticamente católico. Com</p><p>a nova pregação da salvação pela graça como responsabilidade da própria</p><p>pessoa, sem interferência de um sacerdote, mas estabelecendo uma relação</p><p>entre ela e Deus, surgiu a individualidade. Junto com ela, e no século</p><p>seguinte defendida pelos batistas, também a noção de liberdade individual.</p><p>Ninguém, e nenhuma instituição, poderia obrigar as pessoas a seguirem</p><p>uma religião. Tais noções foram levadas pelos protestantes ingleses para os</p><p>Estados Unidos e aju daram, inclusive, a formar a Constituição daquele país.</p><p>Se hoje os Estados Unidos se orgulham de defender a liberdade e ser a</p><p>nação mais democrática do mundo, isso se deve diretamente à influência</p><p>protestante.</p><p>Mas a Igreja Católica, é claro, não assistiu passivamente a tudo isso. Ela</p><p>reagiu. A chamada reação católica no século 16 é constantemente vista</p><p>como uma Contrarreforma, como uma resposta à Reforma Protestante,</p><p>deixando subentendido que, caso Lutero não houvesse existido, nada teria</p><p>acontecido em Roma e na religião católica. Tal pensamento precisa ser</p><p>revisto. É necessário compreender que, antes mesmo de Lutero, já havia</p><p>dentro da igreja romana um desejo de mudança. Muitos historiadores, hoje</p><p>em dia, preferem usar o termo Reforma Católica, e não Contrarreforma. Mas</p><p>então, se já havia o desejo interno da Igreja Católica de renovação, por que</p><p>aconteceu a cisão com os protestantes? Provavelmente porque os esforços de</p><p>renovação foram insignificantes e tardios para evitar Lutero.</p><p>Um aprofundamento sobre o assunto pode ser lido nas obras de grandes</p><p>expoentes da época, como Jerônimo Savonarola e Inácio de Loyola (1491-</p><p>1556), este último, fundador da Ordem dos Jesuítas que, conjuntamente</p><p>com as também recentes Ordem dos Capuchinhos (1525) e Ordem dos</p><p>Teatinos (1524), tornaram-se expressões da chamada Contrarreforma, ainda</p><p>que estas duas últimas ordens (também foram criadas outras cinco no</p><p>período) tenham tido muito menos expressividade que a primeira. Em 27 de</p><p>setembro de 1540, a nova ordem obteve aprovação papal e, em 22 de abril</p><p>do ano seguinte, os primeiros jesuítas fizeram o quádruplo voto de pobreza,</p><p>castidade, obediência a Deus e obediência ao papa.</p><p>A Ordem dos Jesuítas foi fundada durante o pontificado de Paulo IV</p><p>(1555 a 1559) em meio ao Concílio de Trento, conhecido também pela</p><p>publicação do Índice de Livros Proibidos, isto é, uma lista com pleta de obras</p><p>heréticas proibidas universalmente em 1559. Em outras palavras, o bom</p><p>católico estava proibido de ler esses livros, e na lista constavam todas as</p><p>obras de todos os reformadores protestantes. Por essa razão, o Papa Paulo</p><p>IV é conhecido como o papa da Contrarre forma. Ele tinha uma forte</p><p>rigidez dogmática e muita determinação em eliminar o Protestantismo.</p><p>Anos antes, em 1512, o Papa Júlio II (1503 a 1513) havia convocado o V</p><p>Concílio de Latrão, para tentar reafirmar o poder papal. Sem sucesso, a</p><p>esperança pontifical estava em convocar o XIX Concílio Geral da Igreja</p><p>Católica, que ficaria conhecido como Concílio de Trento e seria convocado,</p><p>em 1545, pelo Papa Paulo III.</p><p>O Concílio de Trento, ao encerrar a esperança de reconciliação entre</p><p>protestantes e católicos, marcou o surgimento da Igreja Católica moderna.</p><p>Foi, inclusive, no Concílio de Trento que, ao nome “Igreja”, adicionaram-se</p><p>os termos “Católica” e “Romana”, como é conhecida até hoje. Considerado</p><p>o mais importante Concílio Geral da história da Igreja Católica depois de</p><p>Niceia (325), foi o último até o Concílio Vaticano I (1869-70). O Concílio</p><p>Vaticano I, realizado 300 anos depois, pode ser compreendido como a</p><p>conclusão do Concílio de Trento. Após ele, ocorreu o Concílio Vaticano II</p><p>(1962-65), que revisitou e reviu alguns temas, promovendo uma abertura ao</p><p>diálogo com os protestantes. O enorme intervalo em que o Concílio de</p><p>Trento exerceu influência direta deixa inquestionáveis sua importância e sua</p><p>relevância na história da Igreja.</p><p>O Concílio de Trento foi convocado em meio a grandes problemáticas,</p><p>como a doutrina conciliarista, que perpassou as discussões medievais com a</p><p>proposta de que a autoridade de um concílio geral era superior à autoridade</p><p>de um papa. O conciliarismo foi definitivamente abolido com o Concílio de</p><p>Trento. O próprio local, a cidade de Trento (norte da Itália), foi escolhido</p><p>por questões políticas, pois correspondia às exigências políticas dos alemães,</p><p>ao mesmo tempo que não ficava longe de Roma. Portanto, quando a Igreja</p><p>Católica viu que não seria mais possível deter a Reforma Protestante,</p><p>convocou um concílio geral para tomar medidas enérgicas contra os</p><p>protestantes. Entre essas ações, a criação da Lista dos Livros Proibidos e a</p><p>formação da Ordem dos Jesuítas. Estava, assim, selada, de uma vez por</p><p>todas, a divisão entre católicos e evangélicos.</p><p>O interessante nesse ponto é que Espanha e Portugal permane ceram</p><p>fiéis ao papa, e foi nesse mesmo período que conquistaram a América.</p><p>Colombo encontrou o novo continente em 1492, e Cabral desembarcou em</p><p>terras que seriam o Brasil em 1500. Portanto, a Reforma Protestante ocorria</p><p>enquanto a Península Ibérica organizava expedições e administrava suas</p><p>novas colônias. Por isso, mais que depressa, os jesuítas foram enviados para</p><p>cá. Com a descoberta de nativos denominados índios, os padres deveriam</p><p>catequizá-los, antes que os protestantes o fizessem. Destarte, o Brasil é</p><p>predomi nantemente católico até hoje. O Catolicismo instalou-se em sua</p><p>cultura e em sua estrutura</p><p>desde o início. E não foi uma simples ação de</p><p>imigrantes, mas praticamente uma campanha feroz. O Catolicismo,</p><p>instalado no Brasil, foi o Catolicismo do Concílio de Trento. O</p><p>Catolicismo da Contrarreforma. Ele já nasceu por aqui antiprotestante. E,</p><p>quando os protestantes chegaram em definitivo, a partir do século 19 – três</p><p>séculos depois –, implantaram um Protestantismo anticatólico, ora pois.</p><p>Enquanto a América Latina, toda ela colonizada por Portugal e</p><p>Espanha, tornava-se católica, os países germânicos e anglo-saxônicos</p><p>tornavam-se majoritariamente protestantes. Enquanto o Brasil, colonizado</p><p>por Portugal, recebia o Catolicismo de Trento, os Estados Unidos,</p><p>colonizado pelos ingleses, recebiam os puritanos. Dois séculos mais tarde, os</p><p>missionários protestantes estadunidenses (e não europeus) desembarcariam</p><p>em solo brasileiro para combater o Catolicismo tridentino (e não medieval).</p><p>Houve, no século 19, um verdadeiro choque entre um Protestantismo</p><p>puritano revisto e ampliado nos Estados Unidos com um Catolicismo</p><p>herdeiro direto da denominada Contrarreforma Católica.</p><p>Em 1822, o Brasil deixou de ser colônia de Portugal. Ao proclamar</p><p>independência, teve início o período monárquico, e, em 1824, o país</p><p>recebeu a sua primeira Constituição. Ela estabelecia que houvesse uma</p><p>religião oficial, o Catolicismo. Inclusive com o regime do padroado, isto é,</p><p>os clérigos da Igreja Católica eram funcionários do Estado e deviam</p><p>obediência ao imperador. Não havia liberdade de religião. Esta só veio com</p><p>a Proclamação da República, em 1889. Mas, por pressão da Inglaterra, que</p><p>tinha muitos imigrantes anglicanos no Brasil, o Protestantismo foi somente</p><p>tolerado, e com a condição de não pregarem e nem possuírem prédios</p><p>públicos. Daí surgiu a cultura, no Brasil, dos templos protestantes não</p><p>serem construídos com torres, sinos e cruzes. É que eles não poderiam ser</p><p>identificados.</p><p>Iniciamos este capítulo explicando que, do ponto de vista etimológico,</p><p>evangélico significa aquele que segue o Evangelho, podendo ser aplicado a</p><p>todos os cristãos. Porém, do ponto de vista histórico e social, evangélico</p><p>refere-se ao movimento cristão que começou com a Reforma Protestante,</p><p>em 31 de outubro de 1517. Evangélico foi o termo que, pouco a pouco, os</p><p>próprios luteranos foram usando para si mesmos, para se diferenciarem dos</p><p>católicos. Trezentos anos depois do início da Reforma Protestante, em 31</p><p>de outubro de 1817, o imperador alemão Frederico Guilherme III (1770-</p><p>1840) tentou unificar o movimento em uma só igreja, e os seguidores da</p><p>teologia oriunda da Reforma Protestante decidiram adotar o termo</p><p>evangélico para designá-los, ao invés de luterano, calvinista, reformado ou</p><p>protestante. Estava consolidado o termo. Desse grupo vieram os imigrantes</p><p>alemães para o Brasil, trazendo o termo que se consagrou. A partir de 1851,</p><p>o Brasil estaria, para sempre, dividido entre católicos e evangélicos.</p><p>Novas Doutrinas Dividem</p><p>o Movimento</p><p>Sempre costumo dizer que o primeiro passo para quem deseja estudar a</p><p>história das religiões é entender que nenhuma religião é um grupo coeso e</p><p>monolítico. Ainda que a religião tenha uma capacidade extraordinária de</p><p>promover a coesão, sempre haverá subgrupos e divisões internas. Sempre</p><p>haverá pessoas pensando diferente dentro de um mesmo segmento. Por isso,</p><p>eu gosto de utilizar o exemplo do GPS ou de aplicativos de mapas.</p><p>Digamos que você esteja procurando um determinado endereço. Você</p><p>pode colocar na busca do seu aplicativo o nome de uma cidade. Então, será</p><p>direcionado para uma visão geral daquela determinada cidade no mapa. Em</p><p>seguida, poderá dar um zoom, e logo aparecerão os nomes dos bairros. Por</p><p>fim, você colocará mais zoom, e surgirão os nomes das ruas. E, caso coloque</p><p>ainda mais zoom, dependendo do app que estiver utilizando, poderá</p><p>enxergar casa por casa. O estudo das religiões é muito parecido.</p><p>O primeiro olhar levará você às grandes religiões do mundo:</p><p>Cristianismo, Espiritismo, Islamismo, Catolicismo, Judaísmo, Budismo e</p><p>Hinduísmo, por exemplo. Mas, ao dar um zoom sobre o Cristianismo, você</p><p>perceberá que existem católicos, protestantes, ortodoxos e espíritas. Ao dar</p><p>um zoom sobre os protestantes, perceberá que existem presbi terianos,</p><p>batistas, adven tistas, assembleianos e mais uma infinidade de denominações.</p><p>Ao dar um zoom sobre os presbiterianos, descobrirá que existe a Igreja</p><p>Presbi teriana do Brasil, a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, a</p><p>Igreja Presbiteriana Conservadora do Brasil, a Igreja Presbiteriana</p><p>Renovada do Brasil e a Igreja Presbiteriana Unida do Brasil. E, se der um</p><p>zoom sobre a Igreja Presbiteriana do Brasil, perceberá que nem todos os</p><p>grupos e lideranças dentro daquela denominação pensam da mesma forma.</p><p>Aliás, o que é denominação? Denominação é o termo utilizado para</p><p>definir cada subgrupo ou segmento doutrinário entre os evangélicos. É um</p><p>conjunto de igrejas ou congregações locais que podem ter o mesmo nome,</p><p>que seguem a mesma doutrina e estrutura organizacional, e têm uma</p><p>liderança que dirige tal grupo de igreja. Em geral, uma denominação</p><p>evangélica também é uma pessoa jurídica. Assim, por exemplo, as diversas</p><p>igrejas presbiterianas espalhadas pelo Brasil se unem e formam a Igreja</p><p>Presbiteriana do Brasil, que é a denominação. Portanto, denominação pode</p><p>ser também vista como o coletivo de igrejas de uma deter minada doutrina.</p><p>O termo existe para diferenciar os segmentos. Ou seja, de um lado se tem os</p><p>evangélicos denominados presbiterianos, de outro se tem os evangélicos</p><p>denominados batistas, e assim por diante.</p><p>QUADRO 1: OS PRINCIPAIS MOVIMENTOS EVANGÉLICOS E SUA RELAÇÃO UNS</p><p>COM OS OUTROS</p><p>Diante disso, é muito importante saber que, para estudar uma</p><p>determinada religião ou um segmento que passaremos a chamar</p><p>denominação, é necessário consultar as fontes dos próprios grupos que você</p><p>pretende estudar. Um equívoco bem comum é que muitas pessoas estudam</p><p>uma determinada denominação lendo o que outra denomi nação concorrente</p><p>escreveu sobre ela. O problema é que esse tipo de literatura sempre faz juízo</p><p>de valor e a pessoa acaba formando uma opinião sobre o outro grupo de</p><p>maneira preconceituosa.</p><p>Assim, neste livro, trouxemos uma visão panorâmica de todas as</p><p>denominações, sem fazer juízo de valor sobre elas a partir de um</p><p>determinado ponto de vista, e focamos exclusivamente em apresentar a</p><p>história de cada uma e como essa história se desenvolveu em decorrência do</p><p>que cada grupo acredita.</p><p>Dito isso, antes de entrarmos propriamente no nome das igrejas,</p><p>principalmente no Brasil, precisamos conhecer diversos movimentos</p><p>religiosos que influenciaram os evangélicos e que, por causa deles, surgiram</p><p>diferentes igrejas ou denominações. Um movimento evangélico geralmente</p><p>é um fenômeno que agrega seguidores em torno de uma novidade e acaba</p><p>influenciando as denominações, quase sempre fazendo surgir novas</p><p>denominações que destacam essa novidade. Os prin cipais movimentos que</p><p>já ocorreram na história dos evangélicos são: os puritanos, os pietistas, os</p><p>liberais, os fundamentalistas, os pentecostais e os neopentecostais.</p><p>OS PURITANOS</p><p>Como vimos, em 1534, na Inglaterra, o Rei Henrique VIII promulgou um</p><p>documento chamado Ato de Supremacia. Com isso, os ingleses romperam</p><p>definitivamente com a Igreja Católica. Começava a Igreja Anglicana.</p><p>Porém, foi no reinado da sua filha, Elizabeth I (1558-1603), que a nova</p><p>doutrina foi definitivamente estabelecida. O que ela fez? Nesse período, a</p><p>Inglaterra estava dividida. Uma parte da população queria continuar</p><p>católica, enquanto outra parte queria adotar as novas ideias da Reforma</p><p>Protestante. Então, ela teve uma ideia brilhante! Fez com que a Igreja</p><p>Anglicana ficasse “em cima do muro”. Manteve a liturgia católica para que o</p><p>povo, sobretudo os camponeses, que queria continuar católico, não visse</p><p>diferença alguma quando fosse ao culto dominical. E adotou uma teologia</p><p>protestante, para que a burguesia e outros membros da elite econômica</p><p>ficassem satisfeitos</p><p>com as mudanças. Com isso, Elizabeth I conseguiu</p><p>agradar uma grande parte da população e estabilizar seu reinado.</p><p>O problema é que uma minoria ficou insatisfeita com a jogada da</p><p>rainha. Essa minoria não queria uma igreja que ficasse em cima do muro.</p><p>Então, deu-se início a um movimento que desejava purificar a Igreja</p><p>Anglicana. Queriam que a Igreja da Inglaterra deixasse todas as práticas da</p><p>Igreja Católica e ficasse totalmente “purificada”. Por isso foram chamados</p><p>puritanos. Nesse período, houve um grande conflito de interesses entre os</p><p>puritanos e os reis que sucederam a Rainha Elizabeth I. Assim, muitos</p><p>desses puritanos foram embora para a colônia da América, que viria a se</p><p>constituir no atual Estados Unidos. Alguns permaneceram na Inglaterra e</p><p>fizeram a Revolução Inglesa em 1688, que acabou com a monarquia</p><p>absolutista e implantou o parlamentarismo vigente até hoje no Reino</p><p>Unido. Os puritanos também são chamados separatistas ou não conformistas.</p><p>O grupo de puritanos era muito diversificado. Parte acreditava que a</p><p>Igreja deveria adotar o Calvinismo como teologia e ser administrada por</p><p>uma reunião de anciãos, o presbitério. Daí surgiu a Igreja Presbiteriana.</p><p>Outra parte defendia que a Igreja deveria ser administrada por toda a</p><p>congregação, mas defendia também que, ao nascer, as crianças teriam de ser</p><p>batizadas. Daí surgiu a Igreja Congregacional. Um terceiro grupo acreditava</p><p>que a Igreja deveria ser administrada por toda a congregação, mas que</p><p>somente os adultos deveriam ser batizados. Surgiram, então, os batistas.</p><p>Mas esse grupo ficou ainda mais dividido. Por um lado, aqueles que</p><p>queriam uma teologia calvinista; estes foram chamados batistas particulares e</p><p>formavam a maioria. Os demais não aceitavam a teologia de Calvino e</p><p>preferiam a teologia de Armínio; foram chamados batistas gerais.</p><p>A diferença entre os calvinistas (batistas particulares) e os arminianos</p><p>(batistas gerais) baseava-se na doutrina da salvação. Para os calvinistas, antes</p><p>da fundação do mundo, Deus havia escolhido um grupo de pessoas que</p><p>seriam salvas. Essa doutrina se chama doutrina da predestinação. Por outro</p><p>lado, para os arminianos, cada pessoa deveria escolher o caminho que</p><p>quisesse seguir, isto é, tinham livre-arbítrio. Falaremos mais sobre isso no</p><p>quarto capítulo.</p><p>Os puritanos davam muita ênfase à disciplina espiritual indivi dual. Um</p><p>dos puritanos mais famosos foi John Bunyan (1628-88). Ele era um pastor</p><p>batista com pouca instrução e sofreu muita perseguição por causa de sua fé.</p><p>Quando esteve preso, escreveu O peregrino, que se tornou best-seller. O livro</p><p>foi traduzido para dezenas de idiomas ao redor do mundo por causa da sua</p><p>importância espiritual e literária para os evangélicos. Outro destaque foi o</p><p>pastor Roger Williams (1603-83). Também por causa da perseguição, fugiu</p><p>para os Estados Unidos em 1631 e, em 1639, organizou a Primeira Igreja</p><p>Batista em Providence, que se tornou a primeira igreja batista dos Estados</p><p>Unidos. Hoje, as igrejas batistas estadunidenses somam aproximadamente</p><p>50 milhões de membros e concentram a maioria dos batistas do mundo.</p><p>Entre os puritanos, além de denominações famosas e conhecidas no</p><p>Brasil, como batistas e presbiterianos, também estavam grupos que</p><p>atualmente são conhecidos pela excentricidade, como os quakers, os amishes</p><p>e os hutteritas. Esses três grupos, hoje em dia, são prati camente agrupados</p><p>como amishes. É recorrente ver programas de curiosidades sobre eles,</p><p>filmando as pessoas em carroças com roupas de época. Vivem,</p><p>principalmente, no estado da Pensilvânia e não utilizam energia elétrica ou</p><p>produtos tecnológicos. Muitas vezes são confundidos com os menonitas.</p><p>Porém, apesar da origem comum – os anabatistas do século 16 –, os</p><p>menonitas se comportam da mesma forma que as demais denominações</p><p>puritanas (batistas e presbiterianos), sem excen tricidades.</p><p>Entre os puritanos também se destacou o pastor batista inglês Charles</p><p>Haddon Spurgeon, nascido no dia 19 de junho de 1834. De 1848 a 1850,</p><p>ele viveu um período de muitas dúvidas e amarguras. Ficou convicto de que</p><p>não era um cristão de fato, mesmo tendo sido criado em todo o ambiente</p><p>religioso de sua família e região, e sob forte influência puritana. Em janeiro</p><p>de 1850, converteu-se e foi batizado pelo pastor batista da Igreja de Islehan,</p><p>W.W. Cantolw, no rio Lark, em 3 de maio do mesmo ano, passando a ser</p><p>aceito na congregação batista particular de Newmarket. Assim, Spurgeon</p><p>tornou-se um batista calvinista.</p><p>Depois, Spurgeon começou a distribuir folhetos nas ruas e a ensinar a</p><p>Bíblia na Escola Dominical às crianças. Em agosto, mudou-se para</p><p>Cambridge, onde trabalhou também na escola dominical. Nesse mesmo</p><p>ano, pregou seu primeiro sermão em Teversham. Em outubro de 1851, foi</p><p>convidado a pregar na Igreja Batista de Waterbeach, ao norte de</p><p>Cambridge. A congregação cresceu rapidamente. Em janeiro de 1852,</p><p>Spurgeon aceitou o pastorado efetivo dessa capela. A fama de potente</p><p>pregador logo cresceu na região. Em 1854, os membros da Igreja de New</p><p>Park Street, sem pastor efetivo desde 1853, convidaram de novo o jovem a</p><p>pregar e, nessa ocasião, pediram que fosse testado por seis meses até assumir</p><p>o pastorado vago da Igreja. Porém, em abril de 1854, somente dois meses</p><p>depois, foi eleito pastor e confirmado no cargo, o qual preencheu</p><p>efetivamente até 1891.</p><p>Alguns o criticavam pelo estilo de pregação. Outros o consideravam</p><p>muito teatral. Mesmo com toda oposição, a antes vazia e reduzida</p><p>congregação atraiu a atenção de muitos. Nos anos que se seguiram, o</p><p>templo, outrora despovoado, não suportava a audiência, que chegou a dez</p><p>mil pessoas, somando a assistência de todos os cultos da semana. O número</p><p>de pessoas era tão grande, que as ruas próximas à igreja se tornaram</p><p>intransitáveis. Com o passar do tempo, Charles Haddon Spurgeon virou</p><p>uma celebridade mundial. Recebia convites para pregar em outras cidades</p><p>da Inglaterra, bem como em outros países. Até hoje é muito respeitado, e</p><p>ficou conhecido como o príncipe dos pregadores. No tradicional bairro de</p><p>Elephant & Castle, em Londres, é possível ver o Spurgeon Tabernacle, a</p><p>igreja batista que pastoreou, como um ponto turístico.</p><p>O PIETISMO E OS GRANDES AVIVAMENTOS</p><p>A partir do século 17, após a Revolução Industrial, um fenômeno tomou</p><p>conta do mundo anglo-saxão: diversas manifestações espirituais aconteciam</p><p>entre determinados grupos evangélicos que ficaram conhecidos como</p><p>grandes despertamentos ou avivamentos. Muitos pregadores inflamados</p><p>falavam por horas diante de suas congregações e causavam enorme</p><p>comoção, ao ponto de mudarem o pensamento de boa parte da população.</p><p>Esses avivamentos influenciavam não só a vida cotidiana dos evangélicos,</p><p>como também refletiam direta e objetivamente na sociedade, sobretudo nas</p><p>questões sociais. O primeiro momento ocorreu entre os anos de 1730 e</p><p>1755. O segundo, entre 1790 e 1840.</p><p>O primeiro movimento teve início com um pregador puritano chamado</p><p>Jonathan Edwards (1703-58). Ele era pastor de uma igreja congregacional</p><p>em Massachusetts, na época em que os Estados Unidos ainda eram colônia</p><p>da Inglaterra. Seu sermão mais famoso foi Pecadores nas mãos de um Deus</p><p>irado, proferido em 8 de julho de 1741. Nesse dia, as pessoas que estavam</p><p>na congregação foram tomadas de tamanho pavor por causa de seus</p><p>pecados, que choravam, se jogavam no chão e lamentavam profundamente</p><p>seus erros.</p><p>Enquanto Jonathan Edwards trabalhava nos Estados Unidos, outro</p><p>pregador impactava auditórios na Inglaterra: George Whitefield (1714-70).</p><p>Estudou na universidade de Oxford, e lá havia um grupo de anglicanos que</p><p>se reunia periodicamente para buscar a Deus e estudar a Bíblia. Desse grupo</p><p>participavam também John Wesley (1703-91) e seu irmão Charles (1707-</p><p>88), que mais tarde, também como resultado do grande avivamento,</p><p>fundaram a Igreja Metodista, ou o metodismo que, como veremos, também</p><p>serviu de base para o surgimento de inúmeras denominações.</p><p>A Igreja Anglicana, desde seu início no século</p><p>16, adotara o Calvinismo</p><p>como base teológica. Como vimos, dela surgiram os puritanos, que eram</p><p>majoritariamente calvinistas. No grupo que se reunia na universidade de</p><p>Oxford, houve uma grande divisão. John Wesley repudiou o Calvinismo,</p><p>passando a adotar o Arminianismo. A diferença é que, para os calvinistas,</p><p>Deus escolheu de antemão quem iria para o Céu e quem iria para o Inferno.</p><p>Assim, para os calvinistas, só iria até Cristo quem fora por Deus</p><p>predestinado para tal. John Wesley adotou o conceito de livre-arbítrio. Ao</p><p>contrário da doutrina da predestinação, os arminianos acreditavam que os</p><p>próprios indivíduos escolhiam se queriam aceitar ou rejeitar a salvação.</p><p>Voltaremos a esse assunto também no quarto capítulo.</p><p>Como já dissemos, uma característica importante de um avivamento é a</p><p>sua aplicação nas questões sociais. Uma aplicação direta do movimento</p><p>liderado por John Wesley, que deu origem aos metodistas, foi a luta pela</p><p>libertação dos escravos e a criação de escolas filantrópicas para os</p><p>proletários, que eram explorados no período da Revolução Industrial.</p><p>Inicialmente, essas escolas eram regulares. Após a universalização do ensino,</p><p>tornaram-se Escolas Bíblicas Dominicais, existentes até hoje. Outra</p><p>característica é que o Protestantismo, até então predominantemente</p><p>calvinista, passou a se tornar predominantemente arminiano, como é hoje.</p><p>Durante a ditadura militar no Brasil, até mesmo como resistência, as</p><p>universidades foram muito influenciadas pela historiografia marxista, que</p><p>explica os acontecimentos históricos pelo pressuposto econômico. Por isso,</p><p>difundiu-se que a Inglaterra pressionou os países pelo fim da escravidão –</p><p>entre eles o Brasil – por motivos puramente econômicos, pois precisava de</p><p>mercado consumidor para seus produtos industrializados, o que seria melhor</p><p>se os escravos recebessem salários. Essa explicação está ultrapassada hoje em</p><p>dia e é considerada reducionista. Estudos recentes mostram que a motivação</p><p>da Inglaterra em lutar contra a escravidão também foi religiosa. Os</p><p>avivamentos, sobretudo o início do movimento metodista, declaradamente</p><p>abolicionista, fizeram com que houvesse uma pressão humanitária contra a</p><p>escravidão no mundo.</p><p>O segundo grande momento ocorreu entre 1790 e 1840, após o período</p><p>da revolução e da independência dos Estados Unidos, em 1776. Seu</p><p>principal representante foi o pastor presbiteriano Charles Finney (1792-</p><p>1875), cujos imensos auditórios que o ouviam tinham reações semelhantes</p><p>aos auditórios que ouviam Jonathan Edwards e George Whitefield, com o</p><p>diferencial de que Finney pregava de improviso. Outra importante</p><p>característica do segundo momento do grande despertamento foi a</p><p>predominância dos pregadores batistas.</p><p>Enquanto esses avivamentos sacudiam os puritanos dos Estados Unidos,</p><p>algo semelhante acontecia entre os luteranos que se concentravam não só</p><p>nos países anglo-saxões, como Alemanha, Holanda e Dinamarca. Era o</p><p>Pietismo. O movimento acentuou a individualização, a interiorização e a</p><p>subjetividade da experiência religiosa na vida do fiel, desenvolvendo novas</p><p>formas de devoção cristã – a piedade pessoal –, que provocaram</p><p>transformações, tanto nas denominações, como na sociedade.</p><p>Ao acentuar o individualismo e a espiritualização da fé, o Pietismo</p><p>procurou superar o Confessionalismo, isto é, aquela prática da Reforma</p><p>Protestante de definir as crenças da religião por meio de documentos</p><p>chamados Confissão. Para os pietistas, isso era uma fé fossilizada, sem ação</p><p>prática. Assim como os metodistas criticavam a intelectualidade fria do</p><p>Anglicanismo, em busca de uma fé mais emotiva que se manifestasse em</p><p>ações práticas, os pietistas criticavam a frieza das igrejas luteranas, que</p><p>também enfatizavam a intelectualidade em detrimento das experiências</p><p>emocionais. Esses movimentos deram início à ideia de conversão provocada</p><p>pelo Espírito Santo para o início de uma caminhada de santidade. Para</p><p>ambos, avivalistas saxões, ou pietistas alemães, se a relação com Deus não</p><p>culminasse numa vida santifi cada, a fé seria mera aparência.</p><p>Assim, como vimos, uma característica em comum de todos esses</p><p>movimentos de tal período foi a ênfase que os pregadores deram na</p><p>supremacia da experiência sobre a intelectualidade. Davam extrema</p><p>importância, especialmente, à experiência de conversão. Para eles, somente</p><p>tornavam-se membros das igrejas aqueles que podiam dar um testemunho</p><p>público da sua conversão, chamado profissão de fé, e não mais se tornavam</p><p>membros automaticamente por terem nascido em famílias ou sociedades</p><p>cristãs.</p><p>O processo geralmente era assim: o pregador expunha a Bíblia para um</p><p>grande auditório e, ao final, fazia um convite para que as pessoas se</p><p>convertessem. Esse convite se chamava apelo. Geralmente as pessoas</p><p>aceitavam o convite levantando as mãos. Depois, eram doutrinadas até o dia</p><p>do batismo, precedido por uma pública confissão de fé. Bom, o que você</p><p>acabou de ler não é uma coincidência. Inúmeras igrejas evangélicas têm essa</p><p>mesma prática até hoje, e ela é uma influência dos grandes avivamentos</p><p>desse período.</p><p>E não podemos esquecer que tudo isso está ligado ao predomínio da</p><p>teologia arminiana entre os evangélicos. As igrejas de orientação calvi nista –</p><p>também chamadas reformadas – não fazem esse gesto, pois entendem que a</p><p>salvação não é uma escolha individual, mas uma escolha prévia de Deus. E</p><p>se Deus escolheu a pessoa para a salvação, ele mesmo se encarregará de</p><p>trazê-la para a fé cristã. Contudo, em sua maioria, os pregadores evangélicos</p><p>fazem apelo ao final do sermão porque creem que os indivíduos que</p><p>compõem o auditório têm em suas mãos o poder de decisão de aceitar ou</p><p>não a salvação de suas almas oferecida por Cristo. Essa ênfase numa</p><p>experiência subjetiva de conversão como pré-requisito para se tornar</p><p>membro de uma igreja evangélica, tal qual ainda é majoritariamente</p><p>praticado no Brasil, bem como o predomínio de evangélicos arminianos (e</p><p>não mais calvinistas) é fruto direto do grande avivamento anglo-saxão dos</p><p>sé culos 18 e 19.</p><p>Esse período do grande despertamento também coincide com o</p><p>imperialismo europeu, ou neocolonialismo, em que países da Europa,</p><p>sobretudo a Inglaterra, conquistaram colônias na África e na Ásia. É nesse</p><p>mesmo período que a Índia se torna colônia da Inglaterra. Uma das</p><p>maneiras de a Europa legitimar a dominação sobre os africanos e os</p><p>asiáticos era justamente dizendo que iria brindá-los com a civilização e o</p><p>Cristianismo. Justamente por isso começam a surgir as agências de envio de</p><p>missionários para o mundo.</p><p>Um dos pioneiros foi um jovem inglês, aprendiz de sapateiro, William</p><p>Carey (1761-1834). Seu pai era um tecelão que trabalhava em casa. Carey</p><p>seguiu na profissão até os 28 anos. Converteu-se aos 18 e ingressou na</p><p>Igreja Batista. Aos 19, casou-se com Dorothy, cunhada de seu patrão. Em</p><p>1785, recebeu o convite para ser pastor em tempo parcial (pois continuava</p><p>trabalhando como sapateiro) numa pequena comunidade batista da</p><p>Inglaterra. Mais tarde, foi chamado para pastorear uma igreja maior em</p><p>Leicester, mas, mesmo assim, ainda precisava trabalhar secularmente para</p><p>sustentar a família.</p><p>A igreja da qual fazia parte era uma igreja batista particular, isto é,</p><p>calvinista. E os calvinistas, como vimos, creem na doutrina da</p><p>predestinação. O Calvinismo acentuado, denominado Hipercal vinismo,</p><p>acredita que não é preciso fazer missões, pois quem for predestinado a ser</p><p>salvo se converterá por Providência Divina. Então, naquele contexto, as</p><p>igrejas não viam necessidade de preparar e enviar missionários, e Carey</p><p>ficava muito angustiado com isso. Foi para quebrar essa mentalidade que</p><p>escreveu o tratado intitulado Uma investigação sobre o dever dos cristãos de</p><p>empregarem meios para a conversão dos pagãos, em 1792. Tratava-se de uma</p><p>exposição e análise do mundo de seus dias, que refletia a necessidade</p><p>urgente da pregação do Evangelho às nações de todos os continentes. Nesse</p><p>tratado, Carey também expõe argumentos lógicos e teológicos,</p><p>apresentando-os como fundamentos para o envio de missionários aos</p><p>pagãos, frisando especialmente que o Reino de Deus tem que ser</p><p>proclamado a toda a Terra.</p><p>A força dos argumentos de Carey e o vigor do seu entusiasmo</p><p>resultaram na formação da Sociedade Missionária Batista, organizada em</p><p>setembro de 1792. Menos de um ano depois, em junho de 1793, ele e sua</p><p>família partiram para a Índia como membros da referida sociedade. Carey</p><p>chegou em Hooghly no dia 11 de novembro de 1793, marcando o início da</p><p>grande era das missões além-mar, promovidas pela Inglaterra e os Estados</p><p>Unidos.</p><p>O trabalho de Carey na Índia foi muito relevante. Considerado o pai das</p><p>missões modernas, além da pregação do evangelho e tradução da Bíblia,</p><p>lutou contra a queima de viúvas e o assassinato de crianças, que, com</p><p>frequência, ocorriam naquela sociedade. Também instituiu uma igreja au-</p><p>tóctone, com a Bíblia escrita na língua do povo, com uma liderança nativa e</p><p>traços distintivos que não fossem importados da Europa. Mas, como</p><p>dissemos, é preciso frisar que sua ação missionária ocorreu no período do</p><p>imperialismo, em que os países europeus conquistaram política e</p><p>economicamente vários países da Ásia e da África. Essa conquista, muitas</p><p>vezes em busca de matéria-prima e mercado consumidor para sustentar a</p><p>segunda fase da Revolução Industrial, não foi, em sua grande maioria,</p><p>benéfica aos países dominados. À Igreja desse período faltou um</p><p>posicionamento mais espiritual e crítico a esse respeito. Ela soube aproveitar</p><p>o momento para expandir a fé, mas pecou em não defender as causas sociais</p><p>dos que foram duramente oprimidos.</p><p>Enquanto a Europa colonizava a África e a Ásia, os Estados Unidos</p><p>lançavam a Doutrina Monroe – tem esse nome porque foi anunciada pelo</p><p>presidente James Monroe –, que pode ser resumida na frase “a América para</p><p>os americanos”. A ideia era justamente “proteger” o continente americano</p><p>da colonização europeia. Logo, os países latino-americanos não seriam mais</p><p>colonizados pelos europeus, mas pelos estadunidenses.</p><p>Além disso, desde a sua fundação, os Estados Unidos acreditam na</p><p>doutrina do Destino Manifesto. Isto é, dada a colonização protestante, o</p><p>imaginário coletivo acredita que eles foram escolhidos por Deus como povo</p><p>eleito para pregar o Evangelho para o mundo. Assim como no Antigo</p><p>Testamento – quando Deus escolhera Israel, livrando sua gente do cativeiro</p><p>no Egito e atravessando o deserto para formar o povo eleito na terra de</p><p>Canaã e servir de testemunho do Deus do Antigo Testamento ao mundo</p><p>daquela época –, na modernidade Deus escolhera os puritanos, livrando-os</p><p>da perseguição na Inglaterra ao atravessarem o Atlântico para formarem o</p><p>povo eleito na América e, da mesma forma, servir de testemunho do Deus</p><p>do Novo Testamento ao mundo de então. O Destino Manifesto foi um</p><p>discurso que ajudou a legitimar a ação missionária dentro da Doutrina</p><p>Monroe e evangelizar a América do Sul não só como projeto espiritual, mas</p><p>também como parte de um projeto político. O projeto deu certo. Ao longo</p><p>do século 20 chegaram mais e mais missionários, trazendo as mais diversas</p><p>de nominações evangélicas, como veremos, inculcando uma cultura</p><p>estadunidense em países da América do Sul. E, como também veremos, um</p><p>dos meios mais eficazes de inculcar essa cultura entre os brasileiros foi</p><p>através da música.</p><p>Não por acaso, portanto, foi justamente nesse período que os primeiros</p><p>missionários chegaram ao Brasil. Da mesma forma que era preciso que a</p><p>Europa cristianizasse a África e a Ásia, era preciso que os Estados Unidos</p><p>cristianizassem o Brasil e os demais países do nosso continente. Porém,</p><p>enquanto os missionários europeus encontravam africanos e asiáticos que</p><p>nunca tinham ouvido falar em Jesus e na Bíblia – e aí era, de fato, uma</p><p>novidade –, por aqui os missionários tinham o seguinte problema: a</p><p>população já era cristã/católica. Como fazer? A única maneira de conseguir</p><p>penetrar nos países da América Latina seria, então, pregando contra o</p><p>Catolicismo.</p><p>E foi por isso que os evangélicos brasileiros, frutos das missões vindas</p><p>dos Estados Unidos, surgiram como uma espécie de antítese ao</p><p>Catolicismo. “Os católicos são idólatras que equivocadamente acreditam na</p><p>intercessão de Maria” virou o mote da pregação protestante. Essa antítese,</p><p>por exemplo, não era observada entre os protestantes de imigração. Como</p><p>vimos, na colonização portuguesa implantou-se o Catolicismo</p><p>antiprotestante da Contrarreforma. E com os missio nários estadunidenses</p><p>implantou-se um protestantismo anticatólico. Somente a partir do século 21</p><p>essa rivalidade começou a ser relativi zada no Brasil.</p><p>OS LIBERAIS E OS FUNDAMENTALISTAS</p><p>A partir do século 18, predominou na Europa a corrente intelectual do</p><p>Iluminismo. Trata-se de um pensamento profundo e complexo que, para</p><p>fins didáticos, costuma ser reduzido ao fato de que tais filósofos defendiam</p><p>uma explicação racional para os fenômenos naturais e sociais. Em termos</p><p>bastante reduzidos, eles acreditavam que a razão iluminaria a humanidade,</p><p>ao contrário da religião. Por isso, aspectos ligados à fé e à espiritualidade,</p><p>como as religiões cristãs e a Bíblia, foram severamente atacadas,</p><p>questionadas e criticadas pelos iluministas. O filósofo David Hume (1711-</p><p>76), por exemplo, afirmava que milagre e harmonia da natureza eram</p><p>excludentes: se existe harmonia, para que milagres? Para Hume, o</p><p>conhecimento vinha da experiência empírica, e não de revelação. Era</p><p>preciso experimentar, e não simplesmente acreditar.</p><p>O movimento liberal na Europa se deu em paralelo com o que o</p><p>sociólogo Max Weber chamou de processo de secularização. Em linhas gerais,</p><p>trata-se de um processo em que, com o advento da ciência moderna, a</p><p>humanidade perderia, pouco a pouco, a tutela da religião sobre suas vidas. A</p><p>razão do Iluminismo tinha certeza do progresso, da evolução, e entendia</p><p>que a religião atrapalhava o ser humano. Por isso, naturalmente, no processo</p><p>emancipatório e libertário da História, a religião desapareceria. Seria coisa</p><p>de sociedades atrasadas. No má ximo, algo de âmbito privado, mas sem</p><p>influência política e social. A sociedade seria guiada exclusivamente pela</p><p>ciência, capaz de trazer todas as respostas. Assim como a vacina poderia</p><p>evitar doenças no mundo natural, a diplomacia poderia evitar as guerras no</p><p>mundo social, por exemplo. Esse otimismo, na Europa, foi chamado Belle</p><p>Époque, isto é, bela época em francês.</p><p>Diante disso, no século 19, teólogos europeus, principalmente na</p><p>Alemanha, viram a necessidade de dialogar com os pensadores críticos e</p><p>elaboraram uma teologia que ficou conhecida como Teologia Liberal. Para</p><p>essa corrente de pensamento, o foco era a defesa da essência do</p><p>Cristianismo diante das críticas que a ciência trazia. Ela procurava</p><p>demonstrar que, apesar de as críticas históricas serem válidas, em sua</p><p>essência o Cristianismo não era contrário ao mundo moderno. Os teólogos</p><p>liberais lançaram-se ao estudo do Novo Testamento para, por trás daquilo</p><p>que a ciência moderna chamava de inconsistência histórica, mostrar – pois ela</p><p>de fato existia – a verdadeira mensagem de Jesus. Um dos seus principais</p><p>expoentes foi o teólogo alemão Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher</p><p>(1768-1834), que, em 1799, publicou o livro Sobre religião. Para ele, a</p><p>teologia é o serviço com o qual a Igreja responde perguntas da época, e não</p><p>uma coleção de dogmas eternos. Outro famoso expoente da teologia liberal</p><p>foi o também alemão Rudolf Karl Bultmann (1884-1976).</p><p>Em outras palavras, ou em síntese introdutória, os expoentes da</p><p>Teologia Liberal pregavam que era possível fazer uma interpretação racional</p><p>da Bíblia. Nesse caso, as narrativas extraordinárias poderiam ser explicadas</p><p>por meio da razão. Por exemplo: quando a Bíblia narra que Jesus</p><p>multiplicou pães e peixes (Mateus 15:32-39), pode ter sido uma metáfora de</p><p>que, quando o menino se apresentou com o que ele tinha, os demais se</p><p>constrangeram e compartilharam a comida que tinham também, a ponto de</p><p>ter sobrado.</p><p>Uma das consequências da Teologia Liberal foi a doutrina</p><p>universalista, que pregava que não haveria um castigo eterno para a</p><p>humanidade, mas todos iriam para o Paraíso após a morte física. É</p><p>importante destacar, porém, que nem todos os teólogos liberais pensavam</p><p>da mesma forma.</p><p>Essa teologia influenciou, principalmente, os luteranos alemães. O</p><p>mundo anglo-saxão, contudo, que experimentava os avivamentos, não</p><p>aceitou tal postulado. Ao invés de dialogar com a modernidade, passou a</p><p>enfrentá-la e desconstruí-la. Entre 1909 e 1915, um grupo de protestantes</p><p>nos Estados Unidos publicou uma série de textos, sob o título The</p><p>Fundamentals – A Testimonium to the Truth (em português, Os fundamentos –</p><p>um testemunho em favor da verdade). Por causa desse título, seus adeptos</p><p>ficaram conhecidos como fundamentalistas.</p><p>Os textos defendiam verdades absolutas e intocáveis que deveriam ficar</p><p>imunes à ciência e à relativização das ciências. Temas como a sacralidade da</p><p>Bíblia como livro divino perfeito, infalível e inerrante, e a divindade da</p><p>pessoa de Jesus, que teria nascido de uma virgem e ressuscitado ao terceiro</p><p>dia, ainda que não houvesse explicação racional para isso não poderiam ser</p><p>negociados. A igreja evangélica negociar com a ciência moderna constituía</p><p>um pecado intolerável. Tal apostasia, inclusive, indicava sinais dos tempos,</p><p>mostrando o iminente retorno visível de Jesus à Terra.</p><p>Contra o otimismo iluminista que responderia tudo pela razão, os</p><p>fundamentalistas buscavam – e ainda buscam – a recristianização do mundo</p><p>ocidental. Os adeptos do movimento fundamentalista cristão estavam</p><p>convictos de que a política deveria ser cristã. A sociedade perfeita seria</p><p>alcançada, não por meio da ciência, mas quando todos se submetessem à</p><p>verdade religiosa como está na Bíblia – e, é claro, interpretada à luz do</p><p>dogma da sua própria denominação. Se o pres suposto científico contrariasse</p><p>a fé, que se abandonasse a ciência e se permanecesse com a crença popular</p><p>ou a opinião. Se a teoria da evo lução de Charles Darwin contrariasse a</p><p>narrativa de Gênesis, que Darwin não fosse ensinado nas escolas.</p><p>Isso também ocorreu no mundo islâmico. Muçulmanos passaram a</p><p>pregar que era preciso islamizar novamente as sociedades onde a Europa</p><p>havia infectado com a ciência e a modernidade. Assim como os evangélicos,</p><p>os muçulmanos também são extremamente diver sificados. Da mesma forma</p><p>que ocorre no mundo cristão, ocorre no mundo muçulmano: qual verdade é</p><p>a verdadeira verdade a ser en sinada?</p><p>Na origem, a palavra fundamentalismo não tinha conotação nega tiva,</p><p>como passou a ter após sua utilização pela mídia, principalmente para se</p><p>referir aos grupos terroristas islâmicos. O fato é que, tanto os termos liberal,</p><p>como fundamentalista, são, hoje em dia, utilizados de maneira inflacionada.</p><p>Chama-se liberal qualquer cristão que esteja aberto ao diálogo com as</p><p>ciências, com as demais religiões (ecume nismo), ou disposto a relativizar</p><p>alguns dogmas, como a condenação da homossexualidade. Alguns chegam,</p><p>equivocadamente, a chamar de liberal o cristão que bebe cerveja ou faz uma</p><p>tatuagem. Por outro lado, chama-se fundamentalista toda manifestação</p><p>religiosa fanática e intolerante, sem conhecimento do seu significado</p><p>histórico com os textos do início do século 20. Por isso, muita gente</p><p>desconhece que o movimento surgiu no meio evangélico e credita seu início</p><p>ao mundo muçulmano.</p><p>O fato é que a ciência iluminista (ou positivista) não deu conta de</p><p>responder todas as perguntas. Ao contrário do benefício das vacinas em</p><p>relação às doenças, a diplomacia não evitou as guerras, e o conhecimento</p><p>científico aperfeiçoou armas que promoveram carnificinas nunca vistas,</p><p>como as guerras mundiais (1914-18 e 1939-45) e a bomba atômica. A</p><p>decepção com o inevitável progresso da humanidade pregado pelos</p><p>otimistas da Belle Époque abriu espaço para o renas cimento mais vigoroso</p><p>do que nunca da religião. No mundo pós-moderno, sem uma autoridade</p><p>inquestionável como a ciência para ditar os rumos da humanidade com</p><p>segurança, o fundamentalismo ressurgiu como opção para dar significado às</p><p>vidas humanas.</p><p>Depois de tudo isso, do movimento pietista, dos grandes avivamentos e</p><p>do movimento fundamentalista, a experiência subjetiva e individual estava</p><p>pronta para ser o determinante. A experiência da conversão passou a dar</p><p>significado e orientação para a vida. Por causa da conversão, a biografia do</p><p>convertido adquiriu contorno e segurança em meio ao mundo que Zygmunt</p><p>Bauman (1925-2017) chama de Líquido. Enquanto tudo está fluido, a fé</p><p>evangélica (e as outras religiões, como o Islã) dá forma e mostra o caminho</p><p>a seguir.</p><p>O SURGIMENTO DO MOVIMENTO PENTECOSTAL</p><p>De tempos em tempos, o Cristianismo experimentou diversos fenômenos</p><p>que ficaram conhecidos como avivamentos ou despertamentos. O mais</p><p>significativo de todos, porém, foi o que aconteceu na rua Azuza, em Los</p><p>Angeles, Estados Unidos, em 1906, apesar de alguns historiadores</p><p>remontarem o início do movimento a 1901, na cidade de Topeka, Kansas.</p><p>O surgimento do movimento pentecostal é um tema complexo e, como em</p><p>tudo na História, não surgiu de um dia para o outro, mas foi um processo</p><p>que começou no final do século 19, prin cipalmente por meio do Movimento</p><p>de Santidade – falaremos adiante sobre ele – e se consolidou no início do</p><p>século 20.</p><p>Em 14 de abril de 1906, em um culto liderado pelo pastor William</p><p>Joseph Seymour, filho de escravos, num prédio abandonado que tinha</p><p>pertencido a uma Igreja Metodista, os participantes manifestaram diferentes</p><p>comportamentos, com destaque para a glossolalia – falar em línguas</p><p>estranhas – e a xenolalia – falar idiomas estrangeiros sem tê-los estudado.</p><p>Havia também relatos de que as pessoas caíam em prantos, desmaiavam,</p><p>gritavam…</p><p>A comunidade continuou ali por mais alguns anos com o nome de</p><p>Missão de Fé Apostólica e foi considerada o início oficial do movimento</p><p>pentecostal. O nome faz referência ao episódio narrado no livro de Atos,</p><p>capítulo 2, chamado Pentecostes. Além de doutrinas fundamentais, como a</p><p>crença em Jesus Cristo como Filho de Deus, aquela comunidade definiu</p><p>alguns pontos que seriam a estrutura das igrejas pentecostais: falar em</p><p>línguas estranhas como evidência do batismo no Espírito Santo foi um</p><p>deles. Até hoje, uma igreja é considerada pentecostal se os seus membros</p><p>passaram por essa experiência. O movimento se espalhou e chegou ao Brasil</p><p>poucos anos depois pela Congregação Cristã no Brasil e pela Assembleia de</p><p>Deus, como veremos à frente.</p><p>No Brasil, é comum classificar os evangélicos pentecostais em três</p><p>ondas. A primeira experiência, consequência dos eventos da rua Azuza,</p><p>como o surgimento da Congregação Cristã no Brasil e da Assembleia de</p><p>Deus, ficou conhecida como Pentecostalismo de primeira onda ou</p><p>Pentecostalismo clássico. A principal característica que a distinguia dos demais</p><p>evangélicos era o fenômeno da glossolalia. Em 1951, o missionário Harold</p><p>E. Williams fundou, no Brasil, a Igreja do Evangelho Quadrangular, dando</p><p>início assim ao Pentecostalismo de segunda onda. A partir de então, além da</p><p>glossolalia, outra característica que a dis tinguia das demais igrejas</p><p>evangélicas era a ênfase no dom de curas. Isto é, um dos dons espirituais era</p><p>a cura de pessoas doentes por meio de milagres. A Igreja do Evangelho</p><p>Quadrangular é a vertente brasileira da Foursquare Church. Falaremos a</p><p>esse respeito mais adiante, no capítulo sobre as denominações no Brasil.</p><p>No dia 9 de julho de 1977, teve origem a Igreja Universal do Reino de</p><p>Deus (IURD), pelo então pregador Edir Macedo. O surgimento da</p><p>Universal marca o início do que ficou conhecido no Brasil como</p><p>Pentecostalismo de terceira onda ou Neopentecostalismo. Ela acompanhava uma</p><p>tendência internacional de, além das doutrinas anteriores, como a glossolalia</p><p>e o dom de curas, pregar a teologia da prosperidade. Isto é, a promessa de que o</p><p>cristão seria próspero. Além disso, os neopentecostais descobriram que o</p><p>uso da televisão ajudaria na</p><p>expansão de suas igrejas. Essa tendência era</p><p>capitaneada por líderes dos Estados Unidos, como os pastores Mike</p><p>Murdock e Benny Hinn, cujos livros começaram a ser traduzidos para o</p><p>português a partir da década de 1980 e se tornaram a base doutrinária do</p><p>Neopentecostalismo. Porém, como veremos, apesar do marco cronológico,</p><p>classificar a IURD como neopentecostal é um equívoco.</p><p>OS EVANGÉLICOS DURANTE A GUERRA FRIA</p><p>Após a Segunda Guerra Mundial (1939-45), teve início a denominada</p><p>Guerra Fria (1945-91), uma disputa indireta entre os Estados Unidos,</p><p>representando o lado capitalista, e a União Soviética, representando o lado</p><p>comunista. Uma das características da Guerra Fria foi a disputa ideológica</p><p>entre as superpotências mundiais para influenciar os demais países. Nesse</p><p>sentido, a religião teve um papel fundamental, no lado capitalista, de ajudar</p><p>a combater o fantasma do comunismo. Não por acaso, os evangélicos dos</p><p>Estados Unidos, tal qual os engenheiros da NASA, estavam em constante</p><p>atualização. No Brasil, além do golpe militar, importar as novidades</p><p>evangélicas dos Estados Unidos também era uma ajuda política muito bem-</p><p>vinda na luta contra o regime cujos membros “comiam criancinhas”.</p><p>Ainda antes da Guerra Fria, durante a Segunda Guerra Mundial, teve</p><p>destaque o pastor alemão luterano Dietrich Bonhoeffer (1906-45), que não</p><p>podemos deixar de mencionar. Ele ficou conhecido por fazer parte da</p><p>resistência alemã contra o nazismo. Foi preso em 1943 por ajudar</p><p>refugiados de um campo de concentração. Também acabou se envolvendo</p><p>na operação Abwehr, uma das muitas operações que tentavam frear Adolf</p><p>Hitler, inclusive por meio do seu assassinato. Por isso foi enforcado em 9 de</p><p>abril de 1945, pouco tempo antes da derrota alemã para as tropas soviéticas.</p><p>Antes da militância, já era conhecido por vários livros que escrevera, além</p><p>de trabalhos acadêmicos como doutor em Teologia. Em 1933, escreveu A</p><p>Igreja e a questão judaica, argumentando que era papel da Igreja se opor ao</p><p>nazismo. Como pastor, professor e escritor, foi severamente censurado e</p><p>perseguido pela Gestapo (polícia secreta nazista).</p><p>Já durante a Guerra Fria, os evangélicos dos Estados Unidos</p><p>conheceram a militância do pastor batista Martin Luther King Jr. (1929-</p><p>68). Em 1955, Rosa Parks, uma mulher negra, se negou a ceder seu lugar</p><p>no ônibus para uma mulher branca e acabou presa. Os líderes negros da</p><p>cidade organizaram um boicote aos ônibus, para protestar contra a</p><p>segregação racial em vigor no transporte público. Durante a campanha de</p><p>um ano e dezesseis dias, coliderada por Martin Luther King, inúmeras</p><p>ameaças foram feitas contra a sua vida. Ele foi preso e viu sua casa ser</p><p>atacada. O boicote se encerrou com a decisão da Suprema Corte americana</p><p>de tornar ilegal a discriminação racial em transporte público.</p><p>King era seguidor das ideias de desobediência civil não violenta,</p><p>preconizadas por Mahatma Gandhi, e aplicava essas ideias nos protestos</p><p>organizados pelo CLCS – Conferência da Liderança Cristã do Sul. King</p><p>acertadamente previu que manifestações organizadas e não violentas contra</p><p>o sistema de segregação predominante no sul dos Estados Unidos, atacadas</p><p>de modo violento por autoridades racistas e com ampla cobertura da mídia,</p><p>iriam fomentar uma opinião pública favorável ao cumprimento dos direitos</p><p>civis e antirracista. Essa foi a ação fundamental que fez do debate acerca dos</p><p>direitos civis o principal assunto político nos Estados Unidos, a partir do</p><p>começo da década de 1960. King também organizou e liderou marchas, a</p><p>fim de conseguir o direito ao voto, o fim da segregação, o fim das</p><p>discriminações no trabalho e outros direitos civis básicos. A maior parte</p><p>destes direitos foi, mais tarde, agregada à lei estadunidense com a aprovação</p><p>da Lei de Direitos Civis (1964) e da Lei de Direitos Eleitorais (1965).</p><p>Em 14 de outubro de 1964, King se tornou a pessoa mais jovem a</p><p>receber o Nobel da Paz, que lhe foi outorgado em reconhecimento à sua</p><p>nação e à sua liderança na resistência não violenta e pelo fim do preconceito</p><p>racial nos Estados Unidos. Mesmo assim, Martin Luther King era odiado</p><p>por muitos segregacionistas do Sul, o que culminou no seu assassinato no</p><p>dia 4 de abril de 1968, momentos antes de uma marcha, num hotel da</p><p>cidade de Memphis. James Earl Ray confessou o crime, mas, anos depois,</p><p>repudiou sua confissão. Em 1986, foi estabelecido um feriado nacional nos</p><p>Estados Unidos para homenagear Martin Luther King, sempre na terceira</p><p>segunda-feira do mês de janeiro, data próxima ao seu aniversário.</p><p>Outro nome muito conhecido no período da Guerra Fria foi o do pastor</p><p>batista Billy Graham (1918-2018), que ficou conhecido como o pastor</p><p>conselheiro dos presidentes. Teve uma relação muito próxima com Dwight</p><p>Eisenhower, Richard Nixon, Lyndon B. Johnson e Bill Clinton. Foi a partir</p><p>de 1948 que começou o que o tornaria mundialmente famoso: as cruzadas</p><p>evangelísticas. Eram eventos gigantescos rea lizados em estádios ao redor do</p><p>mundo, que reuniam milhares de pessoas para ouvi-lo pregar. Estima-se</p><p>que, ao todo, tenha pregado para mais de 250 milhões de pessoas em 185</p><p>países. Em 25 de setembro de 1962, o público lotou o estádio do Pacaembu,</p><p>em São Paulo, para ouvi-lo, sendo notícia em todos os jornais da cidade.</p><p>Em 1960, fez campanha para Nixon contra John Kennedy, por este ser</p><p>progressista e católico. Billy Graham também foi um dos pastores pioneiros</p><p>do televangelismo. Estima-se que sua atuação no rádio e na televisão</p><p>alcançou uma audiência de mais de 2 bilhões de pessoas.</p><p>Enquanto Billy Graham, como pastor batista, representava os</p><p>protestantes tradicionais, outro pregador, de vertente pentecostal,</p><p>contemporâneo a ele, também ocupava espaço na mídia dos Estados</p><p>Unidos: Jimmy Swaggart. Nascido em 1935, também era músico e</p><p>intercalava suas pregações com canções enquanto tocava piano. Também</p><p>esteve várias vezes no Brasil e, como Billy Graham, o público lotou os</p><p>estádios para ouvi-lo. Jimmy Swaggart, contudo, ficou conhecido pelo</p><p>escândalo no qual se envolveu: em 1988, foi pegado em flagrante com uma</p><p>prostituta num motel, no período em que fazia uma conferência no estado</p><p>de Luisiana. Mas ele não foi o único. Foram comuns, nas décadas de 1970 a</p><p>1990, os escândalos sexuais envolvendo pastores famosos – inclusive no</p><p>Brasil –, e o caso Jimmy Swaggart acabou tendo maior repercussão porque</p><p>ele figurava entre os mais famosos. Muitas bandas de rock da época</p><p>compuseram músicas sobre esses escândalos, com destaque para “Holy</p><p>Smoke”, do Iron Maiden.</p><p>Os Evangélicos Chegam ao</p><p>Brasil</p><p>Por muito tempo, a academia convencionou classificar os evangélicos no</p><p>Brasil em três grandes grupos: os protestantes históricos, os pentecostais e os</p><p>neopentecostais. Porém, dado o crescimento numérico e a complexidade</p><p>atual, essa classificação já não dá mais conta da realidade. O primeiro</p><p>problema é que um mesmo grupo religioso transita entre as diferentes</p><p>classificações. Os batistas, por exemplo, podem ser tradicionais, pentecostais</p><p>de primeira onda, pentecostais de segunda onda, ou, ainda, uma igreja</p><p>neopentecostal pode auto denominar-se batista.</p><p>Outro problema é a ancestralidade. Os protestantes tradicionais se</p><p>distinguiam por serem mais antigos. Porém, denominações como</p><p>Congregação Cristã no Brasil e Assembleia de Deus já criaram uma</p><p>tradição, e este termo não pode mais ficar restrito aos protestantes</p><p>históricos. Isso acompanhado da liturgia. Antigamente, um culto</p><p>protestante tradicional era diferente de um culto pentecostal, por exemplo.</p><p>Enquanto o primeiro focava em instrumentos clássicos e hinos, o segundo</p><p>focava em instrumentos e melodias populares. Essa distinção já não</p><p>acontece mais.</p><p>Não menos importante é a questão política. Tornou-se comum falar que</p><p>os evangélicos neopentecostais se inseriram na política partidária, quando a</p><p>realidade mostra envolvimento semelhante entre os protestantes históricos.</p><p>Um exemplo: durante o governo do Presidente Jair Messias Bolsonaro</p><p>(2019 a 2022),</p><p>dois ministros eram pastores presbiterianos (André</p><p>Mendonça e Milton Ribeiro), uma ministra era batista (Damares Alves),</p><p>enquanto o pastor Silas Malafaia, representante do movimento</p><p>neopentecostal, não assumiu cargo no governo nem se filiou a nenhum</p><p>partido, exercendo sua influência de forma indireta. No Legislativo, há</p><p>vereadores e deputados de todas as correntes evangélicas, e não</p><p>predominantemente de neopentecostais.</p><p>Assim, nessa nova realidade, apenas dois pontos, ainda que não</p><p>definitivamente, continuam possíveis de serem utilizados para dividir os</p><p>evangélicos em três grandes grupos, e serão eles que adotaremos. O</p><p>primeiro é a doutrina do Espírito Santo. Para uma parte dos evangélicos, que</p><p>chamaremos protestantes tradicionais históricos, quando uma pessoa se</p><p>converte ao Cristianismo, ela automaticamente é batizada no Espírito</p><p>Santo. Dessa forma, os dons espirituais não são manifestações</p><p>sobrenaturais. Milagres como cura e profecia ficaram restritos à Igreja</p><p>Primitiva e não acontecem mais nos dias de hoje. Falar outras línguas</p><p>significa a capacidade de traduzir diferentes idiomas. Para outra parte, que</p><p>chamaremos pentecostais, o batismo no Espírito Santo é uma segunda</p><p>bênção a ser alcançada após a conversão e se manifesta por meio de dons</p><p>espirituais sobrenaturais, como dom de cura e dom de profecia, que estão</p><p>vigentes na Igreja ainda hoje. Falar outras línguas tanto pode ser a</p><p>capacidade de traduzir idiomas, como a capacidade de falar línguas dos</p><p>anjos ou línguas estranhas.</p><p>Portanto, a primeira grande divisão ainda vigente no mundo evangélico</p><p>ocorre entre o primeiro grupo, os tradicionais, e o segundo, os pentecostais.</p><p>Tal diferença refere-se a essa doutrina em especial e não se aplica à liturgia</p><p>ou aos costumes das denominações, que podem se misturar. Isto é, uma</p><p>igreja de doutrina pentecostal, como a Congregação Cristã no Brasil, pode</p><p>ter uma liturgia muito mais erudita, com órgão e hinos, do que uma igreja</p><p>de doutrina tradicional, que pode ter uma liturgia muito mais popular, com</p><p>guitarra, bateria e palmas.</p><p>A outra grande divisão se dá entre os evangélicos cujas doutrinas</p><p>baseiam-se exclusivamente na Bíblia e não renunciam a pontos</p><p>fundamentais a todos eles, como Jesus ser Deus e uma das três pessoas da</p><p>Trindade, coeterno com o Pai, e entre grupos que se denominam</p><p>evangélicos, mas têm doutrinas que ultrapassam o texto bíblico e, por isso,</p><p>são classificados como sincréticos e sectários. A esses chamaremos</p><p>paraevangélicos porque não são de todo evangélicos, mas paralelos ao</p><p>movimento e, como demonstraremos, não podem ser confundidos com os</p><p>pentecostais de terceira onda.</p><p>Portanto, por ser enorme a diversidade do mundo evangélico, é comum</p><p>organizá-los em grupos para facilitar o estudo da história dos evangélicos no</p><p>Brasil, e não para reduzi-los a rótulos. Ao invés de seguir os mesmos grupos</p><p>de sempre, vamos trazer uma abordagem nova e mais ampla, que facilitará</p><p>ainda mais o entendimento. Levando em consideração tudo o que foi dito,</p><p>temos, portanto, três grandes grupos: os protestantes tradicionais históricos (ou</p><p>simplesmente evangélicos históricos, que se dividem em três ondas, e no</p><p>Brasil se classificam entre imigrantes e missionários), os evangélicos</p><p>pentecostais (que se subdividem em três ondas) e os paraevangélicos (que se</p><p>dividem entre importados e nacionais). Além disso, há um outro grupo, de</p><p>igrejas autônomas, cujas congregações locais são impossíveis de serem</p><p>classificadas em algum dos grupos acima.</p><p>A tradição católica chama de igreja o prédio físico onde acontecem as</p><p>missas. Entre os evangélicos, porém, há o entendimento de que a igreja são</p><p>as pessoas, e não o local físico em que se reúnem. Por isso, muitas vezes, o</p><p>prédio físico é chamado templo, e não “igreja”.</p><p>Ao final deste capítulo, um quadro explicativo com as igrejas evangélicas</p><p>no Brasil em uma classificação teológica, histórica e sociológica.</p><p>OS PROTESTANTES TRADICIONAIS HISTÓRICOS</p><p>O primeiro grupo vamos denominar protestantes. Chamados também</p><p>evangélicos históricos ou tradicionais. O que eles têm em comum é defender</p><p>que a Teologia que pregam tem uma relação direta com a Reforma</p><p>Protestante. Ainda que do ponto de vista temporal essa relação não seja</p><p>direta, os protestantes costumam legitimar muitas doutrinas relacionando-as</p><p>à Reforma Protestante. Em outras palavras, essas igrejas têm orgulho da</p><p>Reforma Protestante e procuram se associar a ela como busca de uma</p><p>suposta superioridade qualitativa sobre os demais evangélicos. Além disso,</p><p>quase todos os subgrupos deste grupo têm em comum o fato de negarem a</p><p>doutrina do batismo no Espírito Santo como uma segunda bênção após a</p><p>conversão e acreditarem que ela acontece no exato momento da conversão e</p><p>que não se manifesta por meio de dons sobrenaturais. Aliás, por favor nunca</p><p>confunda: o fato de os protestantes tradicionais afirmarem que o batismo no</p><p>Espírito Santo não se manifesta por meio de dons espirituais não significa</p><p>que não creem em milagres. Os tradicionais creem em milagres tanto como</p><p>os pentecostais, porém, entendem que os milagres são algo extremamente</p><p>raro, e não corriqueiro, como acreditam os pentecostais.</p><p>Do ponto de vista geral, esse grupo também pode ser dividido em três</p><p>ondas: a primeira onda engloba aqueles que tiveram origem direta na</p><p>Reforma Protestante: luteranos, anglicanos e menonitas; a segunda onda</p><p>engloba aqueles que tiveram origem indireta na Reforma Protestante como</p><p>resultado do movimento puritano: batistas, congregacionais e</p><p>presbiterianos; e a terceira onda engloba os que surgiram depois, contudo</p><p>buscam uma relação histórica e doutrinária com a Reforma Protestante,</p><p>como os metodistas e suas dissidências, e a Igreja Cristã Evangélica, por</p><p>exemplo. Já no caso da inserção deles no Brasil, temos duas relações: aqueles</p><p>que se inseriram predominantemente por meio de imigrantes, e aqueles que</p><p>se inseriram predominantemente por meio de missionários.</p><p>Tentando juntar essas duas classificações em uma só, temos o seguinte</p><p>cenário: o primeiro grupo, que teve origem direta na Reforma Protestante,</p><p>chamaremos reformados ou protestantes de imigração. Inicialmente, eles não</p><p>vieram ao Brasil para converter a população, e sim como imigrantes, e</p><p>continuaram praticando a sua religião uma vez instalados. Já o segundo</p><p>grupo também teve leva de imigrantes que não visavam converter os demais,</p><p>mas acabaram se ex pandindo e ficaram conhecidos predominantemente pela</p><p>atividade proselitista dos missionários. Já o terceiro grupo foi constituído</p><p>predominantemente por missionários e com pouquíssima ou nenhuma</p><p>expressão de imigrantes.</p><p>Assim, ao contrário do que diz a letra de “Juvenília”, da banda RPM, “e</p><p>o Protestantismo europeu”, os evangélicos do Brasil não são herdeiros do</p><p>Protestantismo europeu, mas do Protestantismo dos Estados Unidos. E,</p><p>como vimos nos capítulos anteriores, isso faz toda a diferença. O</p><p>Protestantismo estadunidense veio para o Brasil carregado de uma ideologia</p><p>capitalista, reforçada pelo anti comunismo da Guerra Fria, que forjou uma</p><p>identidade anticatólica. Esses aspectos, por exemplo, são menos acentuados</p><p>no continente europeu. Inclusive, hoje em dia, os evangélicos dizem que os</p><p>europeus precisam ser evangelizados de novo. Entendem a forma diferente</p><p>de Cristianismo do Protestantismo europeu, menos agressivo, como</p><p>apostasia.</p><p>Luteranos</p><p>Sobre a Igreja Luterana como um todo, vimos, no primeiro capítulo, como</p><p>se deu a Reforma Protestante. No Brasil, a primeira igreja luterana</p><p>oficialmente organizada, ao contrário do que muitos imaginam, não foi</p><p>erigida na região Sul, e sim no Rio de Janeiro. Em 3 de maio de 1824, tinha</p><p>início a Igreja Luterana de Nova Friburgo. Dois meses depois, em 25 de</p><p>julho, era organizada a primeira igreja luterana de São Leopoldo, Rio</p><p>Grande do Sul. Essas igrejas foram organizadas com imigrantes suíços e</p><p>alemães, incentivados pelo governo imperial de Dom Pedro I, com base nas</p><p>teorias eugenistas da época, e responsáveis pelo</p><p>que lhe permitirá compreender este universo religioso.</p><p>Boa leitura!</p><p>O Início do Movimento</p><p>Evangélico</p><p>O que é o movimento evangélico? Não é fácil responder tal pergunta.</p><p>Trata-se de um movimento religioso muito vasto e muito diferente entre si.</p><p>Do ponto de vista etimológico, evangélico é aquele que segue o Evangelho.</p><p>Dessa forma, em uma perspectiva ampla, cristão e evangélico são sinônimos.</p><p>Mas, do ponto de vista social, político e histórico, usa-se o termo evangélico</p><p>para diferenciar um grupo de cristãos que não se confundem com os</p><p>católicos, espíritas ou ortodoxos. Ainda ficou confuso? Então, o único jeito</p><p>de entender da melhor maneira possível quem são os evangélicos é</p><p>justamente conhecendo a sua história. E ela começa em 31 de outubro de</p><p>1517, lá onde hoje é a Alemanha, por meio de um movimento que ficou</p><p>conhecido como Reforma Protestante.</p><p>A Reforma Protestante aconteceu entre os anos 1517 e 1555,</p><p>principalmente no território do Sacro Império Romano-Germânico</p><p>(adiante, em alguns momentos, chamaremos apenas de Império</p><p>Germânico), região onde hoje se situam, principalmente, a Alemanha, a</p><p>Áustria, a República Tcheca, a Suíça e a Holanda. Como dissemos acima,</p><p>ela começou especificamente em 31 de outubro de 1517, quando o monge</p><p>agostiniano, Martinho Lutero (1483-1546), divulgou suas 95 teses na</p><p>cidade de Wittenberg, atual região nordeste da Alemanha, contra algumas</p><p>doutrinas da Igreja Católica daquela época, que ele considerava abusivas,</p><p>entre elas, a doutrina das indulgências.</p><p>A religião cristã se baseava na ideia de vida após a morte. Quando uma</p><p>pessoa perdia os sinais vitais, sua alma continuava a jornada em outro plano.</p><p>Este poderia ser um lugar bom, comumente chamado Céu ou Paraíso, ou</p><p>um lugar ruim, de castigos eternos, chamado Inferno.</p><p>As questões que sempre preocupavam os diversos grupos cristãos eram:</p><p>“Como fazer a escolha correta?”, “Como ter certeza dessa escolha?”. Por</p><p>fim, a pergunta crucial: “Quando eu morrer, irei para o Céu ou para o</p><p>Inferno?”</p><p>Durante a Idade Média, a Igreja Católica elaborou uma complexa</p><p>doutrina, baseada em teólogos, como Santo Agostinho (354-430), São</p><p>Jerônimo (347-420) e São Tomás de Aquino (1225-74), que fica ram</p><p>conhecidos como “Pais da Igreja” e estabeleceram que, em geral, o que</p><p>definiria o destino eterno da alma de uma pessoa após a morte seriam,</p><p>predominantemente, as suas ações. Se ela fizera mais boas que más ações,</p><p>seria merecedora do Céu, obtendo, assim, a salvação da sua alma. Uma</p><p>pergunta, porém, veio aumentar ainda mais a angústia das pessoas. “Como</p><p>saber se fiz bem suficiente para a minha salvação?”</p><p>Para resolver esse dilema, a Igreja Católica desenvolveu outras</p><p>doutrinas, como a do Purgatório e a das indulgências. O Purgatório seria uma</p><p>terceira via entre o Céu e o Inferno, onde a pessoa poderia pagar os pecados</p><p>antes de merecer ir para o Céu, não precisando, necessariamente, seguir</p><p>direto para o Inferno. A doutrina das indulgências daria um reforço nessa</p><p>busca da salvação: E se a pessoa pagasse em dinheiro pelos pecados</p><p>cometidos?</p><p>Geralmente divulga-se que a doutrina das indulgências pregava a</p><p>compra do Paraíso, mas isso não é tão simples assim. A ideia capitalista que</p><p>estava nascendo naquela época acabou influenciando a teologia da Igreja. As</p><p>indulgências surgiram do sacramento da penitência mesclado com as ideias</p><p>capitalistas: a Igreja oferecia a absolvição da culpa do pecado e a</p><p>compensação da ação ofensiva esporádica das pessoas. O termo penitência,</p><p>em si, deriva do latim, poena, que significa não só punição, mas também</p><p>compensação, satisfação e, principalmente para o sentido teológico,</p><p>expiação.</p><p>A ideia da indulgência como compra de expiação baseava-se na teoria do</p><p>tesouro da graça, que estaria à disposição da Igreja. Isto é, a Igreja tinha um</p><p>tesouro espiritual de méritos salvíficos, acumulados devido ao excedente</p><p>gerado pelas boas obras dos santos, méritos esses que poderiam ser</p><p>dispensados a quem, em débito espiritual, deles necessitasse. Ou seja, a</p><p>Igreja adotava uma mentalidade contábil à semelhança da burguesia urbana</p><p>e capitalista que nascia. Inicialmente, as pessoas comprariam méritos para</p><p>diminuir a culpa de seus pecados e, assim, reduzir os dias que passariam no</p><p>Purgatório após a morte.</p><p>A mentalidade do povo, como sempre aconteceu no Catolicismo</p><p>popular, distorceu o significado teológico original da doutrina das</p><p>indulgências, tirando-lhe o sentido de remissão de uma penalidade temporal</p><p>e colocando, no lugar, a ideia de um bilhete de entrada no Paraíso. Johann</p><p>Tetzel (1465-1519), que era o maior vendedor de indulgências, quando ia</p><p>vender os bilhetes afirmava: “No momento em que o dinheiro na caixa tinir,</p><p>do Purgatório ao Céu salta a alma a seguir.”</p><p>A venda de indulgências, ao contrário do que muitas vezes se pensa, não</p><p>era uma rotina, mas um evento extraordinário. Semanas antes, os emissários</p><p>do vendedor anunciavam sua chegada em determinada localidade. A visita a</p><p>uma cidade específica era previamente estudada e planejada, listando as</p><p>mais ricas e o respectivo custo de vida para estabelecer os preços a serem</p><p>cobrados. Quando o vendedor de indulgências chegava, sua entrada era</p><p>acompanhada por uma banda musical e uma procissão que levava bandeiras</p><p>e imagens. Formava-se, então, um palco, onde eram encenadas imagens do</p><p>Inferno e onde o vendedor, sempre eloquente, pregava um sermão</p><p>aterrorizante sobre as chamas do fogo que aguardavam aqueles em débito</p><p>espiritual com Deus.</p><p>A Igreja teve dois motivos principais para elaborar a doutrina das</p><p>indulgências. O primeiro foi o desejo do Papa Júlio II (1443-1513) de</p><p>construir a atual basílica de São Pedro em Roma; para isso, teve que vender</p><p>indulgências a fim de levantar a verba necessária. O segundo motivo foi</p><p>político.</p><p>Antes de existirem os atuais países, o território central da Europa era</p><p>ocupado por um conjunto de reinados chamado Sacro Império Romano-</p><p>Germânico. E existia um colégio eleitoral para a escolha do imperador desse</p><p>território, que era formado por sete príncipes chamados príncipes eleitores: o</p><p>arcebispo de Mogúncia, o arcebispo de Tréveros, o arcebispo de Colônia, o</p><p>duque da Boêmia, o príncipe da Saxônia, o marquês de Brandemburgo e o</p><p>conde palatino do Reno.</p><p>Carlos I da Espanha (1500-58), da família Habsburgo, era candidato a</p><p>imperador do Império Germânico, e seu concorrente, Joaquim</p><p>Hohenzollern (1484-1535), marquês de Brandemburgo, pertencia à família</p><p>rival. Durante a campanha eleitoral, um dos sete cargos que votavam na</p><p>escolha do imperador, o arcebispado de Mogúncia, estava vago. Joaquim viu</p><p>nisso a oportunidade de conquistar mais um voto na eleição, fortalecendo os</p><p>Hohenzollern, e então indicou seu irmão mais novo, Alberto, para o cargo.</p><p>Como Alberto não tinha idade para ser bispo (nem padre ele era), Joaquim</p><p>propôs subornar o Papa Leão X, que cobrou 29 mil florins renanos de ouro</p><p>pela indicação. Alberto, então, pegou emprestados 7 mil com a casa</p><p>bancária dos Fugger para dar como entrada e comprometeu-se a levantar o</p><p>restante por meio da venda de indulgências depois que assumisse o cargo.</p><p>Com isso, Alberto tornou-se arcebispo de Mogúncia, e todo o dinheiro que</p><p>entrasse com as indulgências seria dividido entre o pagamento do</p><p>empréstimo e o pagamento das parcelas restantes do suborno.</p><p>Tudo isso, entretanto, não serviu para eleger um Hohenzollern, pois, em</p><p>28 de junho de 1519, ocorreu a eleição na cidade de Frankfurt, e Carlos de</p><p>Habsburgo foi eleito imperador do Império Germânico. O então bispo de</p><p>Mogúncia, Alberto, derrotado, teve que pagar a dívida contraída e, por</p><p>conta disso, contratou Johann Tetzel para vender indulgências a fim de</p><p>obter o dinheiro necessário.</p><p>O monge Martinho Lutero (1483-1546), contemporâneo desse período,</p><p>preocupava-se demais com a santidade da sua vida e com o destino que a</p><p>sua alma teria depois da morte física. Flagelava-se em busca de encontrar</p><p>paz de espírito, e então foi procurar respostas na leitura da Bíblia, o livro</p><p>sagrado</p><p>surgimento da Igreja</p><p>Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.</p><p>Em 1o de julho de 1900, por outro lado, o missionário estadunidense</p><p>Christhian J. Broders organizou uma congregação luterana no município de</p><p>Morro Redondo, Rio Grande do Sul. Quatro anos depois, já havia mais de</p><p>três mil membros ligados a essa missão, e então, em 24 de junho de 1904,</p><p>teve origem a Igreja Evangélica Luterana do Brasil. Antes dessas duas igrejas,</p><p>o Brasil teve experiências de indivíduos luteranos durante a colonização,</p><p>mas elas não permaneceram aqui. Portanto, contabilizam-se as igrejas que</p><p>vieram e aqui perma ne ceram. Assim, até hoje, no Brasil, existem os</p><p>luteranos de origem alemã (IECLB) e os luteranos de origem estadunidense</p><p>(IELB). Ambos seguem a Confissão de Augsburgo.</p><p>Anglicanos</p><p>Como vimos nos capítulos anteriores, a Igreja Anglicana é a igreja oficial da</p><p>Inglaterra. O Brasil teve vários contatos com os anglicanos, desde a</p><p>colonização até o período imperial, quando as primeiras congregações foram</p><p>definitivamente estabelecidas. Assim, em 1822, foi organizada a Christ</p><p>Church, no Rio de Janeiro, primeira igreja angli cana no país. Em 1838, foi a</p><p>vez de Recife ver surgir a segunda igreja anglicana no Brasil, a Holy Trinity</p><p>Church. Eram igrejas de imigrantes ingleses e não tinham como objetivo</p><p>converter o Brasil ao Anglicanismo. Somente em 1860 é que chegou o</p><p>missionário escocês Richard Holden, que encontrou diversas dificuldades</p><p>para a propagação da fé anglicana e acabou se juntando aos congregacionais.</p><p>Finalmente, em 1o de junho de 1890, foi realizado o primeiro culto</p><p>anglicano em língua portuguesa, em Porto Alegre, liderado pelos</p><p>missionários estadunidenses Lucien Lee Kinsolving e James Watson</p><p>Morris. Foi então, a partir desse trabalho, que teve origem a Igreja Episcopal</p><p>Anglicana do Brasil, atualmente com nove dioceses espalhadas pelo país.</p><p>Em 25 de janeiro de 2005, por causa da postura progressista da Igreja</p><p>Episcopal Anglicana do Brasil, dando apoio a casamentos gays e ao aborto,</p><p>o reverendo Robinson Cavalcanti, bispo da Diocese Anglicana do Recife,</p><p>rompeu com a então denominação e deu origem à Igreja Anglicana no Brasil.</p><p>No mesmo ano, também surgiu outro movimento dissidente, que originou a</p><p>Igreja Anglicana Reformada do Brasil, de orientação mais fundamentalista.</p><p>Os anglicanos ficaram mais conhecidos a partir do reverendo Aldo Quintão,</p><p>da Catedral Anglicana de São Paulo, quando este foi ao programa do Jô</p><p>Soares. Desde então, o pároco se tornou presente na mídia, atraindo fiéis</p><p>para a sua igreja, inclusive famosos, como foi o caso da celebração do</p><p>casamento da filha do apresentador Silvio Santos, Silvia Abravanel, em 6 de</p><p>dezembro de 2013. Neste mesmo ano, Aldo Quintão rompeu com a Igreja</p><p>Episcopal Anglicana do Brasil, e a catedral que ele atualmente preside é</p><p>independente.</p><p>Presbiterianos</p><p>A Igreja Presbiteriana se considera a maior representante do Calvi nismo no</p><p>Brasil. Na França, após a Reforma Protestante, os calvinistas foram</p><p>chamados huguenotes. O primeiro contato que os brasileiros tiveram com o</p><p>Protestantismo se deu no período entre 1555 e 1560, quando huguenotes</p><p>franceses chegaram na Baía de Guanabara, mas não conseguiram fixar-se</p><p>ali, pois foram expulsos pelos portugueses. O segundo contato ocorreu entre</p><p>1630 e 1654, quando calvinistas holandeses aportaram na região Nordeste,</p><p>mas, à semelhança do grupo anterior, não permaneceram.</p><p>Existem muitos ramos protestantes de orientação calvinista no mundo.</p><p>Os calvinistas preferem se autodenominar cristãos reformados. O que os une é</p><p>o documento Confissão de Westminster. O nome de Igreja Presbiteriana,</p><p>como conhecemos hoje, surgiu na Escócia, quando o teólogo John Knox</p><p>(1505-72), discípulo de Calvino, levou o parlamento escocês a tornar igrejas</p><p>protestantes de orientação teoló gica calvinista as igrejas daquele país. Como</p><p>o governo dessas congregações era presbiteriano – palavra de origem grega,</p><p>presbyteros, que significa ancião – e não episcopal, como a Igreja Anglicana,</p><p>ela passou a se chamar Igreja Presbiteriana.</p><p>Da Escócia, a Igreja Presbiteriana se difundiu para a Inglaterra, fazendo</p><p>parte do grupo dos puritanos, que integrou o grupo de peregrinos que se</p><p>mudou para a América e ajudou a colonizar os Estados Unidos. E foi dos</p><p>Estados Unidos, no século 19, que os presbiterianos se espalharam para o</p><p>mundo por meio das missões evangelísticas. Em 1862, chegaram ao Brasil</p><p>por intermédio do missionário Ashbel Green Simoton. Atualmente existem</p><p>mais de dez denominações presbiterianas no Brasil. Apresentaremos as</p><p>cinco principais.</p><p>IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL</p><p>É a maior e mais antiga das denominações presbiterianas. Simoton</p><p>chegou ao Brasil em 12 de agosto de 1859, para começar o trabalho de</p><p>pregação aos brasileiros. Três anos depois, tinha um grupo de convertidos</p><p>que deram origem à Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, onde hoje é a</p><p>Catedral Presbiteriana do Rio. Os presbiterianos também fundaram o</p><p>primeiro jornal evangélico do Brasil, denominado Imprensa Evangélica</p><p>(1864). Um dos primeiros convertidos ao Presbiterianismo, que ajudou</p><p>bastante no crescimento dessa denominação, foi o padre José Manoel da</p><p>Conceição (1822-73), que acabou se tornando o primeiro pastor</p><p>presbiteriano brasileiro.</p><p>IGREJA PRESBITERIANA INDEPENDENTE DO BRASIL</p><p>Em 31 de julho de 1903, após diversos conflitos com os missionários</p><p>dos Estados Unidos, o então pastor da Igreja Presbiteriana de São Paulo,</p><p>Eduardo Carlos Pereira, com mais seis pastores presbiterianos, decidiu</p><p>romper com o sínodo da Igreja Presbiteriana do Brasil e deu início a uma</p><p>nova denominação, que levava o nome de Independente, em referência à não</p><p>dependência dos missionários estadunidenses. Foi a primeira denominação</p><p>evangélica criada no Brasil. Falaremos dela mais adiante, quando</p><p>abordarmos a questão da maçonaria.</p><p>IGREJA PRESBITERIANA CONSERVADORA DO BRASIL</p><p>Foi fundada em 11 de fevereiro de 1940 como dissidência da anterior e</p><p>como reação à aproximação daquela denominação com o liberalismo</p><p>teológico. O irônico é que, ao confrontar algumas doutrinas da Igreja</p><p>Presbiteriana Independente, a Igreja Presbiteriana Conserva dora acabou se</p><p>tornando uma denominação exatamente igual à Igreja Presbiteriana do</p><p>Brasil.</p><p>IGREJA PRESBITERIANA UNIDA DO BRASIL</p><p>Em movimento contrário ao da denominação anterior, esta</p><p>denominação surgiu em 10 de setembro de 1978, em Atibaia, São Paulo,</p><p>fundando sua sede posteriormente em Vitória, Espírito Santo, por um</p><p>grupo presbiteriano de orientação progressista. É uma das denominações</p><p>mais próximas do liberalismo teológico. É importante destacar que a Igreja</p><p>Presbiteriana Unida de São Paulo, que fica em Campos Elíseos, na capital</p><p>paulista, é uma igreja presbiteriana da Igreja Presbiteriana do Brasil, e não</p><p>da denominação Presbiteriana Unida, como pode parecer à primeira vista.</p><p>IGREJA PRESBITERIANA FUNDAMENTALISTA DO BRASIL</p><p>Assim como a Igreja Presbiteriana Independente rompeu com os</p><p>missionários dos Estados Unidos em São Paulo, o reverendo Israel Gueiros</p><p>fez um movimento semelhante em 1956, em Recife. Porém, enquanto a</p><p>Igreja Presbiteriana Independente se tornava uma denominação mais</p><p>progressista contra o que entendia como fundamentalismo da Igreja</p><p>Presbiteriana do Brasil, a Igreja Presbiteriana Fundamentalista do Brasil</p><p>acusava a Igreja Presbiteriana do Brasil de ser muito liberal.</p><p>Batistas</p><p>O primeiro contato de que se tem notícia de batistas no Brasil se deu com a</p><p>chegada de imigrantes estadunidenses em 1867, os quais criaram uma</p><p>colônia no interior de São Paulo, onde atualmente é a cidade de Americana.</p><p>Esses imigrantes eram, em sua maioria, confederados separatistas que</p><p>haviam sido derrotados na Guerra Civil de Secessão Americana (1861-65).</p><p>O motivo daquela guerra deveu-se ao fim da escravidão, e um grupo de</p><p>sulistas, derrotados, decidiu se mudar para um país onde a prática ainda</p><p>fosse legalizada. Em 1871, eles orga nizaram a Primeira Igreja Batista no</p><p>Brasil, onde hoje é o município</p><p>de Santa Bárbara d’Oeste, mas que, à época,</p><p>pertencia à Americana.</p><p>CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA</p><p>Em 12 de janeiro de 1881, o casal William Buck Bagby e Anne Luther</p><p>Bagby, convocado pela agência missionária da Convenção Batista do Sul</p><p>dos Estados Unidos, a Junta de Richmond, embarcou para o Brasil. Após 48</p><p>dias de viagem, os missionários batistas chegaram ao Rio de Janeiro em 2 de</p><p>março. No ano seguinte, no dia 11 de janeiro, a mesma agência enviou o</p><p>casal Zachary Clay Taylor e Kate Stevens Crawford Taylor. Tanto William</p><p>Bagby como Zachary Taylor, ao aqui chegarem, se estabeleceram</p><p>inicialmente na cidade de Santa Bárbara d’Oeste, por causa da congregação</p><p>que já existia ali.</p><p>Nesse meio-tempo, um padre alagoano chamado Antônio Teixeira de</p><p>Albuquerque, realizando estudos bíblicos, decidiu converter-se ao</p><p>Protestantismo, inclusive casando-se. Em seus estudos, concluiu que o</p><p>batismo bíblico era o por imersão. Tendo conhecimento de uma</p><p>congregação batista no interior de São Paulo, dirigiu-se para lá, pedindo ao</p><p>pastor daquela igreja, Robert Thomas, que o rebatizasse para que pudesse</p><p>aderir ao grupo. Posteriormente, tornou-se o primeiro pastor batista</p><p>brasileiro e se juntou aos missionários supracitados.</p><p>Juntos, os três casais decidiram começar o trabalho evangelístico em</p><p>Salvador, pois, apesar de ser, à época, a segunda cidade mais populosa do</p><p>país, era um importante centro que atingia um maior número de pessoas.</p><p>Portanto, em 1882, foi organizada a primeira igreja batista brasileira de fato.</p><p>Em 1890, isto é, oito anos depois da organização da primeira igreja de</p><p>brasileiros, chegou ao Brasil o missionário polonês congregacional Salomão</p><p>Luiz Ginzburg, que, no ano seguinte, em terras brasileiras, optou pelo</p><p>batismo por imersão, tornando-se batista. Ao ser nomeado pela Junta de</p><p>Richmond, ele seguiu para o Rio de Janeiro, onde desenvolveu a ideia de</p><p>uma convenção nacional que viria a se tornar a Convenção Batista Brasileira.</p><p>A partir da ação de Salomão Luiz Ginzburg, os batistas se consolidaram no</p><p>Brasil, expandindo-se para o interior do país, criando as convenções</p><p>estaduais, as instituições de ensino e demais organizações publicadoras e</p><p>difusoras de sua fé.</p><p>Atualmente, são representantes da Convenção Batista Brasileira a</p><p>Primeira Igreja Batista de Curitiba, liderada pelo pastor Paschoal Piragine, e</p><p>a Igreja Batista de Água Branca, na cidade de São Paulo, liderada pelo pastor</p><p>Ed René Kivitz. Além disso, os batistas tradicionais se fazem presentes,</p><p>principalmente, no estado do Rio de Janeiro, onde se encontra a sede da</p><p>Convenção Batista Brasileira e das suas instituições, e no Espírito Santo.</p><p>Em 2009, a Junta de Missões Nacionais dessa denominação iniciou um</p><p>projeto de resgate de viciados em drogas na região da Cracolândia, em São</p><p>Paulo, conhecido como Cristolândia. O projeto se expandiu para outras</p><p>cidades e ficou nacionalmente conhecido.</p><p>IGREJA BATISTA REGULAR E IGREJA BATISTA BÍBLICA</p><p>Outra dissidência, como vimos, foi o movimento fundamentalista nos</p><p>Estados Unidos. Como consequência desse movimento, tiveram origem os</p><p>batistas regulares. Estes surgiram em Chicago, Estados Unidos, em 1932,</p><p>sob a liderança do pastor Howard C. Fulton, como reação contra as igrejas</p><p>da Convenção Batista do Norte, que, na opinião deles, estavam tolerando a</p><p>Teologia Liberal. Por isso, adotaram o nome de regulares, do latim regulare,</p><p>isto é, conforme as regras. No Brasil, os batistas regulares chegaram em</p><p>1935 por meio do trabalho missionário de William A. Ross e Edward G.</p><p>McLain. Já os batistas bíblicos surgiram em 1950, pelo mesmo motivo: o</p><p>pastor Frank Norris liderou 120 pastores do Texas numa reação contra o</p><p>que con sideravam liberalismo teológico da Convenção Batista do Sul. Essa</p><p>associação adotou o nome de Batista Bíblica para enfatizar a crença na</p><p>autoridade da Bíblia como inerrante e infalível contra as críticas dos</p><p>teólogos ditos liberais. A Igreja Batista Regular e a Igreja Batista Bíblica são</p><p>denominações doutrinariamente idênticas, apesar de se constituírem duas</p><p>instituições distintas.</p><p>IGREJA BATISTA DO SÉTIMO DIA</p><p>Os batistas do Sétimo Dia seguem a mesma doutrina e princípios</p><p>batistas tradicionais, com exceção de guardarem o sábado, e não o domingo,</p><p>como dia sagrado. Essa denominação surgiu a partir do movimento que se</p><p>originou em 1617, na Inglaterra, fundada pelo casal John e Dorothy Traske</p><p>e pelo pastor Hamlet Jackson. A primeira igreja, por sua vez, foi organizada</p><p>em 1651, em Londres. No Brasil, a igreja surgiu oficialmente em 4 de</p><p>novembro de 1950, numa comunidade de imigrantes em Porto União,</p><p>Santa Catarina, liderada por Gustavo Perske.</p><p>Por ser o grupo evangélico mais heterodoxo, a identidade batista é</p><p>definida mais pelos seus princípios do que pela sua doutrina. Isto é, ser</p><p>batista não é somente seguir uma declaração doutrinária ou uma confissão –</p><p>como os luteranos com a Confissão de Augsburgo ou os presbiterianos com</p><p>a Confissão de Westminster –, que, como vimos, pode variar muito, a</p><p>depender da denominação, mas seguir uma declaração de princípios. Assim,</p><p>mesmo que diversas denominações batistas sejam divergentes entre questões</p><p>doutrinárias (calvinistas ou arminianos, pentecostais ou tradicionais, liberais</p><p>ou fundamentalistas), elas têm em comum os mesmos princípios. Os mais</p><p>conhecidos são a separação entre a Igreja e o Estado, a defesa da liberdade</p><p>religiosa e a autonomia da igreja local. Assim, essas diferentes</p><p>denominações fazem parte da Aliança Batista Mundial.</p><p>Congregacionais</p><p>O Congregacionalismo foi uma das poucas denominações protestantes</p><p>tradicionais que não chegaram ao Brasil vindas dos Estados Unidos. O</p><p>trabalho congregacional teve início em 1855 com a chegada do casal de</p><p>missionários Robert Reid Kalley e Sarah Poulton Kalley no Rio de Janeiro,</p><p>vindos da Escócia, onde organizaram a Igreja Evangélica Fluminense. A ideia</p><p>do Congregacionalismo era realizar um trabalho que não tivesse ligação com</p><p>nenhuma denominação protestante, apesar de se parecerem muito com</p><p>batistas e presbiterianos, e terem a origem puritana em comum.</p><p>IGREJA EVANGÉLICA CONGREGACIONAL</p><p>Em 1913, as igrejas organizadas pelo casal Kalley se uniram e formaram</p><p>uma denominação que mais tarde ficaria conhecida como União das Igrejas</p><p>Evangélicas Congregacionais do Brasil (UIECB). O nome foi adotado com</p><p>certa resistência, pois os fundadores não queriam ser associados às</p><p>denominações homônimas dos Estados Unidos ou do Reino Unido, já que</p><p>estas não apoiaram o trabalho missionário dos Kalley. Em 2008, um</p><p>movimento fundamentalista dentro da denominação fez surgir a Associação</p><p>das Igrejas Congregacionais Kalleyanas.</p><p>IGREJA CRISTÃ EVANGÉLICA</p><p>Em 1901, o missionário canadense Reginaldo Young fazia um trabalho</p><p>paralelo ao dos Kalley e organizou a Igreja Cristã Paulistana, em 25 de</p><p>agosto daquele ano, também nos moldes congregacionais. Com o</p><p>crescimento em São Paulo, Minas Gerais e Goiás, o trabalho se consolidou</p><p>como uma nova denominação, a Igreja Cristã Evangélica do Brasil. Dadas as</p><p>semelhanças, em 1942, num congresso em Santos, houve uma fusão entre as</p><p>Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil e a Igreja Cristã Evangélica</p><p>do Brasil, formando a Igreja Evangélica Congregacional e Cristã do Brasil.</p><p>Essa fusão durou até 1968, quando foi desfeita. Até hoje, portanto, as duas</p><p>denominações, apesar de serem idênticas, seguem como duas instituições</p><p>distintas: a Igreja Cristã Evangélica do Brasil e a União das Igrejas Evangélicas</p><p>Congregacionais do Brasil.</p><p>Tome cuidado para não confundir: a denominação Igreja Evangélica</p><p>Congregacional é muito diferente da denominação Congregação Cristã no</p><p>Brasil, sobre a qual falaremos adiante, no item sobre o Pentecostalismo.</p><p>Metodistas</p><p>Como vimos, os metodistas surgiram em 1739, na Inglaterra, como um</p><p>avivamento espiritual dentro da Igreja Anglicana. O nome apareceu como</p><p>um apelido, pelo fato de os seguidores de John Wesley se basearem num</p><p>método bem disciplinado de estudo bíblico e oração. Em geral,</p><p>os nomes</p><p>das denominações surgem justamente por causa do apelido que os demais</p><p>dão, enfatizando alguma característica. No Brasil, o movimento chegou em</p><p>agosto de 1835, com o missionário Fountain Elliot Pitts, vindo dos Estados</p><p>Unidos. Seu objetivo foi fazer uma análise da cidade do Rio de Janeiro e</p><p>enviar um relatório para a sua igreja de origem. Com base nesse relatório,</p><p>no ano seguinte, chegou o missionário Justin Spauding. Em 1871, sob a</p><p>liderança do missionário J.E. Newman, foi organizada a primeira</p><p>congregação metodista no Brasil, em Santa Bárbara d’Oeste, interior de São</p><p>Paulo. Em setembro de 1886, uma conferência na capela metodista no</p><p>bairro do Catete, no Rio de Janeiro, deu origem ao que hoje é a Igreja</p><p>Metodista do Brasil.</p><p>Menonitas</p><p>Os menonitas se consideram a denominação herdeira do movimento</p><p>anabatista do século 16. Eles receberam esse nome por causa de seu líder, o</p><p>teólogo holandês Menno Simons (1496-1561). Essa denominação se</p><p>estabeleceu no Brasil essencialmente através de imigrantes, principalmente</p><p>de origem russa, em Santa Catarina e no Paraná. A associação dos</p><p>imigrantes menonitas acabou por gerar a Convenção das Igrejas Evangélicas</p><p>Irmãos Menonitas no Brasil, em 1995. Posteriormente, missionários dos</p><p>Estados Unidos vieram para o Brasil, dando origem à Aliança Evangélica</p><p>Menonita. Além disso, existe uma colônia de menonitas estadunidenses no</p><p>município de Rio Verde, Goiás, conhecida como Igreja de Deus em Cristo</p><p>Menonita, que não tem relação com a igreja originada a partir da imigração</p><p>europeia para o Sul do País.</p><p>Exército de Salvação</p><p>O Exército de Salvação é uma denominação e também uma instituição de</p><p>caridade. Foi fundado em 1865 por William Booth e sua esposa, Catherine</p><p>Booth, pastores metodistas em Londres, durante a Revolução Industrial. O</p><p>lema do trabalho era “Os três S: primeiro a sopa, depois o sabão e por fim a</p><p>salvação”. O período da Revolução Industrial na Inglaterra foi bem</p><p>traumático para a população, que não tinha recursos, já que, àquela época,</p><p>não existiam nem proteção ou controle estatal, nem sindicatos. Com o</p><p>advento das máquinas, muitas pessoas ficaram desempregadas, passando</p><p>necessidade. Nesse contexto, o trabalho dos metodistas e do Exército da</p><p>Salvação foi decisivo.</p><p>Darbistas</p><p>O movimento darbista, também conhecido como Assembleia dos Irmãos ou</p><p>Irmãos de Plymouth, surgiu na Irlanda. No Brasil, algumas de suas igrejas são</p><p>conhecidas como Igreja Evangélica Casa de Oração. O nome darbista vem do</p><p>líder John Nelson Darby, criador da Teologia Dispensacionalista, um</p><p>sistema interpretativo da Bíblia segundo o qual Deus interage com a</p><p>humanidade de maneiras distintas a cada era. Ao todo serão sete</p><p>dispensações na História, sendo que cinco já foram concluídas. Neste</p><p>sistema de interpretação, a Igreja não substituiu o povo de Israel, sendo duas</p><p>dispensações paralelas.</p><p>Esse movimento também é conhecido como Cristianismo Não</p><p>Denominacional, uma forma de as congregações serem totalmente</p><p>independentes de qualquer sistema institucional. Assim, é também difícil</p><p>catalogá-las dentro desse movimento. Porém, como têm um programa</p><p>doutrinário específico, essas igrejas, ainda que neguem, indiretamente</p><p>acabam constituindo uma denominação específica. Ironicamente trata-se de</p><p>uma denominação de igrejas que negam o Denominacionalismo.</p><p>OS EVANGÉLICOS PENTECOSTAIS</p><p>Os pentecostais constituem o grupo mais difícil de catalogar dentro do</p><p>mundo evangélico. Por muito tempo, historiadores e teólogos utilizaram</p><p>como critério a data de surgimento de cada deno mi nação. Para isso, termos</p><p>como primeira onda, segunda onda e terceira onda foram empregados. A</p><p>terceira onda também foi chamada Neopentecostalismo. Mas, com o passar do</p><p>tempo, surgiram novas igrejas que não se encaixavam nessa terminologia</p><p>cronológica. Por exemplo, a Igreja Sara Nossa Terra e a Igreja Universal são</p><p>bem diferentes, mas equivocadamente classificadas como igualmente de</p><p>terceira onda, pois surgiram na mesma época cronológica. A solução que</p><p>encontramos foi manter a divisão em três ondas, porém excluindo algumas</p><p>igrejas e criando novas terminologias para elas. É importante ressaltar que</p><p>essa classificação é exclusiva para o Brasil; outros países utilizam diferentes</p><p>terminologias para classi ficar o movimento pentecostal.</p><p>Outra forma de classificar as igrejas pentecostais no Brasil, além da</p><p>identificação cronológica com as três ondas, é relacioná-las às suas origens,</p><p>que podem ser divididas em três grupos: as denominações que vieram</p><p>importadas dos Estados Unidos, isto é, começaram lá e foram trazidas para</p><p>o Brasil; as denominações que começaram no Brasil de fato, por iniciativa</p><p>individual de algumas lideranças; e as denominações pentecostais, que</p><p>saíram a partir de cismas das igrejas protestantes tradicionais. Na</p><p>apresentação a seguir, utilizaremos a ordem cronológica das três ondas.</p><p>Pentecostais da Primeira Onda ou Pentecostais Clássicos</p><p>Como vimos há pouco, o movimento pentecostal surgiu oficialmente em</p><p>Los Angeles, em 1906, evidenciado pelo fenômeno da glossolalia. Os dois</p><p>exemplos mais famosos no Brasil foram a Congregação Cristã no Brasil, de</p><p>1910, e a Assembleia de Deus, de 1911. Elas são, até hoje, consideradas</p><p>igrejas nacionais, pois foram denominações orga nizadas e iniciadas em solo</p><p>brasileiro, ainda que por missionários e influência estrangeiros. Logo em</p><p>seguida, vieram igrejas pentecostais importadas, organizadas e iniciadas</p><p>sobretudo nos Estados Unidos e trazidas por missionários. É o exemplo da</p><p>Igreja de Deus e da Igreja de Cristo.</p><p>CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL</p><p>Ao andar pelo Brasil, você provavelmente já percebeu que existe uma</p><p>denominação que tem o mesmo estilo de templo construído por todo o país:</p><p>paredes cinza, um pórtico na porta da frente e janelas de vidro dispostas</p><p>verticalmente. Trata-se da Congregação Cristã no Brasil, também conhecida</p><p>popularmente como Igreja do Véu. Eles se baseiam no livro bíblico de 1</p><p>Coríntios, capítulo 11, em que o após tolo Paulo recomenda que as mulheres</p><p>usem véus quando se reunirem para o culto. As outras igrejas entendem que</p><p>tal ordem, entretanto, foi específica para os cristãos de Corinto àquela</p><p>época, e não uma ordem permanente. Nela também há a prática de homens</p><p>e mulheres se sentarem separados, cada um em um lado da congregação.</p><p>Essa denominação foi fundada em 1910, em São Paulo, no bairro do</p><p>Brás, pelo pastor presbiteriano Louis Francescon, de origem ita liana, que</p><p>teve contato com o movimento pentecostal em Chicago. A denominação</p><p>cresceu logo em seguida com a adesão de alguns batistas e presbiterianos</p><p>que se identificaram com o movimento pentecostal. Pregar em comunidades</p><p>italianas espalhadas ao longo das estradas de ferro do interior paulista</p><p>também ajudou a expandir a denominação.</p><p>Além do uso do véu e outras características próprias que abordaremos</p><p>no próximo capítulo, a Congregação Cristã no Brasil se distingue das</p><p>demais igrejas evangélicas por ser contrária ao dízimo, prática que ela relega</p><p>ao Antigo Testamento, e por seus oficiais, chamados anciãos, não receberem</p><p>salários. Assim, diferentemente de outras denominações, onde ser pastor é</p><p>também uma atividade profissional, os anciãos da Congregação Cristã no</p><p>Brasil não dedicam tempo integral ao ministério, pois têm profissão, como</p><p>os demais membros da comunidade.</p><p>IGREJA EVANGÉLICA ASSEMBLEIA DE DEUS</p><p>A maior igreja evangélica do Brasil se subdivide em incontáveis</p><p>convenções. Porém, é importante ressaltar que elas se subdividem por</p><p>questões de administração, e não por divergências doutrinárias. Juntas, as</p><p>convenções de Assembleias de Deus no mundo fazem dessa a maior</p><p>denominação de todas.</p><p>Elas têm origem no movimento pentecostal dos Estados Unidos, no</p><p>início do século 20. No Brasil, a Igreja Evangélica Assembleia de Deus surgiu</p><p>em 18 de junho de 1911, com a pregação de dois pastores suecos de origem</p><p>batista: Gunnar Vingren e Daniel Berg. Como a pregação de doutrinas</p><p>pentecostais não foi aceita pelos</p><p>batistas da qual faziam parte, o movimento</p><p>surgiu a partir dessa dissidência, em Belém, Pará. Apesar da dissidência em</p><p>1911, o nome Assembleia de Deus só foi adotado em 1918, inspirado no</p><p>surgimento de uma denominação homônima nos Estados Unidos quatro</p><p>anos antes – ainda que muita gente pense que a Assembleia de Deus surgiu</p><p>no Brasil. Os assembleianos herdaram dos batistas o sistema administrativo</p><p>por meio de convenções. Existem diversas convenções no Brasil. Abaixo</p><p>apresentamos as principais.</p><p>1. Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB) – Essa é,</p><p>atualmente, a maior convenção de Assembleias de Deus no Brasil, apesar de</p><p>ter sua sede no Rio de Janeiro, e não na cidade de origem do movimento,</p><p>Belém. Ela foi oficialmente organizada em 1930 e é afiliada da Associação</p><p>Mundial Assembleia de Deus.</p><p>2. Convenção Nacional das Assembleias de Deus no Brasil (CONAMAD) –</p><p>É conhecida tradicionalmente como Ministério Madureira, fazendo menção</p><p>ao bairro carioca onde começou. Organizada em 1958, atualmente tem sede</p><p>em Brasília.</p><p>3. Convenção da Assembleia de Deus no Brasil (CADB) – Foi organizada</p><p>em 2017 com algumas igrejas dissidentes das convenções anteriores e outras</p><p>Assembleias de Deus, englobando a Assembleia de Deus de Belém, que deu</p><p>origem ao movimento no Brasil.</p><p>Assim como os batistas, os assembleianos são um grupo bastante</p><p>heterogêneo. Em razão disso, mais do que uma declaração doutrinária, as</p><p>Assembleias de Deus são definidas, entre outras características, por um</p><p>conjunto de princípios conhecidos como Declaração de Verdades</p><p>Fundamentais das Assembleias de Deus. A Assembleia de Deus também ficou</p><p>conhecida por estar entre as principais denominações divulgadoras no Brasil</p><p>do movimento Gideões Internacionais, um grupo inter nacional que distribui</p><p>Bíblias gratuitas em hotéis e hospitais. Você provavelmente já viu um Novo</p><p>Testamento de capa cinza em alguma gaveta da mesinha de cabeceira.</p><p>IGREJA DE DEUS NO BRASIL</p><p>A Igreja de Deus surgiu em Cleveland, Ohio, em 1886, como parte do</p><p>Movimento de Santidade – movimento dentro da Igreja Metodista que</p><p>buscava a purificação do cristão e que seguiu em paralelo ao sur gimento do</p><p>Pentecostalismo. Isto é, ambos estão interrelacionados. Dessa forma, esta</p><p>denominação praticamente surgiu junto com o movimento pentecostal e,</p><p>portanto, pode ser considerada a primeira denominação pentecostal do</p><p>mundo. Trata-se de uma dissidência do movimento metodista, o que</p><p>explica a proximidade de suas logomarcas, em formato de cruz pegando</p><p>fogo.</p><p>Como parte do Movimento de Santidade, em 19 de agosto de 1886, foi</p><p>organizada a Igreja União Cristã e, em 11 de janeiro de 1907, após as</p><p>experiências pentecostais, foi denominada Igreja de Deus. Apesar do nome</p><p>parecer certa presunção, ele está ligado ao fato de que o movimento tinha a</p><p>intenção de reunir todas as denominações evangélicas numa só igreja, daí a</p><p>escolha de um termo neutro. A Igreja de Deus sofreu uma dissidência logo</p><p>no início da sua história, por isso é comumente dividida entre a Igreja de</p><p>Deus de Cleveland e a Igreja de Deus de Anderson, duas cidades nos Estados</p><p>Unidos.</p><p>Em dezembro de 1922, chegou ao Brasil um grupo de colonos que se</p><p>estabeleceram no município de Dona Emma, em Santa Catarina, liderados</p><p>pelo pastor Adolf Weidmann. No ano seguinte, o pastor Julius Dräger, a</p><p>partir desse grupo, organizou a primeira Igreja de Deus no Brasil, no</p><p>município de Rio das Antas, também em Santa Catarina. Esse grupo era</p><p>ligado à Igreja de Deus de Anderson.</p><p>Em 1934, a missionária Caroline M. Paulsen, abandonada pela sua</p><p>pequena deno minação de origem estadunidense (Igreja do Calvário), entrou</p><p>em contato com a Igreja de Deus de Cleveland, por intermédio do pastor</p><p>Vessie Hargrave, que assumiu o trabalho que ela começara na cidade de</p><p>Goiânia, a qual acabara de ser fundada para ser a capital de Goiás. Em 12</p><p>de maio de 1955, o trabalho liderado pela missionária se tornou uma Igreja</p><p>de Deus. Com o crescimento, as igrejas do Centro-Oeste se uniram com as</p><p>igrejas do Sul e organizaram a Igreja de Deus no Brasil, com ligação com a</p><p>Igreja de Deus em Cleveland, nos Estados Unidos.</p><p>IGREJAS DE CRISTO</p><p>As Igrejas de Cristo são o resultado de um movimento de congregações</p><p>cristãs autônomas associadas entre si, que surgiu em 1809, nos Estados</p><p>Unidos, liderado pelo pastor Alexander Campbell. A primeira igreja desse</p><p>segmento no Brasil foi organizada em 13 de dezembro de 1932, em</p><p>Mossoró, Rio Grande do Norte. Elas não seguem nenhum tipo de</p><p>hierarquia entre si, tendo as igrejas locais total autonomia. Apesar do</p><p>surgimento no início do século 19 nos Estados Unidos, aqui no Brasil ela</p><p>foi introduzida alinhada com o movimento pentecostal.</p><p>IGREJA DE CRISTO PENTECOSTAL NO BRASIL</p><p>Esta denominação teve origem no Brasil em 24 de janeiro de 1937,</p><p>quando foi organizada pelo missionário estadunidense Horace S. Ward, que</p><p>chegara dois anos antes, no município de Serra Talhada, Pernambuco. Em</p><p>1964, ela se emancipou da missão estadunidense e, em 1993, mudou a sede</p><p>nacional para Brasília.</p><p>IGREJA DO NAZARENO</p><p>À semelhança da Igreja de Deus, a Igreja do Nazareno também surgiu</p><p>como consequência do Movimento de Santidade e como dissidência da</p><p>Igreja Metodista, em 1907. Apesar de ter se iniciado em Chicago,</p><p>atualmente a sua sede mundial se encontra na cidade de Lenexa, Kansas.</p><p>IGREJA BATISTA INDEPENDENTE</p><p>Os batistas sempre foram um grupo muito heterogêneo. Logo nos</p><p>primórdios dividiam-se entre batistas particulares (calvinistas) e batistas gerais</p><p>(arminianos). À medida que o grupo foi crescendo numericamente, divisões</p><p>internas foram dando origem às diferentes denominações. O primeiro</p><p>grande movimento cismático em relação aos batistas puritanos deve-se ao</p><p>movimento pentecostal, com o sur gimento dos batistas independentes,</p><p>primeiro ramo pentecostal entre os batistas.</p><p>Eles surgiram na Suécia, no final do século 19, sob a liderança do pastor</p><p>John Ongman (1844-1931), que, em 1868, mudou-se para os Estados</p><p>Unidos, onde dirigiu uma congregação em Minnesota e onde também teve</p><p>contato com o incipiente movimento pentecostal da época, que dava seus</p><p>primeiros passos. Em 1890, Ongman voltou para a Suécia a fim de</p><p>pastorear uma igreja em Örebro, levando consigo as novidades doutrinárias</p><p>que conheceu na América.</p><p>Em 1931, após a morte de Ongman, a igreja de Örebro rompeu com a</p><p>Convenção Batista Sueca por causa das questões doutrinárias ligadas ao</p><p>Pentecostalismo. Nesse mesmo tempo, o pastor Lewi Pethrus, de</p><p>Estocolmo, também conduzia sua congregação para o movimento</p><p>pentecostal, dando origem à Missão de Örebro como outra denominação</p><p>batista de orientação pentecostal fora da Convenção Sueca.</p><p>Em 15 de novembro de 1889, foi proclamada a República no Brasil e,</p><p>assim, no final do século 19 e início do século 20, o país viveu a experiência</p><p>denominada Primeira República (1889-1930). Por aqui, os cafeicultores</p><p>reclamavam do fim da mão de obra escrava por causa da Abolição em 13 de</p><p>maio de 1888, enquanto, na Europa, muitos operários perdiam seus</p><p>empregos por causa da Revolução Industrial. O governo brasileiro passou a</p><p>incentivar a imigração de europeus para trabalharem. Esse projeto também</p><p>se casou com a ideia de europeização da população brasileira da época, que</p><p>via a Europa como padrão de civilização a ser imitado. Nesse contexto,</p><p>muitos suecos vieram para o Brasil.</p><p>Os suecos que se mudaram para o Brasil entre o final do século 19 e</p><p>início do século 20 estabeleceram-se, principalmente, no Rio Grande do</p><p>Sul. Entre esses imigrantes estava Anders Gustaf Andersson, que tinha sido</p><p>membro de uma igreja batista da Missão de Örebro e chegara no Brasil em</p><p>1891. Vendo a necessidade de uma liderança bem preparada, Andersson</p><p>escreveu para o pastor Ongman pedindo que ele enviasse um missionário</p><p>para as terras brasileiras. Assim, em 1912, seu pedido foi atendido, e o</p><p>recém-formado pastor Erik Jansson chegou, dando início ao trabalho</p><p>missionário no Rio Grande do Sul, inicialmente entre</p><p>os próprios suecos,</p><p>que organizaram a Igreja Batista Sueca de Ijuí, em 1915.</p><p>Aos poucos, outros missionários foram chegando, e o trabalho</p><p>missionário se expandiu para além das colônias suecas, até que, em 1919, foi</p><p>organizada a Convenção Evangélica Batista Sul Rio-grandense e, em 1951,</p><p>surgiram as primeiras igrejas em São Paulo (Sorocaba e Jundiaí). Essa</p><p>expansão também foi acompanhada da criação das primeiras instituições</p><p>batistas independentes, como orfanatos, asilos e escolas.</p><p>No ano seguinte, em Ijuí, organizou-se a Convenção das Igrejas</p><p>Evangélicas Batistas Independentes do Brasil que, em 1966, passou a se</p><p>chamar somente Convenção das Igrejas Batistas Independentes, com três mil</p><p>membros espalhados em 18 igrejas, sendo 16 no Rio Grande do Sul e 2 em</p><p>São Paulo. Um dos motivos de se adotar o nome igrejas batistas</p><p>independentes teve como propósito distingui-los dos batistas da Convenção</p><p>Batista Brasileira e também enfatizar a total autonomia administrativa das</p><p>congregações locais.</p><p>Pentecostais de Segunda Onda ou Deuteropentecostais</p><p>O Pentecostalismo de segunda onda, como vimos, ficou conhecido</p><p>principalmente pelo dom de curas. As igrejas protestantes tradicionais são</p><p>adeptas da doutrina cessacionista, segundo a qual os milagres operados na</p><p>Igreja Primitiva, por meio dos dons espirituais, ficaram restritos àquela</p><p>época. Os pentecostais discordam e acreditam que esses dons estão</p><p>presentes ainda hoje. Portanto, nos cultos, é possível, através da fé, obter a</p><p>cura milagrosa para doenças, entre outros eventos extraordinários.</p><p>O dom de cura não é exclusivo para doenças físicas, podendo ser</p><p>também a libertação para problemas emocionais e psíquicos. Esse</p><p>movimento é conhecido como carismático e está presente até mesmo na</p><p>Igreja Católica, por meio do movimento Renovação Carismática. A palavra</p><p>tem origem num termo grego para se referir à ação do Espírito Santo, e não</p><p>deve ser confundida como carisma no sentido de qualidade que algumas</p><p>pessoas têm em serem agradáveis.</p><p>O Pentecostalismo de segunda onda também deu ênfase ao dom de</p><p>profecias e revelação, que é comum hoje em dia em todas as igrejas</p><p>pentecostais e negado pelas protestantes tradicionais. Acredita-se que certas</p><p>pessoas têm o dom de visualizar, por graça divina, o futuro ou, então, revelar</p><p>pecados que estejam escondidos. Na Bíblia, o conceito de profecia é muito</p><p>mais amplo do que simplesmente revelar o futuro de alguém e está ligado,</p><p>sobretudo no Antigo Testamento, à pregação repreensiva feita pelos</p><p>profetas para o povo de Israel.</p><p>IGREJA DO EVANGELHO QUADRANGULAR</p><p>É a principal representante do Pentecostalismo de segunda onda.</p><p>Fundada em 1922 nos Estados Unidos, chegou ao Brasil em 1951, tendo</p><p>seu início oficial no dia 15 de novembro daquele ano por intermédio do</p><p>missionário Harold Edwin Williams (1913-2002). O trabalho começou</p><p>numa casa na cidade de Poços de Caldas, Minas Gerais, transferindo-se</p><p>posteriormente para o município de São João da Boa Vista, São Paulo, para,</p><p>em 1952, se estabelecer na capital paulista, onde funciona a sede da igreja.</p><p>Uma das características dessa igreja é a sua movimentação itinerante por</p><p>meio de tendas, onde são ministrados os cultos de cura e libertação. No</p><p>início, a partir de São Paulo, grupos viajavam pelo interior do país,</p><p>montando as tais tendas temporariamente em algumas cidades, como um</p><p>circo. A ideia de Evangelho Quadrangular faz referência ao foco da igreja</p><p>em quatro pontos: 1. Jesus salva; 2. Jesus batiza no Espírito Santo; 3. Jesus</p><p>cura; e 4. Jesus voltará.</p><p>IGREJA PENTECOSTAL DEUS É AMOR</p><p>Esta denominação teve origem em 3 de junho de 1962 por intermédio</p><p>do missionário David Martins Miranda (1936-2015) na cidade de São</p><p>Paulo, onde se situa o Templo da Glória de Deus, a sede mundial da igreja. A</p><p>partir da década de 1970, a igreja ganhou muitos adeptos por divulgar os</p><p>milagres de cura que aconteciam nos seus cultos radiofônicos,</p><p>principalmente através do programa “A Voz da Libertação”, transmitido há</p><p>mais de 50 anos.</p><p>O Pentecostalismo de segunda onda caracterizou-se também pela</p><p>pregação no rádio, até porque esse era o principal meio de comunicação</p><p>entre as décadas de 1950 e 1970. Além de um corpo doutrinário, esta</p><p>denominação tem um regulamento rígido que proíbe que os fiéis assistam</p><p>televisão – esta era uma novidade no Brasil quando a igreja</p><p>começou –, consumam bebidas alcoólicas e façam tatuagens.</p><p>IGREJA EVANGÉLICA PENTECOSTAL O BRASIL PARA CRISTO</p><p>Esta igreja teve início em 1955, em São Paulo, quando Manoel de</p><p>Mello e Silva (1929-90), pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular, teve</p><p>uma visão em que o próprio Jesus teria aparecido e o convocado para criar</p><p>um movimento de avivamento espiritual, evangelização e cura divina.</p><p>Inclusive, na própria visão, Jesus teria dito para o pastor Manoel que esse</p><p>novo movimento deveria se chamar O Brasil para Cristo. Ela também foi</p><p>uma das pioneiras da difusão de programas evangélicos através do rádio,</p><p>mantendo no ar por mais de duas décadas o programa “A Voz do Brasil</p><p>para Cristo”.</p><p>IGREJA TABERNÁCULO EVANGÉLICO DE JESUS (ITEJ)</p><p>Esta denominação é comumente conhecida como Casa da Bênção. Ela</p><p>teve início em 9 de julho de 1964, em Belo Horizonte, Minas Gerais,</p><p>liderada pelo casal Doriel de Oliveira e Ruth Brunelli de Oliveira, pastores</p><p>da Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil para Cristo. Em 1969, após</p><p>estabelecerem 40 congregações na região metropoli tana de Belo Horizonte,</p><p>o casal se mudou para o Distrito Federal e, em 1985, inaugurou a sede</p><p>mundial em Taguatinga, conhecida como Catedral da Bênção.</p><p>TABERNÁCULO DA FÉ</p><p>Em 1968, Joaquim Gonçalves Silva se converteu em Brasília e se mudou</p><p>para Goiânia, onde começou a pregar. Vendeu, então, sua casa para colocar</p><p>no ar um programa evangélico diário na rádio Jornal de Goiás, onde fazia</p><p>pregações de cura e libertação. Também começou a pregar na porta do</p><p>Mercado Municipal da cidade. No dia 18 de maio, alugou um casarão no</p><p>Centro da cidade, que tinha sido lugar de benefício de arroz, dando início à</p><p>nova igreja. Daí o nome Tabernáculo, pois a igreja se reunia em condição</p><p>extremamente rústica. Em 1973, finalmente a igreja conseguiu se reunir</p><p>num outro galpão – que se encontrava em situação bem melhor, mas</p><p>mantendo a ideia de tabernáculo. Desde então, a igreja foi se expandindo</p><p>para todo o Brasil.</p><p>IGREJA CRISTÃ NOVA VIDA</p><p>Concebida pelo pastor canadense Robert McAlister, no início tinha o</p><p>nome de Igreja Pentecostal de Nova Vida. Em 2008, passou a se chamar</p><p>Igreja Cristã Nova Vida. Não há uma data específica para a origem da</p><p>denominação, pois foi fruto de um processo.</p><p>Mc Alister chegou ao Rio de Janeiro em 1959 e, no ano seguinte, estreou</p><p>um programa na rádio Copacabana para pregação. Inicial mente não era seu</p><p>intuito começar uma nova igreja, tanto que, nas transmissões de rádio,</p><p>falava para as pessoas procurarem uma boa igreja evangélica perto de casa.</p><p>Somente a partir de 1961 é que McAlister alugou um lugar fixo e começou</p><p>a reunir pessoas, dando início a um trabalho que viria ser a atual</p><p>denominação.</p><p>A Igreja Cristã Nova Vida se apresenta como uma denominação de</p><p>orientação pentecostal reformada, isto é, seus fiéis acreditam tanto em</p><p>doutrinas calvinistas (predestinação), como em doutrinas pentecostais (dons</p><p>espirituais sobrenaturais). Em 1964, a igreja fundou sua sede no bairro</p><p>carioca de Bonsucesso, transferindo-a para Botafogo, em 1971, onde está</p><p>atualmente. Seu fundador faleceu em 1993 de problemas cardíacos.</p><p>IGREJA UNIDA</p><p>Tem sua origem em São Paulo, em 12 de junho de 1963, pelas mãos do</p><p>pastor Luís Schiliró. Em 1992, ela organizou a Convenção Unida Interna-</p><p>cional, uma associação que reúne todas as suas congregações. O lema,</p><p>estampado na sua logomarca, é a frase “O mundo para Cristo”, na frente de</p><p>um globo terrestre. O nome veio da junção de outras três congregações:</p><p>Igreja Cristã Pentecostal Cura Divina, Igreja Evangélica do Povo e Igreja</p><p>Cristã Evangélica Unida.</p><p>IGREJA PENTECOSTAL UNIDA DO BRASIL</p><p>Diferentemente</p><p>da anterior, esta não é nacional, mas fruto do trabalho</p><p>de missionários vindos dos Estados Unidos. A sede internacional se localiza</p><p>no estado do Missouri. Foi concebida em 1945 e teve início no Brasil em</p><p>1957, na cidade de Porto Alegre, sob a responsabilidade do pastor Samuel</p><p>Baker. A logomarca e o slogan se parecem com a anterior – também tem o</p><p>globo ao fundo, porém traz a frase “O evangelho completo para o mundo</p><p>inteiro”. É uma das igrejas unicistas, que negam a doutrina da Trindade e</p><p>acreditam que Deus é uma só pessoa, a qual, em diferentes momentos, se</p><p>revelou de diferentes maneiras, como Pai, Filho ou Espírito Santo.</p><p>Os Protestantes Históricos Renovados dentro da Segunda Onda</p><p>Durante a denominada segunda onda do Pentecostalismo, as igrejas</p><p>protestantes tradicionais sofreram divisões por grupos de membros que</p><p>preferiram adotar a doutrina do Batismo no Espírito Santo como segunda</p><p>bênção e respectivas manifestações sobrenaturais de dons espirituais. Essas</p><p>denominações receberam o nome de renovadas. Assim, praticamente, para</p><p>cada denominação protestante tradicional há a sua congênere renovada.</p><p>Neste subtítulo, abordaremos exclusivamente as versões renovadas das</p><p>denominações tradicionais que surgiram no Brasil. As outras denominações</p><p>renovadas, que surgiram a partir de movimentos pentecostais dentro das</p><p>protestantes tradicionais, nos Estados Unidos, como a Igreja de Deus e a</p><p>Igreja do Nazareno, nós já abordamos nos itens anteriores.</p><p>Dos batistas tem-se o surgimento da Convenção Batista Nacional,</p><p>pentecostal, como cisma da Convenção Batista Brasileira, tradicional.</p><p>Também, à época, houve a consolidação das Igrejas Batistas Indepen dentes.</p><p>Dos presbiterianos surgiu a Igreja Presbiteriana Renovada do Brasil. Dos</p><p>metodistas surgiram, em solo brasileiro – como vimos, nos Estados Unidos,</p><p>dos metodistas já havia surgido a Igreja de Deus –, a Igreja Metodista</p><p>Wesleyana e a Igreja do Nazareno. Entre o ramo dos congregacionais –</p><p>novamente, não confunda os congregacionais com a Congregação Cristã no</p><p>Brasil – surgiram a Igreja Cristã Evangélica Renovada e a Aliança das Igrejas</p><p>Evangélicas Congregacionais do Brasil. Adiante também surgirá, da Igreja</p><p>Cristã Evangélica, a Igreja Luz para os Povos, que se encaixará no ramo</p><p>neopentecostal. Vejamos um pouco mais sobre cada uma.</p><p>CONVENÇÃO BATISTA NACIONAL</p><p>Após 58 anos da organização da Convenção Batista Brasileira, em 1965,</p><p>ocorreu a grande divisão com as igrejas que adotaram a doutrina do batismo</p><p>no Espírito Santo como segunda bênção e a manifestação sobrenatural dos</p><p>dons espirituais. Inicialmente, 32 igrejas, a maioria em Minas Gerais,</p><p>decidiram pela doutrina pentecostal, em detrimento da tradição batista. No</p><p>ano seguinte, o número de igrejas dissidentes chegou a 52, formando a Ação</p><p>Missionária Evangélica, que, em 1967, tornou-se a Convenção Batista</p><p>Nacional. Até hoje, a principal divisão batista no Brasil ocorre entre as</p><p>convenções Brasileira e Nacional, sendo que esta se baseia na doutrina</p><p>pentecostal, enquanto a outra permanece na denominada doutrina</p><p>tradicional. A Igreja Batista da Lagoinha, de Belo Horizonte, que ficou</p><p>famosa a partir da década de 1990, por intermédio do grupo Diante do</p><p>Trono, foi uma das que lideraram o rompimento. Também se destacou a</p><p>Igreja Batista do Povo, no bairro da Vila Mariana, São Paulo, liderada pelo</p><p>pastor e teólogo Enéas Tognini (1914-2015).</p><p>IGREJA PRESBITERIANA RENOVADA DO BRASIL</p><p>Em 8 de janeiro de 1975, duas igrejas presbiterianas que haviam aderido</p><p>ao movimento pentecostal – em Cianorte, Paraná, uma igreja rompeu com a</p><p>Igreja Presbiteriana do Brasil, e em Assis, São Paulo, uma igreja rompeu</p><p>com a Igreja Presbiteriana Independente – se uniram numa assembleia na</p><p>cidade de Maringá, Paraná, para formar uma nova denominação: a Igreja</p><p>Presbiteriana Renovada do Brasil, que segue o Calvinismo contido na</p><p>Confissão de Fé de Westminster e as doutrinas pentecostais.</p><p>IGREJA METODISTA WESLEYANA</p><p>Essa dissidência metodista teve início em 5 de janeiro de 1967, no Rio</p><p>de Janeiro, quando pastores da Igreja Metodista do Brasil fizeram uma</p><p>reunião paralela para organizar uma nova denominação pentecostal. A Igreja</p><p>Metodista Wesleyana é a denominação pentecostal mais progressista entre os</p><p>evangélicos. A razão disso é a herança metodista de preocupação com as</p><p>questões sociais intrincada na sua identidade.</p><p>ALIANÇA DAS IGREJAS EVANGÉLICAS CONGREGACIONAIS DO BRASIL</p><p>Em 1959, uma Igreja Congregacional em João Pessoa, Paraíba, encetou</p><p>um movimento de adesão ao movimento pentecostal, dando início a um</p><p>movimento interno que ficou conhecido como Movimento de Renovação</p><p>Espiritual. A partir desse movimento, outras igrejas, no Nordeste, foram</p><p>aderindo e, assim, no dia 21 de julho de 1967, nascia a Aliança das Igrejas</p><p>Evangélicas Congregacionais do Brasil, num congresso realizado em Feira de</p><p>Santana, Bahia.</p><p>IGREJA CRISTÃ MARANATA</p><p>Esta denominação surgiu em 31 de outubro de 1967, a partir de uma</p><p>dissidência da Primeira Igreja Presbiteriana em Vila Velha, Espírito Santo,</p><p>também por questões de adesão de um grupo à doutrina pentecostal. A</p><p>dissidência foi liderada pelos pastores Manoel dos Passos Barros e Edward</p><p>Hemming Dodd. Maranata é uma expressão em aramaico que significa</p><p>“vem, Senhor” e é usada pelos evangélicos para se referir ao período em que</p><p>aguardam o retorno de Jesus. Nesse sentido, é o mesmo que advento, que</p><p>nomeia a Igreja Adventista. A escolha do nome Igreja Cristã Maranata está</p><p>ligada ao lema da denominação, “Maranata, o Senhor Jesus vem!”.</p><p>Os Pentecostais de Terceira Onda ou Neopentecostais</p><p>O Neopentecostalismo é considerado a terceira onda do movimento</p><p>evangélico pentecostal. O marco data a partir de meados da década de 1970.</p><p>Porém, várias classificações erram ao reduzir essa análise ao critério</p><p>cronológico e reunir, dentro do mesmo espectro, grupos tão diferentes só</p><p>porque começaram na mesma época. Dessa forma, são igrejas</p><p>neopentecostais aquelas que – além das características do Pentecostalismo</p><p>de primeira e segunda ondas, conforme a doutrina do batismo no Espírito</p><p>Santo como segunda experiência após a conversão, manifesta em dons</p><p>espirituais sobrenaturais, como línguas estranhas, curas e profecias –</p><p>acrescentaram as seguintes características:</p><p>São personalistas – Em geral, tais denominações surgiram a partir do</p><p>trabalho de uma liderança que permanece como absoluta, uma espécie</p><p>de “dona” da igreja. Nessas igrejas, diferentemente das anteriores, o</p><p>líder tem a palavra final – acima de qualquer assembleia ou conselho.</p><p>Militância midiática – Essas denominações foram pioneiras em realizar</p><p>um trabalho midiático massivo, principalmente através da televisão.</p><p>Ainda que outras denominações também tenham inserção midiática –</p><p>e, em parte, aprenderam com o movimento neopentecostal, inclusive</p><p>os protestantes tradicionais –, os neopentecostais dão muita ênfase,</p><p>inclusive com agressivas campanhas financeiras para sustentação de tais</p><p>programas. Além disso, enquanto em outras denominações a inserção</p><p>midiática é somente mais um ministério, no movimento</p><p>neopentecostal ela é uma prioridade, tornando-se quase ou</p><p>praticamente uma coluna de sustentação da denominação, que teria</p><p>enorme dificuldade de manter uma expansão numérica exponencial</p><p>sem ela.</p><p>Militância política – Desde o seu surgimento, as lideranças</p><p>neopentecostais se caracterizam por se aproximar de</p><p>governantes/partidos políticos, e lançar candidatos próprios, utilizando</p><p>a estrutura denominacional como comitê partidário durante as eleições.</p><p>Teologia da Prosperidade – Apesar de ser um tema muito controverso,</p><p>como veremos no próximo capítulo, a imensa maioria das igrejas</p><p>neopentecostais é adepta da ideia de que o cristão deve prosperar,</p><p>principalmente na vida financeira.</p><p>Células – Também veremos adiante no que exatamente se constitui essa</p><p>ideia. Aqui, cabe ressaltar que é bem difícil uma igreja neopentecostal</p><p>não fazer uso dessa estratégia para crescimento numérico.</p><p>Ênfase no ministério</p><p>jovem – Uma das características dessas igrejas é que</p><p>elas criaram estratégias atraentes para jovens e adolescentes que não se</p><p>interessavam pelas igrejas protestantes tradicionais, como cultos e</p><p>eventos com estilo despojado e informal, com muita música e</p><p>acolhimento. Atrair jovens e adolescentes foi uma estratégia</p><p>fundamental para o crescimento e consolidação dessas denominações.</p><p>Totalitarismo – Essas denominações exercem um rígido controle sobre</p><p>a vida particular de seus membros. Um exemplo é a prática da corte,</p><p>em que um casal só pode namorar sob a supervisão de um líder</p><p>espiritual.</p><p>Certas denominações, contudo, além de todas essas características, ainda</p><p>acrescentaram o sincretismo. Em termos introdutórios, o sincretismo pode</p><p>ser definido como a fusão de diferentes doutrinas – inclusive antagônicas –</p><p>dentro de uma mesma corrente religiosa, a partir da reinterpretação do seu</p><p>significado. Um exemplo é que tais denominações, por exemplo, não negam</p><p>a doutrina das religiões africanas, como a existência de orixás no</p><p>Candomblé, mas dizem que, na verdade, são demônios que precisam ser</p><p>expelidos.</p><p>Dessa forma, apesar de todas as igrejas evangélicas acreditarem na figura</p><p>do Diabo e na possibilidade de possessão demoníaca, ainda que evento</p><p>extremamente raro, essas igrejas sincréticas exageram e fazem verdadeiros</p><p>shows com o que seria uma suposta possessão que precisasse de exorcismo</p><p>durante o culto. Por causa do sincretismo, elas não são aceitas como</p><p>legítimas igrejas evangélicas pelas demais e são consideradas sectárias. Nós</p><p>as apresentaremos como paraevangélicas nacionais: a Universal, a</p><p>Internacional e a Mundial. Não devem ser confundidas com as</p><p>paraevangélicas importadas, como a Igreja Adventista, as Testemunhas de</p><p>Jeová e os mórmons, que são sectárias por outros motivos e também não</p><p>comungam com as práticas dessas igrejas.</p><p>Seria impossível sintetizar num único livro todas as igrejas</p><p>neopentecostais, dado que são as que têm o maior número de deno-</p><p>minações. Iremos nos deter em apresentar as maiores e mais antigas. No</p><p>quadro das páginas 140-2, é possível ver uma lista mais completa para quem</p><p>desejar realizar pesquisas.</p><p>IGREJA APOSTÓLICA RENASCER EM CRISTO</p><p>Fundada em 1986, em São Paulo, pelo casal Estevam e Sônia</p><p>Hernandes. Foi uma das primeiras igrejas a usar o termo apóstolo para o seu</p><p>líder. Falaremos disso no próximo capítulo. A Renascer foi a idealizadora do</p><p>evento Marcha para Jesus. No auge, na década de 1990, chegou a ter mais de</p><p>1.200 congregações espalhadas pelo país, mas enfrentou uma série de</p><p>desgastes e uma crise financeira intensificada a partir da segunda década dos</p><p>anos 2000, o que resultou em um progressivo esvaziamento. Em 2007, o</p><p>casal idealizador foi preso em Miami por ocultar 56 mil dólares, parte numa</p><p>Bíblia. Em 2012, ambos foram absolvidos pelo Supremo Tribunal Federal,</p><p>mesmo tendo sido acusados de falsidade ideológica, organização criminosa,</p><p>la vagem de dinheiro e estelionato.</p><p>IGREJA DE CRISTO INTERNACIONAL</p><p>Conhecida pelo termo em inglês International Church of Christ ou pela</p><p>sigla ICoC, foi iniciada em 1979, na cidade de Lexin gton, Massachusetts,</p><p>por um rapaz chamado Kip McKean. Ela chegou ao Brasil em maio de</p><p>1987, quando quinze jovens de Nova York implantaram uma congregação</p><p>em São Paulo. A partir dali, foram crescendo e abrindo novas congregações</p><p>em vários lugares do Brasil.</p><p>IGREJA APOSTÓLICA FONTE DA VIDA</p><p>Foi criada pelo casal apóstolo César Augusto e bispa Rúbia de Sousa,</p><p>em Goiânia, em 1976, após deixarem a Primeira Igreja Presbiteriana de</p><p>Goiânia e adotarem os pressupostos neopentecostais, como fez o casal</p><p>Hernandes com a Igreja Renascer em São Paulo.</p><p>COMUNIDADE EVANGÉLICA SARA NOSSA TERRA</p><p>Em 1976, o então presbiteriano, professor de Física na Universidade</p><p>Federal de Goiás, Robson Rodovalho, fazia parte do grupo inicial que deu</p><p>origem à Comunidade Evangélica de Goiânia com o casal César Augusto e</p><p>Rúbia de Sousa. Esta comunidade neopentecostal mudou de nome para</p><p>Ministério Comunidade Cristã e, finalmente, Igreja Apostólica Fonte da Vida.</p><p>Em 1992, porém, Robson Rodovalho e sua esposa, Maria Lúcia Rodovalho,</p><p>romperam com o grupo e fundaram a Comunidade Evangélica Sara Nossa</p><p>Terra, em Brasília. A denominação ficou conhecida pela ênfase que dava aos</p><p>cultos voltados para os jovens, com o nome de Arena Jovem. E é a proprie-</p><p>tária da Sara Brasil FM, atualmente uma das maiores rádios evangélicas do</p><p>país.</p><p>COMUNIDADE CRISTÃ PAZ E VIDA</p><p>Esta denominação neopentecostal teve sua origem no ano de 1982, em</p><p>São Paulo, pelo pastor Juanribe Pagliarin, até então membro da Igreja do</p><p>Evangelho Quadrangular. A igreja foi muito divulgada na mídia quando o</p><p>pastor escreveu uma carta aberta ao Papa Francisco, relatando sua</p><p>desaprovação ao uso de verbas públicas para a realização do evento católico</p><p>Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Desde então, a igreja alcançou</p><p>notoriedade.</p><p>IGREJA LUZ PARA OS POVOS</p><p>Em 1987, Sinomar Fernandes Silveira, juntamente com a esposa,</p><p>Elizabeth Fernandes, liderou a congregação da Igreja Cristã Evan gélica do</p><p>bairro da Fama, um polo de lojas de confecção em Goiânia, onde era pastor,</p><p>para uma nova denominação de características neopentecostais.</p><p>IGREJA VIDEIRA</p><p>Criada em 1997, em Goiânia, Goiás, pelo pastor Aluízio A. Silva, como</p><p>dissidência da Igreja Luz para os Povos. A partir do ano 2000, como</p><p>estratégia para atrair jovens, a igreja passou a realizar a Conferência Radicais</p><p>Livres, reunindo nomes famosos do meio evan gélico para o público que</p><p>lotava os estádios.</p><p>BOLA DE NEVE CHURCH</p><p>Esta igreja foi instituída em 1999, em São Paulo, por Rinaldo Luis de</p><p>Seixas Pereira, um surfista formado em marketing. É conhecida como uma</p><p>igreja bastante excêntrica quando comparada ao formato das demais, por ter</p><p>sua imagem associada à prática de esportes radicais. Dessa forma, muitos</p><p>templos são galpões pretos e têm o característico púlpito em forma de</p><p>prancha de surfe. A Bola de Neve Church evita definições doutrinárias e</p><p>outros aspectos burocráticos que, no seu entender, podem passar a imagem</p><p>de religiosidade. A ideia é que as pessoas que aderirem ao seu estilo de culto</p><p>possam permanecer livres.</p><p>INSTITUTO VIDA PARA TODOS</p><p>Esta é uma daquelas denominações que tentam se libertar de amarras</p><p>burocráticas e reviver a simplicidade da vida dos primeiros cristãos. O</p><p>principal aspecto disso é que suas igrejas não têm absolu tamente nenhum</p><p>nome. O lugar onde se reúnem é identificado apenas pelo nome “Igreja em”,</p><p>seguida pelo nome da cidade. A ideia é que formem uma congregação aos</p><p>moldes da Igreja Primitiva, em que não havia denominação, como se</p><p>pudesse existir uniformidade dentro do Cristianismo. O movimento foi</p><p>instaurado por um pastor chinês chamado Dong Yu Lan, mais conhecido</p><p>como Irmão Dong.</p><p>Dong Yu Lan (1920-2017) nasceu na China e se converteu ao</p><p>Cristianismo em 1955, por meio do ministério do pastor Watchman Nee</p><p>(1903-72). Durante seu ministério, Dong começou a pregar a doutrina</p><p>espiritualista, segundo a qual a obra de Deus é realizada pelo seu Espírito e</p><p>não por dogmas impraticáveis ou doutrinas mortas. Então, Dong teve uma</p><p>visão de que deveria iniciar um ministério na América do Sul. Por isso, em</p><p>1960, ele, sua esposa e seus seis filhos chegaram ao Brasil. Apesar de</p><p>inicialmente ter se estabelecido na cidade de São Paulo, a primeira igreja</p><p>teve início com um grupo de jovens em Ribeirão Preto e se expandiu a</p><p>partir do interior paulista.</p><p>OS PARAEVANGÉLICOS</p><p>Como vimos até aqui, o grupo que chamamos evangélicos é muito grande, o</p><p>que torna bastante difícil dar uma definição que consiga abarcar todas as</p><p>suas características. A melhor maneira de definir quem são os evangélicos é</p><p>dizendo quem eles não são. Em outras palavras, os evangélicos são cristãos</p><p>que não se identificam como católicos, nem como ortodoxos, nem como</p><p>espíritas. Além disso, os evangélicos são cristãos que desenvolvem uma</p><p>relação direta com a Bíblia, pois acreditam que a leitura e a interpretação</p><p>direta que cada um faz é suficiente para definir a sua fé, não necessitando da</p><p>tradição para legitimar qual é a interpretação correta e qual é a errada. Essa</p><p>é a razão pela qual existem tantas denominações diferentes, cada qual</p><p>dizendo ser a detentora da interpretação correta e verdadeira.</p><p>Porém, entre os evangélicos, há um grupo que, neste livro, chamaremos</p><p>de paraevangélicos, pois não são reconhecidos como legítimos pela maioria</p><p>dos grupos evangélicos: a Igreja Universal e suas imitações, os mórmons, as</p><p>Testemunhas de Jeová e os adventistas. Uma definição inicial deste grupo</p><p>poderia ser: os paraevangélicos são grupos que parecem evangélicos, mas não o são</p><p>de fato. E por que não são? Porque não são reconhecidos pela maioria dos</p><p>evangélicos como sendo evangélicos autênticos. E, na verdade, nem buscam ou</p><p>desejam tal reconhecimento. São grupos sectários.</p><p>Um grupo é considerado sectário quando não aceita se misturar com os</p><p>demais de forma alguma. Consideram-se os verdadeiros possuidores</p><p>exclusivos da verdade contra os demais, que estão perdidos em doutrinas</p><p>falsas. Por essa razão, a maioria dos demais evangélicos também acaba não</p><p>querendo se misturar com eles. É o clássico relacionamento das</p><p>Testemunhas de Jeová e mórmons com os demais, como os presbiterianos e</p><p>os batistas, por exemplo.</p><p>Além do mais, a doutrina que grupos sectários pregam é muito diferente</p><p>e distante dos demais grupos evangélicos. Para Testemu nhas de Jeová e</p><p>adventistas, não existe a doutrina da Trindade. Deus é um só e Jesus, a</p><p>primeira criação de Deus Pai. Para as Testemunhas de Jeová, Jesus morreu</p><p>numa estaca, e não numa cruz, e não comemoram aniversários. A relação</p><p>desse grupo com a Reforma Protestante é nula. O principal motivo disso é</p><p>que vão contra um dos principais lemas dos reformadores, o Solla Scriptura,</p><p>ou seja, somente a Bíblia como regra de fé, pois adotam outros livros como</p><p>verdade revelada, cuja autoridade espiritual, para eles, está em pé de</p><p>igualdade com a Bíblia. Os mórmons, por exemplo, consideram o Livro de</p><p>Mórmon tão sagrado e revelador como a Bíblia. Para os demais evangélicos,</p><p>isso é considerado herético.</p><p>Mas uma forma bem prática de reconhecer esses grupos é que eles são,</p><p>atualmente, conhecidos como aqueles que vão de casa em casa, batendo às</p><p>portas para pregarem sua doutrina. Isso já se tornou tão assíduo no</p><p>cotidiano da sociedade brasileira que virou alvo de inúmeras piadas. Os</p><p>mórmons são os mais característicos de todos, pois andam sempre em dupla</p><p>(um brasileiro e um estrangeiro), usando camisa social branca e gravata. O</p><p>termo técnico para essa prática é proselitismo.</p><p>Antes, vamos apresentar corretamente o nome de cada um deles, que é</p><p>diferente do nome pelo qual são popularmente conhecidos. E, para facilitar,</p><p>vamos dividi-los em paraevangélicos importados e paraevangélicos nacionais.</p><p>Os primeiros chegaram ao Brasil por intermédio de missionários vindos dos</p><p>Estados Unidos. Uma vez em solo brasileiro, começaram a pregar para as</p><p>pessoas e conquistar adeptos: mórmons, Testemunhas de Jeová e</p><p>adventistas. Já os paraevangélicos nacionais são aqueles que foram criados</p><p>no Brasil mesmo: a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Internacional</p><p>da Graça de Deus e a Igreja Mundial do Poder de Deus.</p><p>Algumas religiões, como a messiânica com a sua Igreja Messiânica</p><p>Mundial do Brasil, não fazem parte da lista porque não têm nada a ver com</p><p>o Cristianismo. Conhecida por suas células denominadas Johrei Center,</p><p>seguem os ensinamentos de Mokiti Okada, seu messias. O termo messiânico,</p><p>portanto, nada tem a ver com Jesus.</p><p>Os Paraevangélicos Importados</p><p>Por que os demais segmentos evangélicos não consideram esses grupos</p><p>como evangélicos legítimos? Primeiro, por causa de algumas doutrinas.</p><p>Uma delas é a chamada doutrina unitarista, que nega a doutrina da</p><p>Trindade. Isto é, para a maioria dos cristãos no mundo todo, Deus se divide</p><p>em três pessoas: Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, mesmo sendo</p><p>a mesma pessoa. Para os mórmons, as Testemunhas de Jeová e os</p><p>adventistas, a doutrina da Trindade é um erro, já que não está</p><p>expressamente descrita na Bíblia. Não existe a palavra Trindade na Bíblia.</p><p>Os demais cristãos e evangélicos argumentam que, ainda que a palavra não</p><p>esteja clara e expressa na Bíblia, é possível notar a existência da Trindade</p><p>pela manifestação de cada uma das três pessoas. Em geral, os cristãos</p><p>consideram a doutrina da Trindade uma doutrina fundamental, que não</p><p>pode ser negociada e, por essa razão, quem nega a existência da Trindade é</p><p>considerado por eles seguidor de uma seita.</p><p>Os cristãos que não acreditam na Trindade são chamados sabelianos,</p><p>modalistas, unitaristas ou unicistas. Há uma diferença entre ser eterno e ser</p><p>imortal. Enquanto o imortal é aquele que não tem fim, o eterno não tem</p><p>fim nem começo. Assim, Jesus ser coeterno significa que ele, como Deus</p><p>Pai, não teve início. Não ser coeterno significa que Jesus teria tido um</p><p>começo, isto é, seria imortal, mas não eterno. Para alguns unitaristas, Jesus</p><p>não é eterno, mas a primeira criação de Deus. Para outros, Jesus não é outra</p><p>pessoa, mas uma maneira diferente de Deus se manifestar.</p><p>Aqui precisamos ter muito cuidado com o termo seita. O significado</p><p>dessa palavra na Sociologia é diferente do significado na Teologia.</p><p>Enquanto na Teologia o termo é um juízo de valor utilizado por</p><p>determinados grupos para se referir aos outros grupos que eles consideram</p><p>errados, na Sociologia é um conceito utilizado para se referir a determinados</p><p>grupos sociais de acordo com o número de participantes e a relação deles</p><p>com a sociedade.</p><p>Por exemplo, é comum que batistas e presbiterianos, do ponto de vista</p><p>teológico, chamem as Testemunhas de Jeová e os mórmons de seitas. Isso</p><p>ocorre porque, para batistas e presbiteranos, as Testemunhas de Jeová e os</p><p>mórmons têm práticas que não são condizentes com a interpretação</p><p>tradicional que os protestantes fazem da Bíblia. Já do ponto de vista</p><p>sociológico, o termo seita desenvolvido pelo sociólogo alemão Max Weber</p><p>faz alusão a um grupo que rompeu com uma religião maior e mais antiga, e</p><p>criou uma religião nova e com menos grupos de adeptos, geralmente</p><p>liderados pelo que Weber chama de líder carismático, um líder que não</p><p>precisa estar legitimado pela tradição para ter apoiadores. Nesse sentido,</p><p>toda religião, antes de crescer, um dia já foi uma seita.</p><p>Da mesma forma, precisamos ter cuidado com o termo herético ou</p><p>heresia. O significado na História é diferente do significado na Teologia. Na</p><p>Idade Média, a Igreja Católica chamava heresia toda pregação que fosse</p><p>contrária ao dogma oficial estabelecido pela Igreja, onde o papa tinha a</p><p>palavra final. Herético era aquele que pregava a heresia, aquele que era</p><p>considerado a mais perigosa influência. Isto porque, enquanto uma pessoa</p><p>de outra religião ainda poderia ser convencida do contrário, o herético era</p><p>aquele que já havia conhecido a fé cristã e, mesmo assim, se desviara dela. A</p><p>Igreja Católica, inclusive, criou o Tribunal do Santo Ofício, conhecido</p><p>popularmente como Inquisição, para investigar, corrigir e punir os heréticos.</p><p>Hoje em dia, porém, o termo é fluido e relativo, pois cada igreja ou</p><p>denominação chama herético aquele que prega algo diferente daquilo em que</p><p>ela acredita. Muitas denominações consoli dadas hoje em dia, no passado</p><p>foram heresias aos olhos da Igreja Católica. A própria Reforma Protestante</p><p>foi um movimento herético que, ao contrário dos movimentos anteriores, a</p><p>Igreja Católica não conseguiu sufocar.</p><p>Como dissemos, sempre que vamos estudar um grupo evangélico,</p><p>precisamos partir do que cada um fala sobre si mesmo, e não o que os</p><p>“inimigos” falam sobre ele. São análises preconceituosas que acabam</p><p>divulgando fake news acerca de determinadas religiões. A mais famosa,</p><p>nesse caso, talvez seja o mito de que os mórmons defendem a poligamia.</p><p>Isso ocorreu pontualmente no início do movimento no século 19, mas não é</p><p>uma doutrina hoje em dia, assim como não é praticada</p><p>em nenhum lugar do</p><p>mundo.</p><p>Outro problema é a confusão que se faz a respeito deles. Uma clássica é:</p><p>“Qual a religião que proíbe a transfusão de sangue?”. Não se confunda mais:</p><p>são as Testemunhas de Jeová. Além disso, há práticas que são comuns: por</p><p>exemplo, tanto a Congregação Cristã no Brasil, como as Testemunhas de</p><p>Jeová e a Igreja Adventista proíbem que as mulheres vistam calças. Já a</p><p>Congregação Cristã no Brasil proíbe que as mulheres cortem o cabelo e</p><p>exige que elas usem um véu no culto. Por fim, a Igreja Adventista proíbe</p><p>que as mulheres usem joias.</p><p>A IGREJA DE JESUS CRISTO DOS SANTOS DOS ÚLTIMOS DIAS</p><p>A Igreja dos Mórmons, como é popularmente conhecida mundo afora,</p><p>começou em 1820, nos Estados Unidos, quando um jovem chamado Joseph</p><p>Smith alegou ter tido a visão de um anjo denominado Moroni, que revelara</p><p>a ele onde estavam enterradas algumas placas de ouro. Essas placas</p><p>possuíam relatos, escritos por um profeta chamado Mórmon a respeito da</p><p>vinda de Jesus para a América logo após seu ministério em Israel e antes de</p><p>subir para o Céu. Smith transcreveu esses escritos para um livro que deu</p><p>origem ao Livro de Mórmon, considerado por essa igreja uma espécie de</p><p>Terceiro Testamento da Bíblia, principal razão pela qual ela não é aceita</p><p>pelas demais correntes protestantes.</p><p>Em 6 de abril de 1830, em decorrência de tais acontecimentos, foi</p><p>instituída a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias na cidade de</p><p>Fayette, Nova York. A nova igreja sofreu fortes perseguições, que a</p><p>forçaram a se deslocar rumo ao Oeste, estabelecendo-se onde atualmente é</p><p>o Utah, considerado um estado de mórmons. Na cidade de Salt Lake City,</p><p>foi construído um gigantesco templo que é a sede mundial da igreja. Eles</p><p>também ficaram conhecidos pela figura do élder, um missionário que viaja</p><p>sempre em dupla, de casa em casa, pregando para aumentar a adesão de</p><p>novos membros.</p><p>A igreja chegou ao Brasil em 1923, por intermédio de um grupo de</p><p>imigrantes alemães mórmons em Ipomeia, Santa Catarina, os quais</p><p>escreveram para a sede da igreja solicitando apoio. Em 17 de setembro de</p><p>1928, chegaram os dois primeiros missionários, os élderes Schindler e</p><p>Heinz, também alemães. Assim, os cultos ficavam restritos aos colonos. Em</p><p>1939, estourou a Segunda Guerra Mundial, e um decreto do governo</p><p>brasileiro proibiu que o idioma alemão fosse falado no Brasil, o que acabou</p><p>forçando a realização de cultos em português e a tradução do Livro de</p><p>Mórmon. Com o término da Guerra, a igreja nos Estados Unidos começou a</p><p>enviar novos missionários mórmons, iniciando aqui seus trabalhos com a</p><p>chegada do élder Harold M. Rex, em 1946. A partir daí, os mórmons se</p><p>expandiram no Brasil, contando atualmente com inúmeros templos</p><p>espalhados por diversas cidades. Seus templos têm como características</p><p>serem ecléticos, funcionais, monumentais e austeros. Podem ser</p><p>reconhecidos pela torre central com uma escultura do anjo Moroni no topo.</p><p>IGREJA DE JESUS CRISTO BICKERTONITA</p><p>Esta religião surgiu a partir de uma dissidência da igreja anterior, e sua</p><p>sede se localiza em Monongahela, Pensilvânia. A divisão aconteceu quando</p><p>o profeta Joseph Smith morreu, em 1844, 14 anos após fundar sua igreja.</p><p>Os bickertonitas defendiam, então, que o legítimo sucessor deveria ser</p><p>Sidney Rigdon, e não Brigham Young, que acabou se tornando o líder da</p><p>Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. O nome se deve ao</p><p>discípulo de Sidney Rigdon, William Bickerton, que deu continuidade ao</p><p>movimento.</p><p>IGREJA REORGANIZADA DE JESUS CRISTO DOS SANTOS DOS ÚLTIMOS DIAS</p><p>Também conhecida como Comunidade de Cristo, tem a sua sede em</p><p>Independence, Missouri, e surgiu de uma dissidência que acreditava que a</p><p>Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias tinha perdido sua</p><p>essência original e precisava ser restaurada.</p><p>AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ</p><p>Este grupo que, à semelhança dos mórmons, é mundialmente conhecido</p><p>pelas pessoas que vão de casa em casa pregando o Evangelho, surgiu, a</p><p>partir de 1870, nos Estados Unidos, quando o pastor Charles Taze Russell e</p><p>alguns seguidores formaram um grupo de estudo bíblico em Pittsburgh,</p><p>Pensilvânia, e começaram a publicar alguns artigos no periódico A Sentinela.</p><p>Em decorrência do sucesso do periódico, que se tornou uma revista</p><p>internacionalmente famosa, Russell criou a Sociedade Torre de Vigia para</p><p>administrar a publi cação. Essa sociedade se tornou, então, uma sociedade</p><p>cujos adeptos foram, a partir de 26 de julho de 1931, chamados Testemunhas</p><p>de Jeová, em alusão ao texto bíblico de Isaías 43:10: “Vós sois minhas</p><p>Testemunhas.” Essa sociedade se tornou a maior pessoa jurídica do mundo,</p><p>já que o local onde as diversas congregações se reúnem ao redor do planeta,</p><p>conhecido como Salão do Reino, são diretamente ligados a ela.</p><p>As Testemunhas de Jeová estão envolvidas em diversas polêmicas. A</p><p>primeira se deve ao fato de utilizarem uma tradução da Bíblia diferente da</p><p>que é utilizada pelos demais evangélicos. Assim, a partir de tal tradução,</p><p>acreditam que Jesus não é coeterno com Deus e nem é uma das três pessoas</p><p>da Trindade, mas o Filho de Deus, isto é, a primeira criação do Deus Pai e</p><p>que não morreu numa cruz, mas pregado numa estaca. Também não</p><p>comemoram aniversários, pois consideram uma tradição pagã e porque</p><p>também não há uma ordem na Bíblia para tal. A maior polêmica,</p><p>entretanto, é a recusa de receberem transfusão de sangue. Elas acreditam ser</p><p>errado por causa de passagens bíblicas, como Gênesis 9:4, Levítico 17:10,</p><p>Deuteronômio 12:23, Atos 15:28-29 e Levítico 17:14. Isso tem gerado um</p><p>problema jurídico em vários países, afinal, se uma testemunha de Jeová</p><p>preci sar de transfusão de sangue e os familiares se recusarem a fazê-lo, o</p><p>Estado poderá intervir para salvar a sua vida?</p><p>As Testemunhas de Jeová chegaram ao Brasil em 1920, quando oito</p><p>jovens marinheiros brasileiros tiveram contato com a doutrina na cidade de</p><p>Nova York. Ao voltarem para o Brasil, continuaram se reunindo e</p><p>começaram a pregar. Assim, pouco tempo depois, o missionário George</p><p>Young foi enviado para consolidar e expandir o trabalho. Em 1923, foi</p><p>oficialmente aberta a filial da Sociedade Torre de Vigia, no Rio de Janeiro.</p><p>O material distribuído de casa em casa pelas Testemunhas de Jeová também</p><p>pode ser reconhecido pelas ilustrações sobre o mundo vindouro, com a</p><p>famosa imagem de pessoas felizes ao ar livre junto com animais carnívoros</p><p>inofensivos.</p><p>A IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA</p><p>Podemos começar a história do Adventismo quando um protes tante</p><p>batista estadunidense, chamado William Miller (1782-1849), estava</p><p>estudando a Bíblia e, após ler diversas profecias, como as que estão descritas</p><p>no livro do profeta Daniel, calculou que Jesus voltaria à Terra em 22 de</p><p>outubro de 1844 para o Juízo Final. A partir de então, começou a pregar na</p><p>sua comunidade, para que as pessoas se arrependessem e se preparassem,</p><p>conquistando um significativo número de seguidores entre os puritanos. No</p><p>dia marcado, milhares de pessoas se reuniram para aguardar o tão esperado</p><p>evento, que, como sabemos – pois cá estamos –, não só não se concretizou</p><p>como ficou conhecido como o Dia do Grande Desapontamento. Por motivos</p><p>óbvios, muita gente se frustrou.</p><p>Contudo, um grupo liderado pelo casal James e Ellen G. White</p><p>entendeu que não se tratava do fato de que a profecia não tinha sido</p><p>cumprida, mas que Miller havia confundido o evento. Os cálculos que fizera</p><p>não se referiam à volta de Jesus, mas a eventos espirituais, como a</p><p>purificação do Santuário Celestial, que marcaria o início do fim e o preparo</p><p>para o grande Juízo Final. Assim, no ano seguinte, o grupo realizou uma</p><p>conferência em Albany para marcar o começo da Igreja Adventista – termo</p><p>que faz referência à espera do retorno de Jesus. Porém, o nome definitivo –</p><p>Igreja Adventista do Sétimo Dia, por causa da observância do sábado, e não</p><p>do domingo, como dia santo – só foi adotado em 21 de maio de 1863, data</p><p>oficial de início dessa denominação.</p><p>O motivo de algumas igrejas evangélicas</p><p>não considerarem a Igreja</p><p>Adventista uma igreja evangélica legítima se dá por causa dos escritos de</p><p>Ellen G. White, que os demais ramos julgaram heréticos. White teve a</p><p>primeira visão – de mais de 2.000 – em 1844; elas resultaram em mais de</p><p>200.000 páginas. Além de guardar o sábado e da recomendação para que as</p><p>mulheres não usem joias, os adventistas também são conhecidos</p><p>mundialmente pela ênfase na integridade do corpo e da saúde. Assim, como</p><p>preceito religioso, recomendam o veganismo e o conteúdo de Levítico 11,</p><p>como abstenção de carne de porco e frutos do mar, considerados impuros.</p><p>Além do consumo de álcool, as igrejas também desestimulam que seus</p><p>membros consumam refrigerante e café.</p><p>Os adventistas chegaram oficialmente no Brasil em 1893, por</p><p>intermédio do missionário Alberto B. Stauffer, que começou a pregação em</p><p>São Paulo. Apesar disso, a primeira Igreja Adventista do Sétimo Dia foi</p><p>estabelecida em Gaspar Alto, Santa Catarina, em 1896. Os adventistas</p><p>também dão muita ênfase à educação e, por isso, mantêm diversas escolas</p><p>em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil. A primeira escola</p><p>adventista foi fundada em Curitiba, em 1896. Atualmente, os adventistas</p><p>têm mais de 500 escolas no país. E, em 1996, entrou no ar o canal de</p><p>televisão Novo Tempo.</p><p>IGREJA ADVENTISTA DA PROMESSA</p><p>Esta denominação teve início no dia 24 de janeiro de 1932, por João</p><p>Augusto da Silveira, como dissidência pentecostal da Igreja Adventista do</p><p>Sétimo Dia. Ela se considera a primeira igreja pentecostal genuinamente</p><p>brasileira, já que, quando foi criada, as igrejas pentecostais haviam sofrido</p><p>influência de missionários estrangeiros. A Igreja Adventista da Promessa</p><p>segue a mesma doutrina da Igreja Adventista do Sétimo Dia, como a</p><p>observância do sábado, mas crê na doutrina do batismo no Espírito Santo</p><p>como segunda bênção após a conversão.</p><p>As igrejas adventistas precisam ser tratadas como sectárias com bastante</p><p>cautela. Apesar de algumas controvérsias que as tornam especiais em relação</p><p>aos outros evangélicos, como a guarda do sábado, a negação da Trindade e</p><p>do castigo eterno, e a observação de alguns preceitos do Antigo</p><p>Testamento, como a interdição de certos alimentos, além da recomendação</p><p>de que as mulheres não usem joias, a relação com os demais evangélicos tem</p><p>suas proximidades. Do ponto de vista litúrgico, não há diferença prática.</p><p>Um culto da Igreja Adven tista do Sétimo Dia é exatamente igual a um culto</p><p>de uma igreja pro testante tradicional, ao passo que um culto da Igreja</p><p>Adventista da Promessa é exatamente igual ao culto de qualquer outra</p><p>Igreja Pentecostal de primeira ou segunda onda. Sem contar que as músicas</p><p>adventistas são cantadas em todas as igrejas evangélicas, sobretudo por causa</p><p>de sua excelente qualidade técnica, já que os adventistas dão muita ênfase à</p><p>formação musical de seus membros.</p><p>IGREJA EVANGÉLICA CRISTO VIVE</p><p>Teve sua origem no Rio de Janeiro, em 1985, por intermédio do</p><p>angolano Miguel Ângelo da Silva Ferreira, com o slogan Crescendo em</p><p>Graça. Trata-se de uma igreja com doutrinas polêmicas que, por isso</p><p>mesmo, sofre rejeição da maioria das demais igrejas evangélicas, que acusam</p><p>esta denominação de colocar a palavra daqueles que hoje se intitulam</p><p>apóstolos no mesmo nível de revelação da Bíblia. É considerada uma</p><p>denominação paraevangélica importada porque muitas fontes evangélicas</p><p>afirmam que seu fundador trouxe para o Brasil uma ideia que surgiu em</p><p>Miami e era voltada para a comunidade latina, chamada Ministerio</p><p>Cresciendo en Gracias, liderado por José Luiz de Jesus Miranda.</p><p>CIÊNCIA CRISTÃ</p><p>É um movimento religioso fundado por Mary Baker Eddy, em 1886, na</p><p>cidade de Boston, Massachusetts, e se baseia no livro Ciência e saúde com a</p><p>chave das Escrituras. Eddy dedicou mais de quarenta anos de vida estudando</p><p>a Bíblia para tentar descobrir qual seria a metodologia de cura utilizada por</p><p>Jesus e seus discípulos, conforme narrado na Bíblia. Uma vez que ela</p><p>acreditou ter descoberto essa metodologia secreta, revelou-a no livro que</p><p>citamos, que se tornou a base da igreja. Esta igreja chegou ao Brasil</p><p>informalmente em 1910, em São Paulo, e, em 1914, já se encontrava</p><p>consolidada. Seus cultos são realizados aos domingos, duram 1 hora e não</p><p>têm clérigos; todos são leigos. Esta deno minação cristã surgiu e chegou ao</p><p>Brasil à época em que o mundo era dominado pela ideologia do</p><p>Positivismo, que enaltecia o método científico. Não por acaso, é dessa</p><p>mesma época o surgimento do Espiritismo kardecista – que se anuncia não</p><p>só como religião, mas também como ciência – e da Igreja Positivista do</p><p>Brasil, fundada em 11 de maio de 1881, no Rio de Janeiro, mas que nada</p><p>tem a ver com o Cristianismo.</p><p>Os Paraevangélicos Nacionais</p><p>A Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Internacional da Graça de</p><p>Deus e a Igreja Mundial do Poder de Deus não são completamente aceitas</p><p>pela maioria dos evangélicos como sendo evangélicas autênticas. O principal</p><p>motivo, como vimos, é que elas são acusadas de sincretismo, pois</p><p>incorporaram em seus cultos e doutrinas elementos do Candomblé e do</p><p>Judaísmo, e ideias progressistas, como ser favorável ao aborto. Além disso,</p><p>apesar de todas as denominações evangélicas acreditarem na existência do</p><p>Diabo e na possibilidade de possessão demoníaca, criticam essas três igrejas</p><p>por fazerem disso um espetáculo e pela frequência com que supostamente</p><p>ocorrem tais possessões nos cultos. Associado a isso está o fato de que a</p><p>IURD também é conhecida por promover a intolerância religiosa contra as</p><p>religiões de matriz africana.</p><p>Além de tudo que já foi dito, os paraevangélicos nacionais são</p><p>extremamente ambiciosos e gostam de demonstrar poder. Por isso, sempre</p><p>utilizam nomes pomposos e majestosos, como universal, internacional ou</p><p>mundial e, apesar de não se preocuparem muito com a estética dos templos</p><p>espalhados pelos bairros, geralmente gostam de construir uma</p><p>megaestrutura no coração das cidades para serem notados e admirados pela</p><p>grandiosidade e pelo luxo.</p><p>Sobre isso, é característica também dessas igrejas não valorizar ou até</p><p>mesmo ignorar qualquer preocupação estética, tanto na estrutura física,</p><p>como no formato do culto e nas roupas. Enquanto a maioria das igrejas</p><p>evangélicas procuram construir um lugar agradável para a celebração dos</p><p>cultos, estudam e ensaiam para uma apresentação artística louvável e</p><p>guardam a melhor roupa do armário para o culto de domingo, essas igrejas</p><p>se reúnem em galpões, não enfatizam a parte artística do culto e geralmente</p><p>os frequentadores comparecem aos cultos com a mesma roupa que realizam</p><p>suas tarefas cotidianas.</p><p>Outra característica de tais igrejas, em contraste com as demais igrejas</p><p>evangélicas, é que, enquanto estas abrem em dias e horários especiais para</p><p>alguns cultos semanais – com ápice no culto dominical, as outras ficam o</p><p>tempo todo abertas e celebram vários cultos ao longo da semana,</p><p>praticamente todos os dias, inclusive em horários bem alternativos, como no</p><p>meio da tarde. Também por causa disso, essas igrejas têm ausência de</p><p>fidelidade. Isto é, enquanto a maior parte das igrejas evangélicas costuma</p><p>cadastrar e catalogar seus membros, inclusive para documentar</p><p>juridicamente quem tem direito a voto nas assembleias, nessas igrejas a</p><p>frequência não é fixa, não há um rol de membros determinado, e muitos,</p><p>inclusive, frequentam diferentes igrejas: participam de uma campanha de</p><p>cura na Igreja Universal em uma semana, e na semana seguinte participam</p><p>de outra campanha na Igreja Mundial, por exemplo.</p><p>Do ponto de vista sociológico, essas igrejas também têm como</p><p>característica marcante o fato de construírem templos enormes em áreas</p><p>nobres das cidades, embora o público-alvo sejam os membros das classes</p><p>econômicas menos favorecidas, com um discurso bem agressivo de</p><p>prosperidade, cura e libertação, preferencialmente com transmissão através</p><p>de programas de TV.</p><p>IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS (IURD)</p><p>Foi criada em 9 de julho de 1977, no Rio de Janeiro, por Edir Macedo</p><p>do Cristianismo. Durante a leitura, sentiu-se confortado em sua</p><p>angústia quando leu o livro bíblico de Romanos, no Novo Testamento. A</p><p>partir dessa leitura, ele entendeu que a salvação da alma era mérito de Deus,</p><p>ou seja, era por graça (do latim, gratia, que significa favor), e não pelo que a</p><p>pessoa fazia ou deixava de fazer, as ações, como haviam dito alguns Pais da</p><p>Igreja. Ao ler passagens do Novo Testamento, como Efésios 2:8-9, “pela</p><p>graça sois salvos”, Lutero percebeu que a venda de indulgências não tinha</p><p>base bíblica.</p><p>Professor de Bíblia na Universidade de Wittenberg, ele fez o que era</p><p>muito comum entre os professores daquela época: escreveu 95 teses para</p><p>serem debatidas. O objetivo era provar que o papa estava errado ao permitir</p><p>a venda de indulgências. Na verdade, chegou a ter a ingenuidade de achar</p><p>que o papa, em Roma, não sabia que Alberto e Tetzel estavam fazendo</p><p>tamanha aberração no norte do Império Germânico. Lutero, inicialmente,</p><p>não tinha pretensão alguma de formar uma nova Igreja. Como monge e</p><p>professor de Teologia, convocou o debate apenas para corrigir os equívocos.</p><p>Queria divulgar a descoberta que fizera da salvação somente pela graça e, a</p><p>partir daí, elaborar uma nova doutrina bíblica para a então Igreja Católica.</p><p>Inicialmente o papa não deu importância ao movimento. Pensava tratar-</p><p>se de mais um revoltado, como tantos que haviam surgido ao longo da</p><p>chamada Idade Média. O papa designou o já cardeal Alberto para responder</p><p>as teses de Lutero. O movimento, porém, não foi abafado. Lutero ganhou</p><p>vários seguidores e o movimento cresceu. Quando o papa tomou</p><p>conhecimento da real dimensão do que estava acontecendo, já era tarde</p><p>demais. Os príncipes do Império Germânico estavam cansados da</p><p>interferência do papa, que era estrangeiro, nos negócios do seu reino e, por</p><p>isso, passaram a apoiar e proteger Lutero.</p><p>Quando a gente fala de Império Germânico, o termo príncipe não é</p><p>aquele a que estamos acostumados, isto é, o filho de um rei. É que o</p><p>Império Germânico era dividido em pequenos reinos e cada reino,</p><p>governado por um nobre que recebia o título de príncipe, mas nada tinha a</p><p>ver com possuir parentesco com o imperador. Guardadas as devidas</p><p>proporções, mas só para ficar bem didático, era como se o Império</p><p>Germânico fosse um país e os reinos, os estados. O presidente era o</p><p>imperador e os governadores, os príncipes. E eram os príncipes que votavam</p><p>para escolher o imperador.</p><p>Quando Lutero percebeu que não teria mesmo como convencer o papa a</p><p>consertar a doutrina da Igreja Católica, ele não teve outro jeito senão</p><p>romper e, a partir daí, começar outra Igreja. Teve início, assim, a Igreja</p><p>Luterana. Podemos dizer que o seu início formal foi em 1530, quando</p><p>Filipe Melâncton (1497-1560), colega e amigo de Lutero, escreveu um</p><p>documento, a Confissão de Augsburgo, que sistematizava toda a doutrina</p><p>luterana da época para tentar convencer o imperador do Sacro Império,</p><p>Carlos V, a permitir o Luteranismo. Não deu certo. Os luteranos só foram</p><p>permitidos em 1555, ao ser decretada a Paz de Augsburgo, em que o</p><p>imperador foi praticamente obrigado a aceitar que cada reino escolhesse a</p><p>religião que quisesse adotar. Voltaremos a esses eventos nos próximos</p><p>capítulos. Nesta parte, o importante é entender que a Reforma Protestante,</p><p>por essa razão, foi um evento ocorrido entre 1517 e 1555. Ela vai do</p><p>momento em que Lutero divulgou suas 95 teses na cidade de Wittenberg,</p><p>até aquele em que o Luteranismo se consolidou como religião aceita no</p><p>Império Germânico. É muito comum, quando se estuda a Reforma</p><p>Protestante, partir de Lutero e depois estudar os demais movimentos.</p><p>Seguiremos também este caminho.</p><p>Depois de Lutero, vários líderes de outras localidades passaram a se</p><p>rebelar contra o domínio papal e a Igreja Católica, e realizaram inúmeras</p><p>reformas em suas cidades. Por isso, eis a primeira e principal chave para se</p><p>estudar a Reforma Protestante: não houve uma única Reforma Protestante,</p><p>mas uma pluralidade de reformas simultâneas. Isso aconteceu porque cada</p><p>grupo passou a fazer a sua própria interpretação da Bíblia, como ainda é</p><p>hoje em dia.</p><p>Assim, todo esse movimento se dividiu em duas grandes correntes: A</p><p>Reforma Magisterial e a denominada Reforma Radical. Cada uma, por sua</p><p>vez, se subdividiu em três subgrupos. Do lado Magisterial: os luteranos,</p><p>seguidores de Martinho Lutero; os reformados, seguidores de Zwínglio</p><p>(1484-1531) em Zurique, Calvino (1509-64) em Genebra, e Knox (1514-</p><p>72) na Escócia; e os anglicanos, quando o Rei Henrique VIII (1491-1547)</p><p>formou a Igreja nacional na Inglaterra. Do lado Radical: os racionalistas,</p><p>seguidores de Karlstadt (1486-1541); os espiritualistas, seguidores de</p><p>Thomas Müntzer (1489-1525); e os ana batistas, seguidores de Conrad</p><p>Grebel (1498-1526) e Félix Manz (1498-1527). Cada grupo defendia um</p><p>ponto de vista teológico sobre diversos assuntos em pauta naquele momento</p><p>e discordava entre si por vários motivos.</p><p>O conceito de Reforma Protestante foi criado em 1694 pelo his toriador</p><p>alemão Veit Ludwig von Seckendorff para explicar que, no século 16, teve</p><p>início um Cristianismo não romano que modificou substancialmente a</p><p>teologia até então predominante. Este novo Cristianismo recebeu o nome</p><p>de Protestantismo porque os príncipes que seguiram Lutero protestaram</p><p>contra a decisão da Dieta de Espira em 1529, que proibia a aceitação do</p><p>Luteranismo. Portanto, ao contrário do que muitos pensam, o termo</p><p>protestante não se dá porque Lutero protestou contra o papa, mas porque os</p><p>príncipes dos reinos que adotaram as doutrinas luteranas protestaram contra</p><p>a proibição pelo imperador do Império Germânico. É muito comum nas</p><p>religiões que os nomes surjam a partir de apelidos pejorativos dados pelos</p><p>inimigos que acabam “colando”.</p><p>É preciso lembrar que o próprio Lutero e os demais reformadores não</p><p>utilizaram tal conceito, afinal não tinham consciência de que tais ações</p><p>dividiriam, de fato, o Cristianismo nos anos posteriores. Assim, partir do</p><p>pressuposto de que os agentes históricos do século 16 tinham consciência de</p><p>estarem promovendo uma reforma religiosa, como o conceito ficou</p><p>conhecido depois do século 17, é incorrer em anacronismo. O equívoco se</p><p>dá quando o estudioso projeta o conhecimento que possui na motivação</p><p>daqueles que viveram no passado e não tinham todas as informações. Ou</p><p>seja, os fundadores de novas religiões, no momento em que agem, não</p><p>fazem ideia do que acontecerá. No século 16, cada reformador em sua</p><p>região de influência não desejava, inicialmente, criar uma nova igreja, e sim</p><p>consertar o que julgava equívocos da Igreja Católica. Os rompimentos</p><p>definitivos surgiram mais por não aceitação política das novas ideias pelo</p><p>papado e pelo império do que pelas divergências teológicas em si.</p><p>Em 1839, o historiador alemão Leolpold von Ranke, por sua vez,</p><p>popularizou o conceito de Contrarreforma para definir a reação da Igreja</p><p>Católica. Desde então, a historiografia protestante preferiu usar o termo</p><p>Contrarreforma para se referir à ação da Igreja Católica focando nos</p><p>movimentos contrários aos reformadores, inclusive com tentativa de detê-</p><p>los, enquanto a historiografia católica preferiu usar o termo Reforma Católica</p><p>para mostrar que a origem do termo estava no próprio Catolicismo, e o</p><p>desejo de renovação da Igreja e início de algumas ações nesse sentido já</p><p>existiam antes mesmo de Lutero.</p><p>Como este livro é um estudo introdutório, indicaremos caminhos para</p><p>quem desejar se aprofundar no tema. Conforme apresentado na Introdução,</p><p>o estudo histórico é composto de fontes e historiografia, ou seja, os livros</p><p>escritos pelos historiadores sobre o tema. Dessa forma, apresentaremos uma</p><p>breve análise crítica dos principais livros e fontes para se estudar a Reforma</p><p>Protestante. Por questão de acessibilidade, focaremos nas obras disponíveis</p><p>em língua portuguesa. Caso não seja de seu interesse aprofundar-se em tal</p><p>estudo, sugerimos que vá direto para o terceiro capítulo.</p><p>A HISTORIOGRAFIA DA REFORMA</p><p>e</p><p>Romildo Ribeiro Soares. A história do início desta igreja foi retratada em</p><p>Nada a Perder: Contra Tudo. Por Todos. O filme estreou em 29 de março de</p><p>2018 e foi dirigido por Alexandre Avancini.</p><p>Edir Macedo era membro da Igreja Evangélica Nova Vida.</p><p>Em 1974, iniciaram o ministério Cruzada do Caminho Eterno que,</p><p>resumidamente, três anos mais tarde, viria a se tornar a Igreja Universal.</p><p>Para isso, Macedo e R.R. Soares alugaram um galpão no bairro da</p><p>Abolição. A partir dali, com uma pregação sobre o poder de Deus para</p><p>libertar a pessoa dos males espirituais, a IURD começou a se expandir.</p><p>Dentro da Sociologia, a Igreja Universal é con siderada um fenômeno, dado</p><p>o seu meteórico crescimento, pois nenhuma outra igreja cresceu e se</p><p>expandiu tão rápido, inclusive para o exterior.</p><p>A história da Igreja Universal é marcada por inúmeras controvérsias, o</p><p>que faz dela a denominação mais polêmica entre o Cristianismo não</p><p>católico do Brasil. Em 24 de maio de 1992, seu fundador, o bispo Macedo,</p><p>foi acusado de charlatanismo e ficou 11 dias preso. Acabou sendo solto e o</p><p>processo, arquivado por falta de provas. Em 1995, o Jornal Nacional, da TV</p><p>Globo, levou ao ar uma reportagem em que veiculava um vídeo em que Edir</p><p>Macedo aparecia ensinando outros pastores da igreja como ganhar dinheiro</p><p>dos fiéis. Em 12 de outubro do mesmo ano, feriado católico nacional – dia</p><p>de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil –, Sérgio von Helder, à</p><p>época bispo da Igreja Universal, apareceu no programa de TV O Despertar</p><p>da Fé chutando uma imagem da santa católica, gerando enorme repercussão</p><p>em toda a sociedade brasileira. Em 1998, o telhado de um templo em</p><p>Osasco, São Paulo, desabou, deixando mais de 24 pessoas mortas e 467</p><p>feridas. Há também polêmicas em outros países.</p><p>A Igreja Universal do Reino de Deus é a denominação com o maior</p><p>investimento midiático. Em 1992, foi fundado o seu periódico semanal,</p><p>Folha Universal, com circulação nacional e que, além de temas de interesse</p><p>próprio e ligados diretamente com o meio evan gélico, segue veiculando</p><p>notícias do Brasil e do mundo como um jornal regular. A edição de 24 de</p><p>agosto de 2008 afirmou que a apresentadora Xuxa Meneghel havia vendido</p><p>sua alma ao Diabo por 100 milhões de dólares, o que rendeu uma ação</p><p>judicial em que o referido jornal foi condenado a indenizá-la em 1,5 milhão</p><p>de reais. Em 6 de junho de 1998, foi fundada a Rede Aleluia de Rádio, com</p><p>78 emissoras. Sete anos antes, a igreja já havia fundado a Line Records, uma</p><p>gravadora de músicas evangélicas (gospel) que lançou vários artistas. Entre</p><p>1995 e 2007 a gravadora mantinha no ar o programa de TV Gospel Line</p><p>para divulgar seus produtos.</p><p>Mas foi através da televisão que a militância midiática da igreja ficou</p><p>mais conhecida, tanto no Brasil, como no exterior. Em 27 de setembro de</p><p>1953, o empresário Paulo Machado de Carvalho inaugurou em São Paulo a</p><p>TV Record, canal 7, sendo a quarta emissora brasileira. O carro-chefe eram</p><p>os programas musicais com nomes como Dorival Caymmi, Inezita Barroso</p><p>e Adoniran Barbosa, além de fazer sucesso com programas como Família</p><p>Trapo e Repórter Esso. Em 1969, o apresentador Silvio Santos comprou</p><p>metade da emis sora, que, no ano seguinte, transmitiu a Copa do Mundo no</p><p>México, onde a Seleção Brasileira de Futebol se tornou tricampeã mundial.</p><p>Em 1981, Silvio Santos fundou sua própria emissora, o SBT, deixando a</p><p>Record em segundo plano. Devido à concorrência de outras emissoras que</p><p>já tinham surgido, entrou numa fase de declínio. Com a crise instalada e</p><p>dívidas milionárias, Paulo Machado de Carvalho e Silvio Santos decidiram</p><p>vendê-la. Edir Macedo percebeu que era a oportunidade de a Igreja</p><p>Universal ter emissora própria.</p><p>Logo após a aquisição da TV Record, a emissora passou por drásticas</p><p>mudanças, com novas identidade visual e programação. Ao longo das duas</p><p>décadas seguintes, ligada à IURD, a Record teve um crescimento</p><p>considerável, formando atualmente o conglome rado Grupo Record, que,</p><p>além da TV em canal aberto, também mantém a Record News e o site R7,</p><p>além de inúmeras rádios. A partir de 2004, a emissora começou a produzir</p><p>telenovelas, inclusive com temas bíblicos, muitos com a participação de</p><p>atores que antes eram contratados da concorrente TV Globo, o que ajudou</p><p>a aumentar ainda mais a sua audiência.</p><p>Desde que a Igreja Universal adquiriu a Record, ela e a Globo passaram</p><p>por inúmeras disputas que ficaram conhecidas como guerras midiáticas. A</p><p>TV Globo fazia uma denúncia contra a TV Record, a Igreja Universal ou o</p><p>bispo Macedo em algum programa jornalístico e, na semana seguinte, a TV</p><p>Record respondia, também em algum programa jornalístico, com denúncias</p><p>contra a TV Globo e a família Marinho. Em 1995, a TV Globo colocou no</p><p>ar uma minissérie chamada Decadência, que falava sobre um líder evangélico</p><p>que explorava seus fiéis. A Record, dias depois, colocou no ar, no então</p><p>programa Vigésima Quinta Hora, a relação da Globo com os militares</p><p>durante a ditadura. Em 2020, as duas emissoras protagonizaram embates</p><p>en volvendo a prefeitura do Rio de Janeiro.</p><p>Além da influência midiática, a Igreja Universal também tem</p><p>participação direta na política nacional desde a redemocratização em 1985.</p><p>Desde então, a cada eleição, o número de políticos ligados à IURD eleitos</p><p>para diversos cargos só faz aumentar. Um desses políticos, muito famoso, é</p><p>o bispo Marcelo Bezerra Crivella, que também é sobrinho do fundador,</p><p>bispo Edir Macedo. Crivella foi eleito senador em 2002, reeleito em 2010 e</p><p>eleito prefeito do Rio de Janeiro em 2016. A Igreja Universal também está</p><p>ligada ao surgimento do partido Republicanos, de orientação centrista.</p><p>Em 8 de agosto de 2010, teve início mais um projeto ambicioso da</p><p>Igreja Universal. O bispo Edir Macedo reuniu milhares de fiéis num terreno</p><p>no bairro do Brás, em São Paulo, para lançar a pedra fundamental do que</p><p>viria a ser o Templo de Salomão, construído com material importado de</p><p>Israel. Quatro anos depois, em 31 de julho, foi realizada a inauguração do</p><p>templo, com a presença da presidente da República, do governador de São</p><p>Paulo e com o prefeito da cidade de São Paulo, entre outras autoridades. O</p><p>Templo de Salomão da Igreja Universal em São Paulo se propõe a ser uma</p><p>réplica do seu homônimo no Antigo Testamento bíblico, apesar de ter</p><p>dimensões muito maiores. O Templo, no bairro do Brás, ocupa uma área de</p><p>70 mil metros quadrados, com capacidade para 10 mil pessoas, com dois</p><p>subsolos, estacionamento e estúdios.</p><p>IGREJA INTERNACIONAL DA GRAÇA DE DEUS</p><p>Foi criada em 9 de junho de 1980, no Rio de Janeiro, por Romildo</p><p>Ribeiro Soares, o nacionalmente famoso missionário R.R. Soares, como</p><p>dissidência da Igreja Universal – Soares é cunhado de Edir Macedo.</p><p>Atualmente sua sede fica na avenida São João, na cidade de São Paulo, de</p><p>onde os cultos são diariamente transmitidos pela TV. Sua doutrina e liturgia</p><p>são parecidíssimas com as da Igreja Universal, apesar de seu fundador ser</p><p>popularmente conhecido por uma oratória calma em contraste com a</p><p>oratória exaltada, característica dos pastores neopentecostais.</p><p>Um dos motivos da Igreja da Graça não ser considerada evangé lica de</p><p>fato pelas demais denominações deve-se à ênfase exagerada no dom de</p><p>curas. A Igreja da Graça acredita que o cristão não deve pedir pela cura, mas</p><p>determinar. Determinar não significa ter arrogância, no sentido de dar</p><p>ordens a Deus, mas ordenar ao Diabo que pare de agir negativamente, uma</p><p>vez que, quando o cristão determina a cura, isso significa que Deus já a</p><p>concedeu, conforme Isaías 53:4-5.</p><p>Ao mesmo tempo, a própria Igreja da Graça não se considera</p><p>neopentecostal por não concordar plenamente com a doutrina da</p><p>prosperidade, como é pregada entre os neopentecostais, ou seja, que todo</p><p>cristão, necessariamente, precisa enriquecer como demonstração das</p><p>bênçãos de Deus em sua vida.</p><p>Tal qual a Igreja Universal, a Igreja da Graça também tem forte</p><p>presença midiática. Em 1o de dezembro de 1997, o missionário R.R. Soares</p><p>lançou o programa</p><p>Show da Fé para transmitir os cultos – e as curas que</p><p>neles acontecem – pela televisão. O programa conta também com outros</p><p>quadros, como Novela da Vida Real e O Missionário Responde, e é veiculado</p><p>em horário nobre pela Band e pela Rede TV! Porém, em 13 de dezembro</p><p>de 1999, a igreja lançou seu próprio canal, a Rede Internacional de</p><p>Televisão (RIT TV). Em 2010, a igreja montou uma distribuidora de vídeos</p><p>evangélicos chamada Graça Filmes. Um dos seus maiores sucessos de</p><p>bilheteria foi o lançamento no Brasil do filme Deus Não Está Morto!,</p><p>produzido em 2013 nos Estados Unidos. A igreja também é dona da</p><p>gravadora Graça Music e da rede Nossa Rádio.</p><p>IGREJA MUNDIAL DO PODER DE DEUS</p><p>Esta denominação foi criada em 8 de março de 1998, em Soro caba, São</p><p>Paulo, pelo pastor Valdemiro Santiago, também como dissidência da Igreja</p><p>Universal. Atualmente, a sede está localizada no bairro do Brás. Em 23 de</p><p>dezembro de 2006, Valdemiro recebeu o título de apóstolo pelo bispo</p><p>Josivaldo Batista. A estrutura dos cultos da Igreja Mundial é muito parecida</p><p>com a da Igreja Uni versal e a da Igreja da Graça, com pregações e ênfase em</p><p>curas. No dia 8 de janeiro de 2017, Valdemiro Santiago ganhou as</p><p>manchetes dos jornais após sofrer um atentado, em que recebeu golpes no</p><p>pescoço com um facão enferrujado. Foi socorrido e levou 20 pontos. A</p><p>Igreja Mundial também tem envolvimento direto com a política partidária.</p><p>COMUNIDADE CAMINHO DA GRAÇA</p><p>Apesar de ter todas as características de uma denominação evangélica, o</p><p>Caminho da Graça se apresenta como um movimento – e não como uma</p><p>igreja – para cristãos que se decepcionaram com as igrejas instituídas e</p><p>passaram a não fazer parte de nenhuma delas. Ela não tem uma data</p><p>concreta de fundação e começou em 2001 como consequência de um</p><p>programa que o pastor Caio Fábio D’Araújo Filho – outrora pertencente à</p><p>Igreja Presbiteriana do Brasil e sobre o qual falaremos novamente no</p><p>próximo capítulo – veiculava pelo YouTube.</p><p>A audiência do programa era formada, principalmente, por cristãos que</p><p>se lembravam da militância de Caio Fábio durante as décadas de 1980 e</p><p>1990, como um dos primeiros evangélicos a veicular um programa</p><p>evangélico na TV aberta. Através da internet, Caio Fábio abordava temas</p><p>polêmicos e perguntas que seus telespectadores enviavam, sempre com</p><p>respostas pouco convencionais ou ortodoxas. Por isso, é considerado</p><p>herético pelas demais igrejas evangélicas. Para se distanciar da aparência</p><p>denominacional, os lugares onde os adeptos da Comunidade Caminho da</p><p>Graça se reúnem são chamados estação, e não templo, congregação ou igreja.</p><p>E seu fundador acabou criando uma imagem excêntrica, aparecendo na</p><p>internet com barba longa e vestimentas exóticas que lembram a figura de</p><p>um profeta bíblico.</p><p>AS IGREJAS AUTÔNOMAS</p><p>A todo momento surgem novas congregações locais, e nem sempre elas</p><p>estão ligadas a alguma igreja ou denominação. Muitas vezes são iniciativa de</p><p>um indivíduo ou de um grupo. Em nome da liberdade religiosa, o Estado</p><p>não tem controle sobre isso e, na sua ausência, não há nenhum outro tipo de</p><p>instituição com poder para efetuar controle. Além de não controlar, o</p><p>Estado, em nome da liberdade religiosa, facilita. Do ponto de vista jurídico</p><p>é fácil começar uma igreja no Brasil. A facilidade é tão grande que</p><p>aproveitadores e charlatães acabam não podendo ser enquadrados como</p><p>estelionatários, porque se justificam em nome da liberdade religiosa. O que</p><p>é uma religião legítima e o que é um engodo? Como diferir uma da outra?</p><p>Qual o limite autêntico para a liberdade religiosa? Não há respostas</p><p>definidas para essas perguntas. Da mesma forma como não há para a</p><p>seguinte pergunta: Quando uma igreja se torna uma denominação? Isto é,</p><p>quando uma única igreja local, que começa num determinado endereço para</p><p>alguns poucos fiéis, se expande a ponto de ser uma nova denominação?</p><p>Aqui propomos, pelo menos, três indicativos. O primeiro e mais</p><p>importante é o fator quantitativo. Quantas congregações locais e membros</p><p>existem? Quanto mais congregações, maior o indicativo de que se trata de</p><p>uma denominação, e não de uma igreja autônoma. Neste caso, é muito</p><p>importante que a expansão tenha acontecido geograficamente e que a</p><p>mesma congregação esteja presente, pelo menos, em mais de um Estado</p><p>(que não seja limítrofe). O segundo aspecto é a estrutura: é importante que,</p><p>além de se manter, aquele conjunto de igrejas tenha instituições paralelas</p><p>para si e para promover a expansão, como editora, seminário, escolas,</p><p>departamentos para o envio de missionários e alguns meios de comunicação.</p><p>E o terceiro aspecto é que, além de um líder central, haja um corpo de</p><p>doutrinas ou princípios bem definidos que todas as congregações locais</p><p>sigam de forma padronizada a ponto de, se o líder principal e fundador</p><p>morrer, essa declaração de princípios ou doutrinas seja suficiente para que</p><p>um novo líder venha a ser escolhido e assuma o lugar, dando continuidade</p><p>ao mesmo tipo de trabalho.</p><p>Algumas igrejas se constituem denominações, mesmo tendo um número</p><p>muito reduzido de “sedes”, pois chegaram ao Brasil através de sua congênere</p><p>estrangeira. Neste caso, mesmo que sejam numeri camente pequenas aqui,</p><p>são denominações consideráveis em outros lugares do mundo. É o caso, por</p><p>exemplo, dos anglicanos e menonitas. Ou, então, há denominações</p><p>consideráveis no exterior que ainda não têm presença no Brasil, como a</p><p>Sociedade dos Amigos, que é uma denominação quaker. Aqui, porém, estamos</p><p>falando de igrejas que realmente surgiram no Brasil. Algumas se</p><p>expandiram e se tornaram denominações. Outras continuaram como uma</p><p>congregação local. A denominação também é identificada como sendo a</p><p>instância máxima a que uma congregação está ligada no Brasil. Por</p><p>exemplo, a Igreja Batista da Lagoinha era uma igreja em Belo Horizonte,</p><p>ligada à sua denominação, a Convenção Batista Nacional. Ela se expandiu e</p><p>surgiram muitas congregações da Igreja Batista da Lagoinha pelo país. Se</p><p>estiver ligada à Convenção Batista Nacional como última instância, então</p><p>essa será a denominação dessa igreja. Porém, se ela romper e se tornar uma</p><p>igreja autônoma, ampla e já estruturada no país, poderá ser classificada</p><p>como uma nova denominação. É bem diferente, por exemplo, da Igreja</p><p>Batista Getsêmani, também em Belo Horizonte. Apesar de rompida com a</p><p>Convenção Batista Nacional, ela não pode ser considerada uma nova</p><p>denominação, pois não tem congregações substanciais espalhadas pelo</p><p>Brasil e ligadas diretamente a ela. Sendo assim, trata-se de uma igreja</p><p>autônoma em Belo Horizonte.</p><p>É claro que a maioria das igrejas locais acaba não se expandindo a ponto</p><p>de se tornar uma nova denominação. E o mais complicado é que não é</p><p>possível classificar todas essas congregações locais autônomas como</p><p>neopentecostais, como equivocadamente muitas vezes se faz. Inúmeras</p><p>acabam surgindo com doutrinas que nada têm a ver com o</p><p>Neopentecostalismo. Algumas, inclusive, surgem em torno de uma liturgia e</p><p>doutrina mais próximas do Protestantismo histórico e tra dicional. Por isso,</p><p>essas igrejas precisam de uma classificação própria. Existem as</p><p>denominações protestantes tradicionais, as pentecostais, as neopentecostais</p><p>e as congregações autônomas. E cada congregação autônoma deve ser vista</p><p>na sua individualidade, e não por meio de rótulos. Como já dissemos, elas</p><p>devem ser vistas a partir de como se apresentam, e jamais pelo que outros,</p><p>externos a elas, principalmente “inimigos”, dizem que são.</p><p>Algumas igrejas começam de forma totalmente independente, por</p><p>intermédio da iniciativa de uma única pessoa, ou de um grupo, e crescem</p><p>numericamente, estabelecendo uma congregação local, inclusive com</p><p>registro jurídico. Porém, sentindo necessidade de uma estrutura de apoio,</p><p>essa congregação, principalmente por intermédio da sua liderança, decide se</p><p>filiar a alguma denominação já estabe lecida, de acordo com a proximidade</p><p>de suas doutrinas. Essas congregações locais podem entrar em contato com</p><p>determinada convenção ou instituição</p><p>similar, que decide, de acordo com o</p><p>seu estatuto e a sua assembleia, se agrega ou não o grupo. Então, a</p><p>congregação local, que não começou por iniciativa de uma determinada</p><p>denominação, passa a fazer parte dela.</p><p>A questão dos dons espirituais continua sendo o fator central que divide</p><p>os evangélicos nos dois grandes grupos: os tradicionais, que acreditam que os</p><p>milagres extraordinários, como manifestação dos dons espirituais, foram</p><p>restritos ao período da Igreja Primitiva, e os pentecostais, que acreditam que</p><p>esses dons espirituais ainda se manifestam de maneira sobrenatural nos dias</p><p>de hoje. Dessa forma, a única maneira de classificar as igrejas autônomas é</p><p>sabendo se ela adota uma doutrina tradicional ou uma doutrina pentecostal.</p><p>No caso da primeira, temos o exemplo do Ministério Sal da Terra, em</p><p>Goiânia. No caso da segunda, temos o exemplo da Comunidade</p><p>Internacional da Zona Sul, no Rio de Janeiro.</p><p>Aproveitamos também para falar de outras denominações que ainda não</p><p>foram apresentadas. Por exemplo, merece destaque a Assembleia de Deus</p><p>Vitória em Cristo, por causa da projeção midiática que seu líder, o pastor</p><p>Silas Malafaia, exerce. Malafaia começou seu ministério como pregador na</p><p>Assembleia de Deus da Penha, no Rio de Janeiro, uma igreja pentecostal de</p><p>primeira onda. Porém, a Assembleia de Deus Vitória em Cristo é uma</p><p>denominação de característica neopentecostal.</p><p>A INSUFICIÊNCIA DA TRÍADE TRADICIONAL, PENTECOSTAL E</p><p>NEOPENTECOSTAL</p><p>Muitos estudos já tentaram catalogar os evangélicos em segmentos, seja</p><p>utilizando critérios socioeconômicos dos membros, seja utilizando critérios</p><p>teológicos, como a liturgia ou a doutrina que pregam. Assim, surgiu a tríade</p><p>tradicionais, pentecostais e neopentecostais, que apresentamos no início deste</p><p>capítulo. Como se pode ver, utilizamos essa divisão somente como ponto de</p><p>partida, destacando que tal classificação já não é mais suficiente para a</p><p>realidade evangélica.</p><p>Inicialmente dizia-se que os evangélicos tradicionais tinham vindo com</p><p>os imigrantes ou missionários dos Estados Unidos – e os batistas e</p><p>presbiterianos são os principais exemplos; os pentecostais são os que</p><p>acreditam em línguas estranhas – a Congregação Cristã no Brasil e a</p><p>Assembleia de Deus são os principais exemplos; e os neopentecostais são os</p><p>que acreditam na teologia da prosperidade e têm na televisão uma</p><p>importante ferramenta e aliada – a Igreja Universal, a Renascer e a Sara</p><p>Nossa Terra, os principais exemplos. Além disso, segundo esses estudos,</p><p>enquanto os evangélicos tradicionais são os mais escolarizados, com maior</p><p>poder econômico e pertencentes à classe média, os pentecostais e</p><p>neopentecostais são os mais pobres, econômica e socialmente</p><p>marginalizados, além de iletrados.</p><p>Com o tempo, esse critério passou a ter um juízo de valor intrínseco ou</p><p>velado, que ajudava a difundir ainda mais preconceito. Em outras palavras,</p><p>ser evangélico tradicional, do ponto de vista social, conferia mais status.</p><p>Havia mais qualidade. Um dos exemplos dados era a erudição dos pastores.</p><p>Os tradicionais estudavam em seminários, cursando Teologia, enquanto os</p><p>pentecostais ou neopentecostais não tinham formação acadêmica. Por outro</p><p>lado, quando aconteciam escândalos, ou algum tipo de absurdo se tornava</p><p>público, era comum referir-se aos neopentecostais.</p><p>O principal exemplo desse preconceito, como dissemos, se deu com a</p><p>eleição do deputado Jair Messias Bolsonaro para presidente da República,</p><p>em 2018. Sabe-se que boa parte de sustentação do seu mandato estava</p><p>embasada nos eleitores evangélicos. Por isso, era comum que os meios de</p><p>comunicação fizessem referência aos neopentecostais. Quando se dizia que</p><p>nem todos os evangélicos apoiavam Bolsonaro, imaginava-se que os mais</p><p>progressistas que se identificavam como oposição seriam os tradicionais.</p><p>Porém, já na campanha eleitoral de Bolsonaro, destacou-se a figura do</p><p>senador Magno Malta, pastor da Convenção Batista Brasileira.</p><p>Durante o mandato de Bolsonaro, foi ministro da Educação o teólogo</p><p>Milton Ribeiro, pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil. E quando, em 10</p><p>de julho de 2019, o presidente decidiu que um dos ministros que seria</p><p>indicado por ele para o Supremo Tribunal Federal teria que ser</p><p>“terrivelmente evangélico”, Bolsonaro se referia a André Mendonça,</p><p>advogado e pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil. Damares Alves,</p><p>ministra da mulher, da família e dos direitos humanos, uma pastora batista.</p><p>Assim, ainda que no imaginário e no senso comum se tenha criado a noção</p><p>de que o envolvimento na política partidária era costume exclusivo dos</p><p>neopentecostais, viu-se que, na prática, eram os tradicionais, e não os</p><p>neopentecostais, que estavam diretamente ligados ao poder.</p><p>Há pouco usamos o termo progressista. Em política, o termo faz</p><p>antagonismo a conservador. Trata-se de uma postura em relação aos</p><p>costumes. O conservador pretende manter a tradição, enquanto o pro-</p><p>gressista quer mudá-la. Um exemplo no início do século 21 é a dis cussão</p><p>sobre a legalização das drogas, do aborto e do casamento homossexual.</p><p>Enquanto o conservador é contrário a tais propostas, o progressista é</p><p>favorável. Os evangélicos são considerados mais conservadores em sua</p><p>ampla maioria. Porém, existem os evangélicos progressistas, ainda que sejam</p><p>minoria. Essa divisão, contudo, não se alinha com nenhum segmento ou</p><p>denominação. É possível encontrar evangélicos progressistas em todas as</p><p>denominações. Algumas, porém, como a Igreja Anglicana, a Igreja</p><p>Presbiteriana Unida, a Igreja Presbiteriana Independente e a Igreja</p><p>Metodista, historicamente, têm maior presença de progressistas em seu</p><p>meio. O que ocorre é que certas denominações são mais democráticas e</p><p>permitem que os progressistas tenham mais voz.</p><p>Durante a década de 1990, os evangélicos se alinhavam à chamada</p><p>política de esquerda, pois entendiam que a proposta de distribuição de</p><p>riqueza e combate à pobreza deveria caminhar de mãos dadas com a</p><p>mensagem cristã. Em 2002, Anthony Garotinho se declarava evan gélico e</p><p>foi candidato à presidência da República pelo PSB (Partido Socialista</p><p>Brasileiro), claramente de esquerda. Os evangélicos não viam</p><p>incompatibilidade entre a fé cristã e o socialismo ou a social-democracia.</p><p>No segundo turno, muitos apoiaram Luiz Inácio Lula da Silva, do PT</p><p>(Partido dos Trabalhadores), que foi eleito e assumiu a presidência da</p><p>República em 2003.</p><p>Durante o tempo em que esteve no poder (2003-16), o Partido dos</p><p>Trabalhadores se viu envolvido em escândalos de corrupção e executou</p><p>políticas públicas de promoção de pautas progressistas, que muitos</p><p>evangélicos começaram a ver como ameaça. Apesar de terem crescido</p><p>numericamente e em poderio político, econômico e midiático nesse período,</p><p>pouco a pouco foram se afastando do apoio ao governo e migrando para a</p><p>Oposição.</p><p>A cada eleição, os evangélicos aumentam a representatividade no</p><p>Congresso Nacional, cujos representantes passaram a ser conhecidos como</p><p>“bancada evangélica”. As pautas defendidas são consideradas conservadoras:</p><p>não à legalização das drogas, do aborto e do casamento homossexual. Nas</p><p>eleições de 2010, ganhou destaque o evento em que o pastor da Primeira</p><p>Igreja Batista de Curitiba, Paschoal Piragine, disse, durante um culto, que</p><p>os membros da igreja não votassem no PT, pois o partido teria fechado</p><p>questão com pautas que agrediam a fé evangélica. O culto era transmitido</p><p>pela internet, e a gravação da sua fala viralizou e se tornou exemplo do</p><p>antipetismo evangélico. Mais uma vez um pastor de uma denominação</p><p>tradicional.</p><p>Com isso, o fantasma do comunismo voltou a assustar. Mesmo quando</p><p>eram favoráveis ao socialismo, os evangélicos nunca apoiavam o comunismo</p><p>ou o marxismo. São pouquíssimos os evangélicos que acreditam que não há</p><p>incompatibilidade entre a proposta comunista ou marxista e a fé cristã. Isso</p><p>porque o sociólogo alemão Karl Marx, idealizador do comunismo, disse que</p><p>a religião é o ópio do povo. Dessa forma, o comunismo sempre esteve ligado</p><p>ao ateísmo e, por</p><p>isso, não foi aceito pelos evangélicos. Além do mais,</p><p>muitos grupos evangélicos viveram traumas quando tiveram que fugir da</p><p>perseguição nos países comunistas, como os menonitas russos ou os batistas</p><p>letos, que fugiram para o Brasil justamente por causa da perseguição que</p><p>sofreram após a criação da União Soviética.</p><p>Destarte, a maioria dos evangélicos não vê com bons olhos a Teologia da</p><p>Libertação, uma proposta de leitura econômica da Bíblia, que entende a</p><p>mensagem cristã como socorro aos pobres e condenação à injusta</p><p>acumulação de riquezas. Como alternativa, os evangélicos criaram a Missão</p><p>Integral, que busca denunciar a injustiça social sem aderir ao marxismo. Por</p><p>causa do “fantasma do comunismo”, as igrejas evangélicas também apoiaram</p><p>o golpe militar de 31 de março de 1964 e a ditadura, ainda que fossem</p><p>numérica e politicamente inexpressivas à época. E por, via de regra,</p><p>acreditarem no mito de que os cursos de Humanas só leem autores</p><p>marxistas, muitos olham as universidades com desconfiança.</p><p>Em geral, a postura evangélica, independentemente da deno mi nação,</p><p>quase sempre é de que se faz necessário efetuar boas obras – ajudar os</p><p>pobres –, não para conquistar a salvação, mas como consequência. Isto é, se</p><p>o evangélico já foi salvo pela fé, ela irá ajudar os pobres como demonstração</p><p>de sua espiritualidade. Por isso, muitas igrejas têm projetos sociais. Porém,</p><p>entrar em movimentos sociais para militar politicamente por mudanças</p><p>estruturais é perder o foco, já que eles entendem que o Reino de Deus não é</p><p>deste mundo e ao cristão compete focar na recompensa que terá na vida após</p><p>a morte. Assim, as injustiças sociais e a desigualdade são inevitáveis, pois</p><p>fazem parte do mundo naturalmente maculado pelo pecado, e tal realidade</p><p>só mudará quando Jesus retornar.</p><p>É exatamente essa postura que Marx criticava como alienação. Portanto,</p><p>para o evangélico, que acredita no mundo espiritual, não adianta lutar por</p><p>justiça social, pois é melhor esperar o Céu prometido por Jesus. Para o</p><p>comunista, materialista, não existe outro mundo. É preciso lutar para acabar</p><p>com as injustiças sociais neste mundo. Para os evangélicos progressistas, é</p><p>preciso unir as duas posturas: lutar por justiça social neste mundo, enquanto</p><p>se aguarda a redenção final na volta de Jesus.</p><p>Retornando à questão da classificação, como ocorreu a difusão do</p><p>preconceito de que a inserção na política era prerrogativa dos</p><p>neopentecostais, também muito já se disse equivocadamente que a inserção</p><p>na televisão também era prática neopentecostal. Hoje em dia, porém, sabe-</p><p>se que as mais diversas denominações e congregações locais têm programas</p><p>de rádio e televisão. Em 1996, por exemplo, entrou no ar a TV Novo</p><p>Tempo, da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Na década de 1990, o</p><p>programa evangélico de maior audiência, Pare & Pense, era apresentado por</p><p>um pastor presbiteriano. No aspecto socioeconômico, em todos os</p><p>segmentos há membros ricos, pobres e de classe média. Há doutores,</p><p>professores universitários e analfabetos.</p><p>Portanto, não é mais possível utilizar a antiga tríade como “camisa de</p><p>força” para classificar as igrejas evangélicas e seus membros em segmentos,</p><p>pois ela não dá mais conta da realidade. Ao contrário, apenas irá criar</p><p>preconceitos. Por isso, neste livro, sugerimos essa divisão maior –</p><p>tradicionais, pentecostais, neopentecostais, autônomos e paraevangélicos –, com</p><p>suas subdivisões. Mas ressaltamos que não é para se tornar outro dogma e,</p><p>sim, uma inspiração. Ao conhecer ou estudar uma igreja evangélica, debruce</p><p>sobre o que ela é em si, e como se apresenta, abandonando as classificações</p><p>prévias que a rotulam.</p><p>Outros aspectos também não são, isolados, critérios para classificar os</p><p>evangélicos entre tradicionais, pentecostais ou neopentecostais. Do ponto de</p><p>vista da doutrina, todas as denominações têm diversos posicionamentos</p><p>sobre temas, como dons espirituais, glossolalia, teologia da prosperidade,</p><p>predestinação, entre outros. Do ponto de vista litúrgico, também não é mais</p><p>possível ligar uma denominação a um estilo de culto solene ou</p><p>contemporâneo. Uma mesma denominação, inclusive, pode ter</p><p>congregações com liturgias de culto diferentes. Por isso, as classificações</p><p>precisam ser empregadas para facilitar o estudo, como faremos no próximo</p><p>capítulo, mas devem ser utilizadas com parcimônia pelo estudioso, sempre</p><p>consciente das limitações dessas classificações.</p><p>História das Principais</p><p>Controvérsias no Brasil</p><p>Desde a chegada dos primeiros imigrantes protestantes até meados do</p><p>século 20, os evangélicos viviam poucas controvérsias internas. Talvez a</p><p>mais significativa no período tenha sido a ruptura liderada pelo pastor</p><p>presbiteriano de São Paulo, Eduardo Carlos Pe reira (1855-1923), que levou</p><p>à criação da Igreja Presbiteriana Independente. Este cenário muda a partir</p><p>da segunda metade do século 20, especialmente a partir das décadas de 1970</p><p>e 80, com o movimento do Neopentecostalismo.</p><p>Quando os missionários protestantes estadunidenses chegaram ao</p><p>Brasil, além de trazer uma pregação nova para o povo brasileiro, trouxeram</p><p>também uma estrutura denominacional considerável. Uma das primeiras</p><p>ações foi a criação de seminários para a preparação de pastores. Os</p><p>principais exemplos são o Seminário Presbiteriano do Sul, em Campinas, São</p><p>Paulo; dois seminários batistas, o do Sul, no Rio de Janeiro, e do Norte, em</p><p>Recife, Pernambuco; e a Escola Superior de Teologia, da Igreja Luterana, em</p><p>São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Os missionários estadunidenses</p><p>ignoravam a divisão geográfica do Brasil e o dividiam apenas em Norte e</p><p>Sul, como estavam acostumados nos Estados Unidos após a Guerra de</p><p>Secessão.</p><p>O Protestantismo tradicional nos Estados Unidos tem uma estrutura</p><p>burocrática que, aqui no Brasil, acabou por dificultar a expansão da fé. O</p><p>maior exemplo disso eram os obstáculos na formação de um pastor. Após</p><p>ser identificado em uma congregação local, ele precisava se deslocar para</p><p>uma cidade onde havia um seminário da sua denominação, morar e estudar</p><p>lá por quatro anos, voltar para a congregação que o havia enviado, ser</p><p>examinado por um concílio, para, finalmente, ser ordenado. Como,</p><p>diferentemente da Igreja Católica, o pastor não é celibatário, muitos</p><p>precisavam fazer todo esse processo acompanhados de cônjuge e filhos.</p><p>Logo, o número de pastores era bem escasso, e não se conseguia promover</p><p>uma expansão numérica agressiva.</p><p>Essa expansão, inclusive, acabou criando a tradição de evangé licos</p><p>celebrarem a Santa Ceia – versão evangélica para a eucaristia católica –</p><p>somente uma vez ao mês. Isso acontecia porque, geralmente, um único</p><p>pastor tinha que atender diversas igrejas espalhadas numa região e, como só</p><p>o pastor é legitimado a celebrar a Santa Ceia, fazia-se um rodízio, e cada</p><p>igreja celebrava apenas uma vez por mês, quando da passagem do pastor por</p><p>aquela congregação. Com o tempo, mesmo com o aumento do número de</p><p>pastores, isso acabou permanecendo como uma tradição nas igrejas</p><p>evangélicas. Enquanto a Igreja Católica e a Igreja Anglicana celebram a</p><p>eucaristia em todos os cultos – chamados missa justamente pela presença da</p><p>eucaristia –, a maioria dos evangélicos só celebra a Santa Ceia uma vez por</p><p>mês. É importante ressaltar que, na eucaristia, os católicos acreditam que o</p><p>pão se torna o próprio corpo de Cristo, enquanto os evangélicos, na</p><p>celebração da Santa Ceia, acreditam tratar-se apenas de um símbolo.</p><p>Apesar de o número de colonos protestantes ter sido majoritário no sul</p><p>do país, foi principalmente no estado de São Paulo que o Protestantismo se</p><p>fixou e se expandiu. Inicialmente, os evangélicos utilizaram como técnica a</p><p>criação de escolas e universidades. A mais famosa foi a Universidade</p><p>Presbiteriana Mackenzie, fundada em 1870 como Escola Americana.</p><p>No final do século 19 e início do 20, o mundo vivia o contexto</p><p>intelectual do positivismo, que escalonava as sociedades em “desenvolvidas”</p><p>e “atrasadas”. O mundo anglo-saxão, de onde os protestantes vinham,</p><p>era o</p><p>exemplo do mundo desenvolvido por excelência. Então, muitos membros da</p><p>elite colocavam seus filhos nessas escolas, pois pensavam que, assim, eles</p><p>receberiam uma educação de qualidade superior à das escolas católicas.</p><p>Porém, para desapontamento dos missionários protestantes, apesar de</p><p>matricularem seus filhos em tais escolas, essas pessoas não se convertiam,</p><p>continuando a frequentar as missas aos domingos. O Protestantismo, então,</p><p>sobretudo o presbi teriano, encontrou espaço pelo interior paulista. Não é</p><p>por acaso que as igrejas presbiterianas mais antigas de São Paulo</p><p>acompanham o trajeto das antigas estradas de ferro.</p><p>Nesse contexto se destacou a figura de Salomão Luiz Ginsburg. Seus</p><p>pais eram de uma família judia da Polônia, que havia emigrado para a</p><p>Inglaterra, onde se convertera ao Protestantismo. Ele chegou ao Brasil pela</p><p>Igreja Congregacional, mas, ao conhecer o então missionário batista</p><p>Zacarias Clay Taylor, mudou de denominação e, em 1891, foi nomeado</p><p>missionário no Brasil pela Igreja Batista dos Estados Unidos. Durante seu</p><p>ministério, viajou por vários estados brasileiros, onde implantou inúmeras</p><p>igrejas batistas. Enquanto desenvolvia seu trabalho, também traduziu</p><p>dezenas de hinos do inglês para o português, que passaram a ser cantados</p><p>nas igrejas protestantes.</p><p>Enquanto essa estrutura que apresentamos, enorme e pesada, dificultava</p><p>a rápida expansão dos protestantes, a Assembleia de Deus e a Congregação</p><p>Cristã no Brasil facilitavam as coisas. A primeira passou a ordenar membros</p><p>como pastores, sem critério intelectual para a escolha. Uma pessoa que</p><p>tivesse boa liderança e boa reputação espiritual poderia conduzir a</p><p>congregação, mesmo que fosse analfa beta. Assim, por exemplo, enquanto os</p><p>presbiterianos levavam pelo menos quatro anos para formar um pastor, os</p><p>assembleianos podiam ter novos deles todos os domingos. A Congregação</p><p>Cristã no Brasil nem ao menos usa o termo pastor. Seus membros são</p><p>liderados pelo ancião que, como o próprio nome diz, é um membro mais</p><p>velho da congregação.</p><p>Ainda dentro dessa estrutura pesada dos protestantes tradicionais – que</p><p>os pentecostais posteriores foram aos poucos abandonando em busca de</p><p>serem mais pragmáticos –, podemos destacar, além da criação de escolas,</p><p>seminários e universidades, a instituição de editoras, jornais, revistas e juntas</p><p>missionárias, estas últimas com o objetivo de preparar pastores para serem</p><p>enviados a outros locais, inclusive para o exterior, utilizando o Brasil como</p><p>plataforma para a evangelização protestante de outros países, como a</p><p>Angola, na África.</p><p>Algumas editoras que se destacaram no período foram a Sinodal, da</p><p>Igreja Luterana, a Juerp (atual Convicção) dos batistas e a Casa Publicadora</p><p>Brasileira, da Igreja Adventista. As editoras produziam livros teológicos</p><p>acadêmicos para a formação dos pastores, Bíblias, hinários (falaremos</p><p>adiante sobre eles) e livros populares para o grande público, entre eles,</p><p>devocionários com meditações diárias para serem lidos pelos fiéis em casa</p><p>durante a semana: Castelo Forte, Pão Diário, Manancial, entre outros.</p><p>As editoras protestantes também produziam inúmeros materiais</p><p>didáticos, geralmente chamados revistas, para as escolas dominicais. A</p><p>Escola Dominical, Escola Bíblia Dominical ou Escola Bíblica, ainda existe</p><p>em muitas igrejas, é uma aula em torno de uma hora, geralmente antes do</p><p>culto, para doutrinação e ensino bíblico oferecido aos membros das igrejas.</p><p>Havia, entre esses primeiros protestantes, uma preocupação, não só em</p><p>ganhar novos adeptos, como em formá-los dentro de suas doutrinas.</p><p>Como dissemos, essa estrutura toda acabava mais por dificultar do que</p><p>ajudar na expansão da fé protestante, no início do século 20. Os</p><p>missionários estadunidenses, por exemplo, ao criarem jornais e revistas, não</p><p>levaram em consideração que 90% da população era analfabeta. As igrejas</p><p>pentecostais, posteriormente, foram aban donando essa estrutura pesada, o</p><p>que acabou facilitando não só a pene tração nas classes socioeconômicas</p><p>menos favorecidas, mas também a expansão numérica. Essa estrutura</p><p>denominacional trazida para cá era tão pesada que, inclusive, à medida que</p><p>as igrejas nos Estados Unidos foram emancipando as igrejas brasileiras, estas</p><p>começaram a ter sérios problemas financeiros para continuarem a se manter</p><p>sem a ajuda enviada pelos missionários estrangeiros.</p><p>À medida que novas denominações foram surgindo, novas controvérsias</p><p>foram aparecendo e gerando conflitos. E, com elas, um trânsito religioso. A</p><p>partir da segunda metade do século 20, ocorreu outro fenômeno: membros</p><p>de determinadas denominações começaram a mudar para outras igrejas ou</p><p>tentaram introduzir, nas suas congregações locais, o que aprendiam ao</p><p>visitarem congregações de novas denominações que surgiam.</p><p>Muitas controvérsias na história dos evangélicos, que acabaram gerando</p><p>os rompimentos que vimos no capítulo anterior, aconte ceram por falta de</p><p>diálogo entre essas correntes, pois muitos evangélicos misturavam quatro</p><p>conceitos diferentes: liturgia, eclesiologia, doutrina e costumes. Veremos cada</p><p>um deles. É importante, porém, lembrar que não esgotaremos as</p><p>controvérsias neste capítulo, pois seria necessário um livro somente para</p><p>descrever cada uma delas. Por exemplo, nem todos os evangélicos</p><p>concordam com a doutrina da Trindade, segundo a qual Deus é Pai, Filho e</p><p>Espírito Santo numa só pessoa. Algumas igrejas acreditam que Jesus é a</p><p>primeira criação de Deus, e não coeterno com ele; e outras acreditam que</p><p>Jesus é uma manifestação diferente de Deus, sem necessariamente ser outra</p><p>pessoa.</p><p>MÚSICA E LITURGIA</p><p>Em termos resumidos, vamos chamar de liturgia a forma como um culto é</p><p>celebrado: as músicas, a ordem das atividades, as vestimentas, entre outros</p><p>aspectos. Inicialmente, cada denominação tinha um tipo de liturgia. Vamos</p><p>ver, a seguir, as controvérsias a esse respeito.</p><p>Quando os primeiros imigrantes protestantes chegaram, mantiveram os</p><p>cultos a que estavam acostumados em seus países de origem, inclusive na</p><p>língua original. Em seguida, adaptaram somente o idioma: os cultos</p><p>passaram a ser em português. Essas liturgias eram caracterizadas pela cultura</p><p>anglo-saxã: partes do culto bem definidas, uma rígida disciplina com</p><p>ausência de manifestações emotivas e músicas em forma de marchinhas com</p><p>estrofes que rimavam: “Crer e observar, tudo quanto ordenar, o fiel obedece,</p><p>ao que Cristo mandar.”</p><p>Essas marchinhas, ao serem traduzidas, eram compiladas em livrinhos</p><p>que ficaram conhecidos como hinários. Cada denominação possuía o seu</p><p>próprio hinário: os batistas tinham o Cantor Cristão; os assembleianos, a</p><p>Harpa Cristã; metodistas e presbiterianos usavam o Salmos e Hinos. Depois,</p><p>foram surgindo outros. Em geral, tinham as mesmas músicas, ou hinos,</p><p>mudando somente a ordem numérica e algumas palavras, trocadas por</p><p>sinônimos, a depender da tradução.</p><p>Esses hinos costumavam ser acompanhados exclusivamente por órgão e</p><p>piano. Era quase imperceptível a diferença entre um culto protestante e uma</p><p>missa católica. Muitas igrejas protestantes, até hoje, orgulham-se de seus</p><p>magníficos órgãos de tubos que adornam seus templos. Outra manifestação</p><p>artística que os primeiros protestantes valorizaram eram os corais. Alguns</p><p>membros dedicavam-se a ensaiar disciplinadamente ao longo da semana</p><p>para as apresentações aos domingos. Algumas congregações maiores tinham</p><p>corais femininos, masculinos, de jovens e adolescentes, e corais mistos, que</p><p>reuniam todos os outros. Essa tradição acabou por favorecer uma grande</p><p>valorização pela música profissional dentro das igrejas evangélicas. Até hoje</p><p>os batistas têm em sua liderança a figura do ministro de música, profissional</p><p>que se dedica quase que exclusivamente à questão musical. Com o tempo,</p><p>outros instrumentos eruditos foram sendo introduzidos, levando a</p><p>Congregação Cristã no Brasil e a Igreja Adventista do Sétimo Dia a</p><p>organizarem verdadeiras orquestras dentro de suas congregações. Ser músico</p><p>em uma igreja evangélica</p><p>conferia – e ainda confere – um status invejável</p><p>entre os membros.</p><p>Na década de 1990, outro fenômeno se popularizou no Brasil</p><p>evangélico: as chamadas cantatas. Tratava-se de adaptações à língua</p><p>portuguesa de grandes musicais produzidos nos Estados Unidos para</p><p>celebrar algumas ocasiões, que lembram os shows da Broadway ou a trilha</p><p>sonora de filmes da Disney. Os originais eram gravados nos Estados Unidos</p><p>por produtoras como a Integrity Music, com desta que para artistas que</p><p>ficaram famosos entre os evangélicos da época – Ron Kenoly e Don</p><p>Moen –, e eram adaptados quase sempre pela gravadora Bom Pastor. Em</p><p>geral, essas cantatas eram apresentadas na Páscoa ou no Natal, com</p><p>qualidade bem inferior às gravações originais. A mais popular foi a cantata</p><p>Deus Conosco.</p><p>A cantata de Natal ou de Páscoa era um grande evento. O coral</p><p>começava a ensaiar muitos meses antes. Na data marcada para a</p><p>apresentação, a congregação convidava parentes e amigos para a celebração.</p><p>Ao final, o pastor fazia uma espécie de convite – conhecido popularmente</p><p>como apelo – aos visitantes para “aceitarem Jesus no coração”. Quem o</p><p>desejasse deveria levantar a mão e, em seguida, ir até a frente mostrar</p><p>publicamente sua escolha. Apesar de que muitos o faziam somente pelo</p><p>calor do momento, outros permaneciam e acabavam ajudando a</p><p>congregação local a crescer com a adesão de novos membros.</p><p>A Assembleia de Deus também introduziu uma nova modalidade em</p><p>seus cultos, chamada testemunho. O pastor dizia que daria a oportunidade a</p><p>quem quisesse compartilhar algo, e alguns membros da congregação se</p><p>levantavam, pegavam o microfone e compartilhavam algum fato</p><p>extraordinário que havia acontecido em sua vida, atribuindo a isso um sinal</p><p>sobrenatural divino. Essa participação direta fazia com que o membro se</p><p>sentisse mais pertencente àquela congregação, o que provavelmente, entre</p><p>outros aspectos, teve papel fundamental no crescimento dessa igreja, que</p><p>acabou se tornando a predominante aqui no Brasil.</p><p>Da chegada definitiva dos primeiros protestantes na segunda metade do</p><p>século 19 até a década de 1950, ocorreram poucas mudanças. O Sul tinha a</p><p>presença dos imigrantes luteranos; os batistas e congregacionais iam se</p><p>tornando predominantes no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, enquanto a</p><p>pregação presbiteriana avançava pelo interior de São Paulo, sul de Minas</p><p>Gerais e Paraná, acompanhada pelos metodistas. Já a Congregação Cristã</p><p>no Brasil e a Assembleia de Deus avançava com mais energia pelo interior.</p><p>Todos com uma liturgia de culto bem parecida: congregação cantando hinos</p><p>da cultura anglo-saxã com muita erudição e disciplina, acompanhados de</p><p>instrumentos clássicos, como piano e órgão.</p><p>A década de 1950 ficou conhecida como os anos dourados. Pela</p><p>primeira vez, o Brasil experimentava um regime democrático de fato.</p><p>Juscelino Kubitscheck seria eleito presidente (1955 a 1960), quando o Brasil</p><p>experimentaria uma grande prosperidade exemplificada pela construção de</p><p>Brasília no coração do Cerrado. A música era ouvida no rádio – principal</p><p>meio de comunicação em massa – e nos discos, apelidados LP (long play),</p><p>tocados em gramofones. Não é por acaso que Juscelino ficou conhecido</p><p>como Presidente Bossa Nova, o que nos indica qual era a moda musical</p><p>daquele momento. E é nesse contexto que os evangélicos começam a dar os</p><p>primeiros passos nesse mercado. Surgem Feliciano Amaral e Luiz de</p><p>Carvalho, dois batistas que, em suas carreiras solo, lançaram os primeiros</p><p>discos de música evangélica.</p><p>Enquanto no contexto secular – os evangélicos chamam seculares as</p><p>manifestações culturais fora do âmbito eclesiástico, uma espécie de contrário</p><p>da música sacra – Nelson Gonçalves fazia sucesso vendendo milhões de</p><p>discos, Luiz de Carvalho imitava seu estilo em suas músicas evangélicas e</p><p>dava um passo considerado muito audacioso para a época: introduzia o</p><p>violão como instrumento musical para as canções evangélicas.</p><p>A primeira controvérsia considerável na liturgia provavelmente foi o uso</p><p>de palmas nos cultos. Igrejas, como a Assembleia de Deus e outras</p><p>pentecostais que foram surgindo, começaram a acompanhar as músicas</p><p>batendo palmas e também aplaudindo ao final das apresentações. As</p><p>denominações protestantes tradicionais consideravam herética tal prática.</p><p>Muitos jovens tentavam implementar palmas nos cultos de suas igrejas e,</p><p>quando não conseguiam, acabavam se mudando para denominações novas</p><p>que o permitiam. Isso aconteceu em paralelo a uma renovação no estilo</p><p>musical. Inúmeras denominações novas ficaram insatisfeitas em utilizar</p><p>somente hinos dos hinários e começaram a colocar em seus cultos os</p><p>chamados cânticos, que eram músicas com melodias mais atrativas e</p><p>adaptadas à cultura brasileira, sem a tradicional marchinha dos hinos anglo-</p><p>saxões. Essas novas melodias requeriam ainda mais o acompanhamento de</p><p>palmas. Com o tempo, canções como “O Nosso General É Cristo”, “Venho,</p><p>Senhor, Minha Vida Oferecer”, “Rompendo em Fé”, “Aclame ao Senhor”</p><p>foram se tornando clássicas.</p><p>Tal movimento teve início na década de 1960. No mundo, a Guerra</p><p>Fria estava no auge e, como consequência, o Brasil experimentara o golpe</p><p>militar de 31 de março de 1964. As igrejas evangélicas não se importavam</p><p>muito com política e estavam preocupadas com as discussões teológicas. Foi</p><p>nessa década que, influenciadas pela segunda onda do Pentecostalismo, as</p><p>igrejas protestantes tradicionais começaram a se dividir em suas vertentes</p><p>renovadas.</p><p>Foi nesse momento que um missionário batista dos Estados Unidos,</p><p>chamado Jaime Kemp, trouxe algumas novidades. Em oposição ao amor</p><p>livre pregado pelos hippies, os evangélicos criaram o movimento “Quem</p><p>ama, espera!”. E, na música, foi criado um ministério denominado</p><p>Vencedores por Cristo, uma espécie de versão MPB evangélica. Enquanto</p><p>Chico Buarque, Caetano Veloso e Milton Nascimento começavam a gravar</p><p>suas músicas de protesto político, o Vencedores por Cristo reunia músicos</p><p>que – como ocorre na carreira da chamada música secular – posteriormente</p><p>se destacaram e seguiram carreira solo, como Adhemar de Campos, Jorge</p><p>Camargo, Guilherme Kerr e Nelson Bomilcar. O leitor pode fazer um</p><p>exercício e ouvir os discos dos Vencedores por Cristo para comparar com os</p><p>discos da MPB da época. São desse grupo os primeiros cânticos</p><p>introduzidos em alguns cultos, como dissemos. O primeiro disco do</p><p>Vencedores por Cristo foi gravado em 1971: Fale do Amor.</p><p>Como muitas igrejas protestantes tradicionais consideravam heréticas a</p><p>introdução de novas melodias, estilos e instrumentos, popularizou-se nessa</p><p>época o “culto de jovens”. Isto é, em separado ao culto de domingo, muito</p><p>mais solene, os jovens começaram a fazer um culto à parte, aos sábados,</p><p>onde podiam cantar todas as músicas consideradas inadequadas para os</p><p>domingos, quando toda a congregação – inclusive membros mais antigos –</p><p>estaria reunida.</p><p>E, apesar das novidades, surgiram grupos focados no estilo tradicional e</p><p>consolidado. O grande exemplo do período foi o grupo masculino Arautos</p><p>do Rei, da Igreja Adventista. Todo esse fenômeno musical tinha uma</p><p>característica interessante: começava como uma novidade nos Estados</p><p>Unidos. Então, a novidade chegava ao Brasil, e grupos eram formados,</p><p>inspirados no modelo importado. Uma vez consolidados aqui, à semelhança</p><p>da música secular, surgiam os covers nas congregações locais, que se</p><p>inspiravam nos grupos mais famosos. O Arautos do Rei foi um dos</p><p>principais inspiradores de covers que se espalharam pelas igrejas do país nas</p><p>três décadas seguintes.</p><p>As igrejas protestantes tradicionais continuavam, década após década,</p><p>resistindo à pressão dos mais jovens pela introdução dessas novidades</p><p>musicais na sua liturgia. Grupos musicais foram surgindo e lançando</p><p>músicas que faziam sucesso: o grupo Elo gravou “Calmo, Sereno e</p><p>Tranquilo” e o conjunto Som Maior, “Jesus Cristo Mudou Meu Viver”. Em</p><p>1973, um disco estourou entre os evangélicos, sobretudo na Assembleia de</p><p>Deus: um cantor chamado Ozéias de Paula estourou</p><p>com a canção “Cem</p><p>Ovelhas”. Enquanto os jovens das igrejas protestantes tradicionais, que</p><p>consumiam essas novidades, iam se frustrando por não obterem sucesso em</p><p>introduzi-las no culto, surgiam denominações novas, que, além de não</p><p>considerarem a inovação uma profanação, acabavam vivendo extremamente</p><p>dependentes desses grupos e novidades musicais. A Igreja Renascer em</p><p>Cristo, criada pelo casal Estevam e Sônia Hernandes em 1986, foi um dos</p><p>principais exemplos de denominação que cresceu justamente em torno de</p><p>grupos musicais contemporâneos.</p><p>Acompanhando a tendência, se a década de 1980 foi marcada pelo rock</p><p>e o surgimento de diversas bandas de sucesso no Brasil, entre os jovens</p><p>evangélicos o fenômeno também ganhou vida. Surgiu a banda Rebanhão,</p><p>uma espécie de versão evangélica de bandas como Paralamas do Sucesso,</p><p>Legião Urbana e Capital Inicial. O disco Mais Doce que o Mel, de 1981, foi</p><p>o primeiro sucesso de rock evangélico. Várias bandas eram, do ponto de</p><p>vista da estética musical, praticamente cópia do estilo de alguma banda</p><p>secular. Para muitas igrejas protestantes tradicionais, não poderia haver</p><p>profanação maior: “o rock é do diabo!”, diziam.</p><p>Ao mesmo tempo, continuavam surgindo grupos no mesmo estilo dos</p><p>anteriores. Em 1985, surgiu o Ministério Koinonya de Louvor, com seu</p><p>primeiro disco, Quem Pode Livrar. No mesmo ano, surgiu o grupo</p><p>adventista que, dali em diante, seria o maior sucesso na deno minação e</p><p>influenciaria a música evangélica como um todo e para sempre: Prisma, que</p><p>gravou seu primeiro disco, Fonte de Luz.</p><p>Então, quase como consequência da introdução de novos ritmos, veio a</p><p>controvérsia quanto ao uso ou não de instrumentos musicais. Como vimos,</p><p>as igrejas protestantes tradicionais usavam piano, órgão, e algumas</p><p>aceitavam instrumentos eruditos variados. Mas, para o novo estilo, muitos</p><p>queriam a introdução de instrumentos como guitarra e bateria, considerados</p><p>profanos. O leitor pode achar tudo isso muito pequeno, mas várias igrejas</p><p>nas décadas de 1980 e 1990 se dividiram por causa dessas discussões. E,</p><p>como dissemos, jovens que não con seguiam modificar sua congregação</p><p>acabavam mudando para outras. Alguns tentavam argumentar, sem sucesso,</p><p>que o próprio piano, tido como erudito e consagrado, já fora um</p><p>instrumento de cassinos e cabarés, e que tudo dependia do uso que dele se</p><p>fazia, e não do ins trumento em si.</p><p>Na década de 1990, os evangélicos estavam consolidados em todo o</p><p>Brasil, crescendo em expansão geométrica. Saltaram de 9% da população,</p><p>no censo de 1990, para 15% no do ano 2000. As igrejas protestantes</p><p>tradicionais, percebendo que estavam perdendo membros para as</p><p>denominações novas, começaram a se adaptar aos novos tempos. Alguns</p><p>cultos tradicionais passaram a incluir, na sua liturgia, o que era chamado</p><p>período de louvor. Isto é, no meio do culto, os celebrantes davam espaço para</p><p>os jovens, que, com seus instrumentos modernos, cantavam em média três</p><p>cânticos seguidos. Enquanto os hinos eram entoados pelo hinário, os</p><p>cânticos eram projetados na parede, por meio de transparências. Na década</p><p>de 1990, a música evangélica também já angariava um mercado</p><p>consolidado, e, numa jogada de marketing, liderada pelo então pastor da</p><p>Igreja Evangélica Renascer em Cristo, Estevam Hernandes, passou a</p><p>utilizar o termo “gospel”. O gospel, então, explodiu.</p><p>Nessa época se destacaram bandas como Oficina G3, Resgate, Kadoshi,</p><p>Metal Nobre, Catedral, e as cantoras Aline Barros, Fer nanda Brum,</p><p>Cristina Mel, Cassiane e o cantor Kleber Lucas, entre outros. A música</p><p>evangélica é hoje gravada por grupos em todos os ritmos. Eventos reúnem</p><p>milhares de fãs em locais como estádios de futebol.</p><p>E mais duas novidades surgem no Brasil, ambas importadas dos Estados</p><p>Unidos. A primeira é a ideia da “Marcha para Jesus”, com grupos musicais</p><p>fazendo shows enquanto caminham pelas ruas. A primeira edição aconteceu</p><p>em 1993, em São Paulo, liderada pela Renascer em Cristo. A segunda foi a</p><p>ideia de gravar as celebrações e vender essas gravações. Destacam-se grupos</p><p>como Comunidade da Graça, Comunidade de Nilópolis e uma das que</p><p>mais influenciou o período, a Comunidade Internacional da Zona Sul, no</p><p>Rio de Janeiro.</p><p>Muitas dessas igrejas que gravavam os cultos começaram a ficar famosas,</p><p>e seus espaços de reunião não conseguiam mais abrigar toda a audiência.</p><p>Surgiu, também, a ideia de gravar celebrações realizadas em outros locais,</p><p>públicos ou ao ar livre. Esse movimento foi capitaneado pela banda gospel</p><p>australiana Hillsong United. Em Belo Horizonte, a Igreja Batista da</p><p>Lagoinha, à época ligada à Convenção Batista Nacional, se inspirou no</p><p>formato da Hillsong e formou o Ministério Diante do Trono, com o</p><p>primeiro CD gravado em 1998. Foi um dos grupos que mais influenciou a</p><p>música evangélica e a liturgia das congregações durante a primeira década</p><p>dos anos 2000. Músicas como “Te Agradeço” e “Preciso de Ti” eram</p><p>cantadas em igrejas do ramo protestante tradicional ou do movimento</p><p>neopentecostal.</p><p>Por fim, as denominações novas que surgiam começaram a utilizar</p><p>outras manifestações artísticas nos cultos, sobretudo a dança ou, como</p><p>muitos chamavam, coreografia. Por muito tempo, o Ministério Diante do</p><p>Trono foi responsável por ditar os principais estilos de dança. Geralmente</p><p>essas coreografias eram encenadas por adolescentes que dançavam à frente</p><p>da igreja, com roupas especiais, enquanto a congregação entoava</p><p>determinado cântico. O resultado foi o mesmo das controvérsias anteriores.</p><p>Mas, com o passar do tempo, as igrejas protestantes tradicionais foram</p><p>repensando a postura de resistência e, aos poucos, incorporando esses novos</p><p>elementos à liturgia. Hoje em dia, pouquíssimas congregações ainda torcem</p><p>o nariz, a não ser entre os membros mais antigos.</p><p>Outros aspectos litúrgicos também vêm sendo alterados. Quando os</p><p>primeiros protestantes imigrantes chegaram ao Brasil na época do Império</p><p>(1822-89), havia uma religião oficial – obviamente o Catolicismo –, e</p><p>qualquer outro tipo de manifestação religiosa era tratada como crime. Por</p><p>pressão da Inglaterra, maior potência da época, o governo brasileiro acabou</p><p>cedendo e tornando o Protestantismo uma religião tolerável, desde que não</p><p>construíssem templos e não fizessem proselitismo. Os primeiros</p><p>protestantes, como luteranos e anglicanos, só se reuniam em casas,</p><p>celebrando os cultos na língua de seus países de origem. Isso acabou criando</p><p>a tradição de que, no Brasil, templos bem construídos, com torres, sinos e</p><p>relógio, eram coisa de católico, e igreja protestante tinha um formato que</p><p>não lembrava exatamente o templo onde uma congregação religiosa se</p><p>reunia.</p><p>Aos poucos isso foi mudando e os missionários protestantes também</p><p>começaram a construir templos bem ornamentados. No Rio de Janeiro e em</p><p>São Paulo, ainda é possível ver exemplos disso, como a Primeira Igreja</p><p>Presbiteriana do Rio de Janeiro e a Primeira Igreja Presbiteriana</p><p>Independente de São Paulo, entre outras. Havia uma preocupação com a</p><p>estética, com vitrais coloridos e bancos de madeira bem elaborados. Com o</p><p>surgimento do Pentecostalismo, essa realidade começou a se transformar.</p><p>Com exceção da Congregação Cristã no Brasil, com seus templos cinza, e a</p><p>Igreja Cristã Maranata, com suas casinhas que mais parecem chalés do</p><p>campo. Enfatizava-se que a igreja eram as pessoas e não o templo, e que o</p><p>importante era se reunir, não importando o lugar, sua qualidade e estética.</p><p>A Assembleia de Deus foi uma das pioneiras a se instalar em qualquer tipo</p><p>de galpão, loja ou casa. A Igreja Universal também começou assim, mas</p><p>logo descobriu que construir grandes templos imponentes era uma forma</p><p>importante de demonstrar status e poder.</p><p>As igrejas neopentecostais embarcaram nessa onda. Os bancos de</p><p>madeira foram dando lugar às cadeiras de plástico. Perceberam que tudo</p><p>ficava mais leve sem liturgia. Os pastores foram abandonando os ternos e as</p><p>gravatas – algo que a Assembleia de Deus ainda reluta em aceitar – e usando</p><p>roupas mais esportivas. No</p><p>Rio de Janeiro, algumas denominações, como a</p><p>Bola de Neve Church, se adaptaram ao pastor usando bermuda e camiseta,</p><p>no melhor estilo surfista.</p><p>E, então, as igrejas protestantes tradicionais também começaram a se</p><p>adaptar. Por que não fazer o mesmo? Afinal, diziam, os pentecostais estão</p><p>certos – a igreja são as pessoas. E as novas congregações batistas,</p><p>metodistas, cristãs evangélicas e presbiterianas começaram a se reunir em</p><p>lugares com menos glamour, em salões com cadeiras de plástico e roupas</p><p>mais leves, sendo possível encontrar, principalmente no Rio de Janeiro,</p><p>pastores que celebram os cultos vestindo até mesmo a camisa do time do</p><p>coração.</p><p>ECLESIOLOGIA</p><p>Introdutoriamente, chama-se Eclesiologia o estudo da administração das</p><p>igrejas. E, em alguns aspectos, isso também já foi motivo de controvérsia,</p><p>como veremos a seguir.</p><p>A Bíblia não determina claramente como uma igreja deve ser</p><p>administrada. Há, porém, alguns indícios e, com base nesses indícios, pelo</p><p>menos três formas básicas de governo: o episcopal, o presbiteriano e o</p><p>congregacional. No primeiro, um conjunto de igrejas é adminis trado por</p><p>bispos, que então nomeiam os pastores das congregações locais. É o sistema</p><p>menos democrático. É o caso de igrejas como a Anglicana e os metodistas.</p><p>No segundo, há um grupo de anciãos que administram a congregação</p><p>local – os presbíteros –, e um conjunto de igrejas é administrado por um</p><p>sínodo. Neste modelo, há uma espécie de democracia representativa. É o</p><p>caso de presbiterianos e luteranos. E, por fim, há o sistema congregacional,</p><p>em que decisões são tomadas com a participação de toda a congregação, em</p><p>assembleias. Um conjunto de igrejas, por sua vez, é administrado por meio</p><p>de uma convenção, uma espécie de federação de igrejas. É o caso, por</p><p>exemplo, dos batistas, congregacionais e assembleianos. É o mais utilizado</p><p>na maioria das denominações e considerado o mais democrático. E, é claro,</p><p>todos esses sistemas têm suas nuances, e cada denominação específica faz os</p><p>ajustes que julga necessários.</p><p>Nesse aspecto, a primeira controvérsia se deu em relação ao sacerdócio</p><p>feminino. Para as igrejas protestantes tradicionais, não poderia haver</p><p>pastoras. Somente homens seriam ordenados ao ministério pastoral. As</p><p>igrejas pentecostais, como a Assembleia de Deus e a Igreja do Evangelho</p><p>Quadrangular, foram pioneiras ao introduzir o minis tério feminino. Com</p><p>isso, houve uma pressão sobre as demais deno minações. Entre os</p><p>protestantes tradicionais, também foram pioneiros os luteranos e os</p><p>metodistas. E há ainda algumas igrejas, como a Igreja Presbiteriana do</p><p>Brasil, que resistem à ideia.</p><p>Outra controvérsia se deu em relação ao termo apóstolo. Até o</p><p>surgimento do Neopentecostalismo, as igrejas evangélicas tinham pastores –</p><p>em algumas denominações chamados reverendos – e bispos. A Congregação</p><p>Cristã no Brasil, por sua vez, se refere aos líderes como anciãos. Com o</p><p>tempo, alguns líderes começaram a utilizar o termo bispo, não no sentido</p><p>original de administração diocesana, mas como hierarquização, para mostrar</p><p>que estava acima dos demais pastores. Com o aumento do número de</p><p>bispos, surgiu um cargo acima, o de apóstolo. Como quase sempre ocorre</p><p>com as novidades no meio evangélico, essa ideia também foi importada dos</p><p>Estados Unidos. O movimento de apóstolos modernos começou por lá com</p><p>o pastor C. Peter Wagner. Aqui no Brasil, o movimento teve início em</p><p>2001, quando Valnice Milhomens se tornou a primeira pastora ungida com</p><p>essa nomenclatura. E, então, vieram os demais apóstolos, que geralmente</p><p>eram os cabeças de denominações: Estevam Hernandes, Valdemiro</p><p>Santiago, Renê Terra Nova e Miguel Ângelo. Entre o movimento, não há</p><p>um consenso sobre critérios para definir quem será ungido apóstolo. Em</p><p>geral, tornou-se uma espécie de título para mostrar quem é que manda na</p><p>denominação. As igrejas protestantes tradicionais, por sua vez, ainda</p><p>resistem ao uso do termo, caracterizando-o como herético e profano.</p><p>Quase que paralelo ao fenômeno do surgimento dos apóstolos aconteceu</p><p>o Movimento G12, que, por exceção, não chegou ao Brasil vindo dos</p><p>Estados Unidos, mas da Colômbia, a qual, por sua vez, se inspirou no</p><p>modelo de igrejas da Coreia do Sul. A ideia do Movimento G12 era criar</p><p>células, isto é, encontros de estudo bíblico nas casas, formadas por 12</p><p>pessoas. Tal ideia é que novos participantes fossem agregando outros ao</p><p>grupo, e, quando este atingisse o total de 24, ele se dividiria em dois de 12.</p><p>Uma estratégia para aumentar o crescimento das igrejas.</p><p>Antes do surgimento desse movimento, as igrejas já tinham a prática de</p><p>se reunirem nas casas para estudo bíblico e confraternização, mas sem a</p><p>disciplina e metodologia rígidas que o movimento impôs, com metas e</p><p>objetivos bem definidos. Além disso, no Movimento G12, os membros</p><p>deveriam estudar o que havia sido predeterminado semanalmente pelo líder</p><p>da congregação. Era quase que um sistema de pirâmide ou marketing</p><p>multinível: o líder da denominação passava as instruções para o líder da</p><p>congregação local, que passava as instruções para os líderes das células, que</p><p>lideravam seus membros. Além disso, a hierarquia e disciplina eram tão bem</p><p>estruturadas que o líder acompanhava todos os aspectos da vida pessoal dos</p><p>membros de sua célula. Um membro da célula, por exemplo, só poderia</p><p>namorar com alguém se tivesse, previamente, a aprovação do seu líder. Uma</p><p>das justificativas dadas para esse controle era (e ainda é) a necessidade de</p><p>criação de laços e relacionamentos profundos entre os irmãos de fé.</p><p>O Movimento G12 foi imediatamente criticado e combatido pelas</p><p>igrejas protestantes tradicionais, visto também como herético. E havia dois</p><p>principais motivos para isso. O primeiro era o fato de que muitos membros</p><p>de igrejas protestantes tradicionais começavam a frequentar tais células ao</p><p>longo da semana e, com o tempo, acabavam deixando a congregação</p><p>original e passando a fazer parte da nova denominação. À época, os</p><p>protestantes tradicionais diziam que os neopentecostais estavam “pescando</p><p>em aquário”. O outro motivo é que, de tempos em tempos, quem desejasse</p><p>se tornar líder de célula era recrutado para um retiro chamado Encontro. E</p><p>havia um slogan: O Encontro É Tremendo!. O que acontecia lá? Ninguém de</p><p>fora sabe exatamente ao certo. As pessoas não podiam levar celular,</p><p>máquina fotográfica nem outro tipo de aparelho eletrônico. Quem foi</p><p>relatava que havia uma disciplina rígida de padrão militar, com horário para</p><p>tudo, e um fortíssimo apelo emocional. À época, muitos criticavam como</p><p>“lavagem cerebral”. De fato, as pessoas retornavam diferentes, mais fanáticas</p><p>e motivadas a trabalharem pelo crescimento não só da sua célula, mas</p><p>também da sua igreja.</p><p>Com o tempo, aquele fervor inicial foi esfriando. O aumento</p><p>significativo do número de células espalhadas pelas casas de todo o país</p><p>acabou diminuindo a hierarquia e a disciplina. E as igrejas protestantes</p><p>tradicionais, como sempre, pouco a pouco foram aderindo. Para disfarçar,</p><p>usavam o termo pequenos grupos, para que a ação não fosse confundida com</p><p>o G12. Porém, outras igrejas protestantes tradicionais acabaram se</p><p>rendendo até mesmo ao termo células. No entanto, sem um encontro</p><p>motivador, como o movimento inicial, o engajamento foi bem menor. E, no</p><p>mundo líquido descrito pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman, é cada</p><p>vez mais comum que uma mesma pessoa frequente diversas células de</p><p>diferentes denominações ao mesmo tempo.</p><p>Um adendo: quando o movimento pentecostal surgiu, era comum que as</p><p>igrejas protestantes tradicionais se orgulhassem da superiori dade intelectual</p><p>de seus pastores quando comparados aos pastores das outras denominações.</p><p>Denominações batistas, presbiterianas, metodistas, luteranas, anglicanas,</p><p>adventistas e congregacionais tinham os seus seminários. Esses seminários</p><p>eram locais que ofereciam curso de Teologia na estrutura de uma graduação,</p><p>com a possibilidade de reclusão para quem desejasse ou precisasse, não</p><p>sendo uma condição obrigatória</p><p>como ocorre no Catolicismo.</p><p>Os pastores que se formavam nesses seminários eram tratados em suas</p><p>congregações como portadores de diploma de curso superior, ainda que não</p><p>houvesse esse registro no MEC. Eram chamados, assim, cursos livres. Tal</p><p>fato também acontecia porque quem se formava num seminário fazia do</p><p>ministério pastoral uma profissão, com sustento integral enquanto presidia</p><p>uma congregação. Ainda é assim em várias denominações. Além disso, as</p><p>igrejas protestantes tradicionais tinham mais inserção na classe média, e</p><p>muitos membros também possuíam curso superior. Ter um curso teológico</p><p>no formato de uma faculdade era uma maneira de legitimar os pastores</p><p>dessas congregações para pregarem para um público escolarizado.</p><p>Os pastores das Assembleias de Deus, como vimos, não recebiam</p><p>formação prévia. Eram ordenados ministros a partir da experiência que</p><p>obtinham no cotidiano de suas igrejas. A Congregação Cristã no Brasil,</p><p>como vimos, não tem a figura do pastor, mas do ancião, que também não</p><p>precisa receber formação teológica para desenvolver suas atividades. E as</p><p>novas denominações pentecostais que iam surgindo também não se</p><p>preocupavam com uma formação acadêmica para os pastores. Por isso,</p><p>criou-se o estigma de que os pastores das igrejas protestantes tradicionais</p><p>eram “estudados”, enquanto os pentecostais eram “analfabetos”. Isso</p><p>começou a mudar a partir dos anos 2000. Vejamos algumas dessas</p><p>mudanças.</p><p>Em primeiro lugar, foi ficando cada vez mais difícil para os aspirantes ao</p><p>pastorado das igrejas protestantes tradicionais se mudarem com a família</p><p>inteira para estudarem Teologia. É prática entre os evangélicos se casarem</p><p>cedo, pois se pressupõe que, do contrário, a pessoa está “vivendo em</p><p>pecado”, praticando sexo fora do casamento. Essa cobrança é ainda maior</p><p>entre os pastores, que não conseguem espaço para exercerem o ministério</p><p>nas suas denominações enquanto estão solteiros. Consequentemente, as</p><p>denominações começaram a abrir pequenos seminários em diversas cidades</p><p>do Brasil para atender tal demanda. Além disso, nos primórdios, era comum</p><p>que as igrejas protestantes tradicionais sustentassem financeiramente seus</p><p>seminaristas, enquanto este ficava com tempo integral disponível para</p><p>estudar em aulas diurnas. O aumento expressivo do número de postulantes</p><p>ao ministério pastoral dessas igrejas impediu isso. Assim, a expansão de</p><p>pequenos seminários pelas cidades do país foi acompanhada pela perda do</p><p>internato e as aulas passaram a ser oferecidas no turno da noite. Portanto, à</p><p>semelhança de qualquer outro curso superior, o postulante a pastor exercia</p><p>sua profissão durante o dia e estudava Teologia à noite. Isso também acabou</p><p>fazendo com que muitos desses novos cursos não tivessem a mesma</p><p>qualidade dos anteriores. Dessa forma, pastores formados por eles recebiam</p><p>o certificado, mas, na prática, não estavam em melhor situação intelectual</p><p>que os pastores das igrejas que não exigiam tal formação.</p><p>Em segundo lugar, houve também um movimento para que os cursos</p><p>desses seminários recebessem a chancela estatal, com o reconhecimento do</p><p>MEC, para que seus diplomas tivessem, de fato, validade como cursos</p><p>superiores. Isso gerou enorme polêmica em várias denominações, pois, para</p><p>que houvesse tal reconhecimento, o MEC fazia diversas exigências na grade</p><p>desses cursos, o que muitos viam como interferência do Estado na Igreja.</p><p>Inúmeros seminários passaram por esse processo, e o curso de Teologia foi</p><p>reconhecido como um curso superior. Alguns, porém, ainda oferecem os</p><p>chamados “cursos livres”, que servem para suas denominações, mas não são</p><p>reconhecidos pelo Estado brasileiro como cursos superiores de fato.</p><p>E, em terceiro lugar, os pentecostais também passaram a se preocupar</p><p>com uma formação teológica, principalmente por sentirem necessidade de</p><p>obter mais conhecimento para os novos desafios que o século 21 impunha,</p><p>sobretudo devido à facilidade na difusão de informações pela internet.</p><p>Primeiro, uma boa quantidade de pastores pentecostais, individualmente,</p><p>procuravam cursar Teologia nos seminários das igrejas protestantes</p><p>tradicionais. Segundo, com o crescimento dessa procura, muitas igrejas</p><p>pentecostais começaram a criar seus próprios seminários para formarem seus</p><p>pastores. Assim, ainda que as igrejas protestantes tradicionais exijam essa</p><p>formação, e as igrejas pentecostais muitas vezes a vejam como desejável,</p><p>porém facultativa, os pastores pentecostais passaram a se formar como os</p><p>pastores das igrejas protestantes tradicionais. Em terceiro e último lugar, o</p><p>Pentecostalismo deixou de atuar exclusivamente nas classes</p><p>economicamente desfavorecidas e começou a se fazer presente cada vez mais</p><p>nas classes médias. Diante disso, independentemente de formação teológica,</p><p>muitos pastores pentecostais deixaram o estereótipo de serem possuidores</p><p>de pouco estudo, e essas denominações passaram a contar com pastores</p><p>formados em Psicologia, Medicina, Direito, entre outros cursos, oferecendo</p><p>um arcabouço substancial de conhecimento até mesmo para o ofício</p><p>religioso.</p><p>Há uma confusão que se faz pelo uso de palavras iguais quando se trata</p><p>de significados diferentes. Por isso, na introdução, sugerimos que o leitor</p><p>leia este livro duas vezes. Aqui precisamos explicar um pouco melhor o</p><p>significado das palavras congregação e igreja. Como dissemos, para os</p><p>evangélicos, igreja são as pessoas, e não o local físico onde elas se reúnem.</p><p>Por isso, o local onde elas se reúnem é chamado templo. A congregação é a</p><p>reunião das pessoas que formam a igreja.</p><p>Isto porque, do ponto de vista teológico, existe a ideia de que a reunião</p><p>de todos os cristãos, independentemente da denominação, forma a Igreja de</p><p>Jesus. Neste sentido, a Igreja é uma só. É o conjunto total de pessoas que,</p><p>ao final, irão para o Céu, independentemente da doutrina que confessavam.</p><p>Essa totalidade de cristãos forma a Igreja invisível. Sempre que este grupo</p><p>de cristãos se reúne, ali está formada uma congregação, que é uma</p><p>possibilidade de visualizar parte dessa Igreja.</p><p>Do ponto de vista administrativo, existe uma hierarquia. Quando um</p><p>grupo de cristãos se reúne periodicamente num determinado local fixo – o</p><p>templo –, forma-se ali uma congregação. A direção dessa congregação</p><p>responde a uma congregação maior, que se reúne periodicamente num</p><p>templo também maior, chamado igreja sede. O conjunto de igrejas sede, por</p><p>sua vez, reúne-se por proximidade geográfica e cria algum tipo de</p><p>associação. E o conjunto de associações de regiões geográficas forma a</p><p>denominação, a nível nacional, que pode se chamar convenção ou ter o nome</p><p>da igreja. Por exemplo, algumas igrejas batistas se juntam em convenções</p><p>estaduais, que, por sua vez, se juntam na Convenção Batista Brasileira, a</p><p>denominação. Já as igrejas presbiterianas se juntam e formam a Igreja</p><p>Presbiteriana do Brasil, também uma denominação. Geralmente essas</p><p>grandes associações nacionais participam de associações internacionais que</p><p>reúnem denominações iguais de diferentes países. Consequentemente, a</p><p>relação entre a congregação local e a associação nacional difere de uma</p><p>denominação para outra. Enquanto, por exemplo, os batistas são</p><p>democráticos e deixam que cada igreja local tenha bastante autonomia, a</p><p>Igreja Universal requer que todas as congregações espalhadas pelo mundo</p><p>sejam obedientes à liderança central.</p><p>POLÍTICA</p><p>Quando aconteceu a Reforma Protestante, as igrejas eram ligadas à vida</p><p>civil. A Igreja Anglicana, até hoje, é uma igreja estatal, inclusive a realeza da</p><p>Inglaterra é quem chefia a Igreja. Por isso os Estados Unidos, quando se</p><p>tornaram independentes, mudaram o nome para Igreja Episcopal. A Igreja</p><p>Episcopal é uma Igreja Anglicana, porém, sem subordinação à realeza da</p><p>Inglaterra. Como vimos, essa relação entre Estado e Igreja acabou gerando</p><p>perseguições que fizeram os purita nos fugirem para a colônia americana,</p><p>dando início aos Estados Unidos da América.</p><p>Apesar de, teoricamente, a Igreja Anglicana estar subordinada ao rei</p><p>(ou</p><p>rainha) da Inglaterra, atualmente ela é liderada pelo arcebispo de Cantuária,</p><p>que, guardadas as devidas proporções, é uma espécie de papa anglicano. Ele</p><p>é conhecido como bispo primaz e líder espiritual da Comunhão Anglicana,</p><p>que congrega as diferentes denominações anglicanas do mundo, como a</p><p>Igreja Episcopal Anglicana do Brasil e a Igreja Episcopal dos Estados</p><p>Unidos.</p><p>Quando os Estados Unidos proclamaram independência e ela boraram</p><p>sua Constituição, lembraram-se do passado de perseguição na Inglaterra e</p><p>se alinharam ao princípio republicano de total separação entre Igreja e</p><p>Estado. O Estado deveria ser laico, permitindo a qualquer pessoa a</p><p>liberdade de escolher qualquer religião. Isto, porém, não significava que o</p><p>cristão, individualmente, não pudesse participar diretamente da política</p><p>partidária. Cada denominação tem um jeito de lidar com a política, mas, em</p><p>geral, todas concordam que o cristão deve ser um exemplo de bom cidadão,</p><p>cumprindo com suas obrigações, como pagar impostos em dia, votar e orar</p><p>pelos governantes. A base é o texto bíblico de Romanos 13.</p><p>Em um lado extremo está, por exemplo, a Congregação Cristã no</p><p>Brasil, que recomenda que seus membros não se envolvam com a política</p><p>partidária. No outro extremo, a Igreja Universal do Reino de Deus, que</p><p>praticamente tem seu próprio partido – o Republi canos –, e cujos líderes já</p><p>se elegeram para vários cargos, como o bispo Crivella, que foi prefeito do</p><p>Rio de Janeiro. No meio-termo está a maioria das igrejas.</p><p>Institucionalmente, elas defendem a separação entre Igreja e Estado, mas</p><p>fazem parcerias com o poder público e incentivam que seus membros,</p><p>individualmente, não apenas sejam bons cidadãos, mas se candidatem e,</p><p>uma vez eleitos, lutem pelos princípios evangélicos, sobretudo aqueles que</p><p>são consenso entre quase todas as denominações, como a condenação da</p><p>homossexua lidade, do uso de drogas e do aborto.</p><p>Não era assim no final do século 19 e início do século 20. Os</p><p>evangélicos quase não tinham pretensões políticas, e poucos eram os que se</p><p>filiavam a partidos políticos e se candidatavam. O Brasil não tinha pautas</p><p>progressistas na agenda que os evangélicos identificassem como sendo uma</p><p>ameaça. Como vimos, havia o tema do comunismo, mas os evangélicos</p><p>eram sombreados pela Igreja Católica, totalmente dominante, que já o</p><p>combatia com sucesso. E, nessa época, os evangélicos formavam um grupo</p><p>muito pequeno (do ponto de vista numérico) para que qualquer posição</p><p>pudesse influenciar a política nacional.</p><p>Como vimos, em 1964, boa parte dos evangélicos apoiou o golpe</p><p>militar. Afinal, o discurso da ditadura era justamente para evitar a ameaça</p><p>comunista. Salvo raras exceções, principalmente individuais, denominações</p><p>como a Igreja Presbiteriana do Brasil e a Convenção Batista Brasileira</p><p>ficaram cem por cento alinhadas com o regime mi litar. Entre essas exceções</p><p>individuais se destacou a figura do pastor presbiteriano Rubem Alves.</p><p>Rubem Alves nasceu em 1933, em Boa Esperança, Minas Gerais, e se</p><p>tornou pastor presbiteriano, pedagogo, psicanalista e professor da Unicamp,</p><p>em São Paulo. Em 1968, defendeu sua tese de doutorado pela Universidade</p><p>de Princeton, nos Estados Unidos. Foi o primeiro teólogo a elaborar e</p><p>trabalhar com o conceito de Teologia da Liber tação. Porém, em</p><p>consequência da ditadura militar no Brasil, com o respectivo alinhamento</p><p>da Igreja Presbiteriana, e da Guerra Fria no contexto internacional, Rubem</p><p>Alves decidiu mudar o título de sua tese para Teologia da Esperança. Por</p><p>isso, seu nome foi desassociado do conceito, cuja elaboração passou a ser</p><p>creditada ao padre peruano Gustavo Gutiérrez, que três anos depois</p><p>publicou o livro Teologia da Libertação.</p><p>Enquanto foi pastor na cidade de Lavras, em seu estado natal, Rubem</p><p>Alves sofreu forte perseguição pela ditadura militar. Um colega seu, também</p><p>pastor presbiteriano, dedurou-o como subversivo para o DOPS</p><p>(Departamento de Ordem Política e Social). Acusado de praticar o pecado</p><p>do comunismo, foi considerado um subversivo perigoso e entrou para a lista</p><p>de vigiados para monitoramento militar até 1985, quando a ditadura</p><p>terminou. Por causa disso, em 1970, desligou-se da Igreja Presbiteriana do</p><p>Brasil, mas continuou atuando como teólogo, sendo reconhecido</p><p>internacionalmente por várias instituições renomadas, enquanto era</p><p>considerado herético em seu próprio país.</p><p>A Teologia da Libertação é uma corrente de pensamento que afirma que</p><p>o Deus da Bíblia tem preferência pelos pobres e que, portanto, as religiões</p><p>que dizem segui-lo deveriam se posicionar ao lado dos oprimidos. O texto</p><p>áureo é o livro de Êxodo, em que Deus viu o sofrimento do povo hebreu</p><p>como escravo no Egito e decidiu libertá-lo. Ao contrário do que é veiculado</p><p>no senso comum, a Teologia da Libertação não é exclusiva da Igreja</p><p>Católica. Ela teve seu auge no Cristianismo latino-americano das décadas</p><p>de 1970 e 1980, defendida tanto por teólogos católicos como protestantes.</p><p>Os setores mais conservadores das igrejas acusavam esses padres e</p><p>pastores de heréticos por fazerem uma leitura marxista da Bíblia. Tanto a</p><p>Igreja Católica – principalmente os franciscanos –, quanto as igrejas</p><p>evangélicas acreditam que é papel do cristão ajudar os pobres por meio de</p><p>obras assistenciais. A Teologia da Libertação, porém, vai além: enquanto a</p><p>obra assistencialista mantém os pobres nessa situação, a Teologia da</p><p>Libertação considera que é preciso engajamento político para libertá-los do</p><p>sistema capitalista injusto que gera opressão e os mantém na situação de</p><p>pobreza. A Teologia da Libertação teve seu reflexo nas Comunidades</p><p>Eclesiais de Base, que, inclusive, esteve na origem do PT (Partido dos</p><p>Trabalhadores).</p><p>Como alternativa à Teologia da Libertação, em 1974, em Lau sanne, os</p><p>evangélicos celebraram um pacto que deu origem à Missão Integral. Muito</p><p>parecida com a Teologia da Libertação, no sentido de agregar a</p><p>responsabilidade social às questões espirituais, mas sem a interpretação</p><p>marxista, esta teologia compreende a missão cristã como holística, não</p><p>podendo separar o evangelismo de todas as demais formas concretas de se</p><p>expressar o amor de Deus. Foi uma maneira que os evangélicos encontraram</p><p>para promoverem uma ação social e profética – no sentido de denúncia das</p><p>mazelas sociais – sem serem confundidos com os partidos políticos de</p><p>orientação socialista.</p><p>Com o fim da ditadura militar no Brasil em 1985, da URSS e da Guerra</p><p>Fria em 1991, a religiosidade cresceu no mundo todo. Não foi por acaso que</p><p>os evangélicos se multiplicaram no Brasil nesse período. As pessoas,</p><p>desiludidas com ideologias e utopias políticas, migraram para ideologias e</p><p>utopias espirituais como alter nativa. Se não era mais possível construir um</p><p>paraíso na Terra, a esperança só poderia ser um paraíso na vida além.</p><p>Portanto, afora das iniciativas internas do movimento, o contexto era</p><p>favorável ao crescimento de novas religiões.</p><p>Como consequência do período ditatorial, a década de 1990 e a primeira</p><p>década do novo milênio foram marcadas pela expansão da centro-esquerda,</p><p>como a social-democracia, que lutava contra as desigualdades sociais que o</p><p>regime militar havia acentuado, mas sem se alinhar com o comunismo, que</p><p>agonizava. Após a Lei da Anistia em 1979, surgiram vários partidos de</p><p>alguma forma alinhados com esse pensamento: o PSDB, o PT, o PDT e o</p><p>PSB. Os evangélicos se identificavam com o ideal de justiça social sem</p><p>negação da vida espiritual e, por isso, começaram a surgir alguns candidatos</p><p>evangélicos. O mais emblemático desse período, como vimos, foi Anthony</p><p>Garotinho.</p><p>Anthony William Matheus de Oliveira ganhou o apelido de Garotinho</p><p>em 1975, quando trabalhava como radialista na sua cidade natal, Campos</p><p>dos Goytacazes, no norte fluminense, quando, aos 15 anos, narrou um</p><p>trecho de uma partida de futebol imitando um locutor esportivo carioca que</p><p>tinha o mesmo apelido. Em 1981, incorporou o apelido ao nome, ano em</p><p>que também se casou com Rosân gela Barros Assed Mahteus de Oliveira,</p><p>PROTESTANTE</p><p>Obviamente, nem todos os livros de História são iguais. Há várias divisões.</p><p>Em primeiro lugar, a divisão entre os livros de história da Igreja – que</p><p>focam no aspecto mais teológico e, muitas vezes, partem do pressuposto</p><p>espiritual –, e os livros acadêmicos de História – que seguem uma</p><p>metodologia científica e partem de um pressuposto exclusivamente material.</p><p>Enquanto os primeiros são, na sua grande maioria, escritos por teólogos, os</p><p>segundos são escritos por histo riadores. E, quase sempre, os livros que</p><p>partem de um pressuposto espiritual e são escritos por teólogos são coleções</p><p>sobre toda a história da Igreja, e a Reforma Protestante acaba sendo um</p><p>volume específico da coleção. É o caso, por exemplo, do autor Justo</p><p>González, que escreveu uma coleção de dez volumes intitulada E até os</p><p>confins da Terra: Uma história ilustrada do Cristianismo. A Reforma</p><p>Protestante aparece no capítulo 6, A era dos reformadores. Ou a coleção</p><p>História da Igreja, escrita por Martin Dreher, em que a Reforma Protestante</p><p>é abordada no volume 3, A crise e a renovação da Igreja no período da Reforma.</p><p>Outra divisão é a dos livros de História denominados marxistas, porque</p><p>seguem a teoria do sociólogo alemão Karl Marx (1818-83), para quem a</p><p>História é sempre um conflito de classes e os aspectos econômicos</p><p>determinam os aspectos culturais. Neste caso, temos As guerras camponesas</p><p>na Alemanha, de Friedrich Engels. Ao longo do século 19, os historiadores</p><p>escreviam livros que descreviam eventos, focando quase sempre na política e</p><p>nos governantes. Como reação, surgiu uma nova forma de fazer História,</p><p>chamada Escola dos Annales, que passou a privilegiar os aspectos culturais. O</p><p>principal exemplo dessa escola – sobre a Reforma Protestante – é o livro do</p><p>historiador francês Jean Delumeau, Nascimento e afirmação da Reforma.</p><p>Outros três que merecem destaque para quem quer se aprofundar: A</p><p>Europa durante a Reforma, de G.R. Elton, As Reformas na Europa, de Carter</p><p>Lindberg, e A ética protestante e o “espírito” do capitalismo, de Max Weber.</p><p>Por fim, uma última maneira de se estudar a Reforma Protestante é lendo</p><p>biografias de seus personagens. Nesse caso, me recem destaques dois grandes</p><p>clássicos: Martinho Lutero, um destino, de Lucien Febvre, e Thomas Müntzer,</p><p>teólogo da Revolução, de Ernst Bloch.</p><p>A melhor forma de se estudar autodidaticamente a Reforma Protestante</p><p>é ler, sob uma ótica crítica, o maior número possível de livros das diferentes</p><p>correntes, para se comparar as informações con tidas neles. Um curso,</p><p>entretanto, tem a vantagem de um professor especialista dar orientação</p><p>sobre os pontos positivos e negativos de cada obra.</p><p>AS FONTES DA REFORMA PROTESTANTE</p><p>A História é feita por documentos, isto é, o testemunho que foi produzido</p><p>na época passada que se quer estudar e que chegou até nós. Esse documento</p><p>passa então a ser chamado fonte primária. Tudo que foi produzido pode</p><p>servir de testemunho, desde um vaso de barro a um código de leis escritas.</p><p>Para se estudar a Reforma Protestante, existe uma enorme diversidade de</p><p>fontes que estão disponíveis em língua portuguesa. A vantagem de se ler</p><p>uma fonte é que se tem contato direto com o que foi dito na época, e não o</p><p>que alguém posterior a ela está dizendo a respeito. Por isso, caso queira</p><p>aprender mais sobre a Reforma Protestante, consultando diretamente as</p><p>fontes, sugerirmos alguns caminhos.</p><p>Partindo de Martinho Lutero, seus escritos foram reunidos em alemão</p><p>numa gigantesca coleção que ficou conhecida como Edição de Weimar. Parte</p><p>dessa coleção foi traduzida para o português pela Igreja Luterana e</p><p>disponibilizada numa coleção intitulada Obras selecionadas. Esta coleção é a</p><p>melhor forma de acessar o texto de Lutero, pois ela disponibiliza um</p><p>criterioso aparato crítico e informações sobre o texto original. Calvino</p><p>também escreveu bastante, e ele mesmo reuniu sua obra em quatro volumes,</p><p>que intitulou A instituição da religião cristã, ou, simplesmente, Institutas. Ela</p><p>foi traduzida para o português pela Cultura Cristã, editora da Igreja</p><p>Presbiteriana.</p><p>Por fim, recomendamos também a obra Escritos seletos de Martinho</p><p>Lutero, Tomás Müntzer e João Calvino, organizada pelo professor Luis</p><p>Alberto De Boni. A vantagem dessa obra é que você pode encontrar os</p><p>textos de Müntzer, líder da ala radical espiritualista da Reforma, traduzidos</p><p>para o português. Com base nessas indicações, recomendamos que, se quiser</p><p>conhecer melhor o debate do século 16, vá direto às fontes. Se dominar as</p><p>respectivas línguas dos originais, melhor ainda.</p><p>OS ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA REFORMA PROTESTANTE</p><p>Antes de continuar, precisamos voltar um pouco no tempo para</p><p>entendermos como chegamos à Reforma Protestante.</p><p>A Igreja Primitiva foi severamente perseguida pelo Império Romano, e</p><p>muitos cristãos morreram nos dois primeiros séculos da história da Igreja. A</p><p>Igreja Primitiva é aquela que teve início com os primeiros cristãos, conforme</p><p>narrado no livro bíblico de Atos. Os eventos a seguir constituem a</p><p>continuidade daquela história, depois que o livro de Atos termina. Por dois</p><p>séculos, portanto, fazer parte da comunidade de cristãos significava correr</p><p>riscos e ser perseguido. A situação mudou quando Constantino (272-337)</p><p>tornou-se imperador no ano 306 e converteu-se ao Cristianismo em 312,</p><p>depois de ter tido um sonho na véspera de uma importante batalha. Três</p><p>ações suas foram fundamentais para definir o que mais tarde se tornaria a</p><p>Igreja Católica. A primeira foi a promulgação do Édito de Milão em 313,</p><p>colocando fim às perseguições aos cristãos. A segunda foi a convocação do</p><p>Concílio de Niceia em 325, que deu origem ao primeiro credo doutrinário. A</p><p>terceira foi transformar antigos templos pagãos em templos cristãos. A</p><p>Igreja institucionalizou-se. Começou uma época chamada Patrística, que</p><p>contempla o período entre os séculos 4 e 6.</p><p>A Patrística refere-se temporalmente ao período dos Pais da Igreja,</p><p>padres teólogos que receberam este nome por terem sistema tizado toda a</p><p>base doutrinária que apoia os católicos e boa parte dos protestantes até hoje.</p><p>Como dissemos, um deles foi São Jerônimo, que traduziu a Bíblia para o</p><p>latim, chamando sua versão de Vulgata. Também surgiram ordens</p><p>eclesiásticas que originaram os mosteiros. São Bento de Núrsia (480-547),</p><p>por exemplo, criou uma regra muito importante que até hoje é a base dos</p><p>beneditinos. Devemos destacar outro valioso líder, Gregório Magno (540-</p><p>604), papa do período, que foi autor dos sete pecados capitais e do estilo de</p><p>música conhecido como canto gregoriano.</p><p>Depois da Patrística foi a vez da Escolástica, método aristoté lico de</p><p>ensino praticado nas então criadas universidades. Também foi a época das</p><p>batalhas chamadas Cruzadas, para tentar tirar Jerusalém das mãos dos</p><p>muçulmanos. Alguns eventos do período, no entanto, merecem maior</p><p>destaque. Um deles foi o cisma que aconteceu no século 11, de onde surgiu</p><p>a Igreja Ortodoxa. Nessa época, já haviam ocorrido tantas mudanças, que a</p><p>Igreja Católica estava corrompida do ponto de vista espiritual. Por isso,</p><p>muitos movimentos questionadores começaram a surgir a partir do século</p><p>12.</p><p>Um importante inconformado daquela época foi São Francisco de Assis</p><p>(1181-1226), que criou a Ordem dos Frades Menores, conhecidos como</p><p>franciscanos. Um de seus objetivos foi resgatar a pureza do Evangelho contra</p><p>os luxos da Igreja. Outros reformadores, ao contrário de São Francisco de</p><p>Assis, questionaram a autoridade papal e recusaram-se a obedecê-lo. Por</p><p>isso, foram chamados heréticos. As duas principais heresias da época foram</p><p>as seitas dos cátaros e a dos valdenses, esta última fundada por Pedro Valdo</p><p>(1140-1218). Para combatê-las, a Igreja Católica criou a Inquisição, processo</p><p>judicial que ficou famoso por condenar seus réus à fogueira. A insatisfação</p><p>da população em geral cresceu consideravelmente nos séculos 14 e 15,</p><p>preparando o terreno para a Reforma Protestante do século 16.</p><p>No século 14, por exemplo, surgiu a pregação de John</p><p>que passaria a ser conhecida como Rosinha Garotinho.</p><p>Em 1995, Anthony Garotinho e sua esposa se tornaram evangé licos,</p><p>membros da Igreja Presbiteriana do Brasil. Garotinho se candidatou, foi</p><p>eleito e exerceu vários cargos: vereador e prefeito de Campos, e governador</p><p>do Rio de Janeiro, todos por partidos de esquerda, como PT, PDT e PSB.</p><p>Em 1998, durante a campanha para governador do Rio pelo PDT, evitou se</p><p>apresentar como evangélico. Dizia, em entrevistas, que não gostaria de</p><p>misturar religião e política. O cenário foi diferente em 2002, quando foi</p><p>candidato a presidente da República pelo PSB e obteve o terceiro lugar. Sua</p><p>campanha teve apoio de diversos grupos evangélicos que viam em</p><p>Garotinho a possibilidade de eleger um representante deste segmento para o</p><p>principal cargo político do Brasil.</p><p>Havia também Marina Silva, que não fez da sua bandeira política ser</p><p>evangélica, mas a defesa do meio ambiente. Maria Osmarina da Silva, seu</p><p>nome de batismo, nasceu em 1958 em Rio Branco, Acre. No ano 2000,</p><p>tornou-se evangélica da Assembleia de Deus.</p><p>Em 1986, ela se filiou ao PT e se candidatou a deputada federal, mas</p><p>não foi eleita. Em 1988, foi a vereadora mais votada de Rio Branco. Em</p><p>1990, foi eleita deputada estadual e, quatro anos depois, senadora. Em</p><p>2003, foi nomeada ministra do Meio Ambiente. Porém, desentendimentos</p><p>posteriores levaram Marina a se desfiliar do PT e passar por outros partidos,</p><p>como o Partido Verde, até finalmente fundar o Rede Sustentabilidade em</p><p>2015. Somente na campanha para presidente da República de 2014 é que</p><p>Marina Silva se aproximou do movimento evangélico. Em 2023, voltou a</p><p>ser ministra do Meio Ambiente.</p><p>Como vimos, o movimento evangélico deu uma guinada a partir da</p><p>eleição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por causa da inclusão das</p><p>pautas progressistas. Temas como casamento gay e aborto na agenda do dia</p><p>fizeram com que boa parte do movimento evangélico se alinhasse com a</p><p>direita e passasse a demonizar a esquerda. Mais uma vez, isso também</p><p>caminhava em conjunto com uma tendência internacional, em que</p><p>movimentos conservadores começaram a reaparecer no cenário político.</p><p>Infelizmente hoje, muitos evangélicos se esquecem dos problemas que</p><p>podem acontecer quando essa separação não é respeitada e tentam se</p><p>apropriar do Estado para usar seu poder de impingir a própria ética cristã à</p><p>sociedade. Quem o faz acredita que isso será o melhor para a sociedade.</p><p>Porém, depois que todos os evangélicos se unirem contra tudo que não for</p><p>evangélico, serão vítimas das próprias controvérsias que, como estamos</p><p>vendo aqui, não são poucas. Como fariam os adventistas se os assembleianos</p><p>obrigassem todos a celebrar o domingo, e não o sábado, ou vice-versa?</p><p>Como fariam os presbiterianos se os batistas usassem o poder do Estado</p><p>para obrigar todos a se batizarem por imersão e não por aspersão, ou vice-</p><p>versa? Até que ponto seria possível um diálogo para se usar um</p><p>denominador comum? É por isso que a liberdade é fundamental e o Estado</p><p>não pode se envolver com religião. Pois entre as próprias denominações</p><p>evangélicas pode acabar acontecendo o que aconteceu com as tribos na</p><p>África: quem tem o poder do Estado na mão persegue os diferentes.</p><p>Imagine, então, o tamanho da discussão quando trazemos para o debate a</p><p>lembrança de que os evangélicos são minoria no Brasil.</p><p>DOUTRINA</p><p>Podemos definir doutrina como o conjunto de crenças de uma determinada</p><p>religião. No caso dos evangélicos, há doutrinas que são fundamentais e</p><p>comuns a todos. A primeira, claro, é a existência de Deus, que também é o</p><p>Criador do mundo. Outra doutrina comum é que esse Deus se revelou à</p><p>humanidade por meio de um livro sagrado, a Bíblia. Segundo essa Bíblia, há</p><p>vida após a morte física, que pode se resumir em dois caminhos diferentes: o</p><p>Céu, ou Paraíso, para quem crê em Jesus como Salvador, e o Inferno, para</p><p>quem nega Jesus. Jesus é o Filho de Deus e, para a maioria, uma das pessoas</p><p>da Trindade.</p><p>A principal diferença doutrinária entre os evangélicos e os católicos não</p><p>é sobre a intercessão dos santos ou o uso de imagens, mas o caminho para a</p><p>salvação da alma: para os evangélicos, o único caminho se dá mediante a</p><p>graça – crer em Jesus como Senhor e Salvador. Os evangélicos enfatizam</p><p>passagens bíblicas, como Efésios 2:18. As boas obras são consequência. Para</p><p>os católicos, o caminho para a salvação é tanto acreditar em Jesus, quanto</p><p>praticar boas obras. Enfatiza-se a passagem de Tiago 2:24. Enquanto os</p><p>evangélicos acreditam que somente a Bíblia é a autoridade final em matéria</p><p>de fé, os católicos acreditam no tripé Bíblia, Tradição e autoridade papal.</p><p>Essa é a razão por que há tantas igrejas evangélicas diferentes, enquanto a</p><p>Igreja Católica permanece unificada. À medida que os evangélicos vão</p><p>fazendo diferentes interpretações do texto bíblico, vão surgindo diferentes</p><p>denominações.</p><p>Muitas divergências acontecem porque não há um critério defi nido na</p><p>hora de decidir quando um texto da Bíblia é literal e quando é simbólico.</p><p>Imagine um batista, um adventista e um presbiteriano debatendo. O</p><p>adventista indagará ao batista por que ele guarda o domingo quando, na</p><p>Bíblia, a ordem expressa é para a guarda do sábado. O batista responderá</p><p>que o importante é guardar um dia, não sendo necessariamente o sábado.</p><p>Que o sábado é uma ordem do Antigo Testamento, que não se aplica mais</p><p>no Novo Testamento. Ou seja, o batista relativiza algo que o adventista</p><p>acredita que deve ser literal. Em seguida, o batista perguntará ao</p><p>presbiteriano por que eles batizam por aspersão, quando a Bíblia fala que se</p><p>deve batizar por imersão. A própria palavra batismo significa mergulho em</p><p>grego, argumentam. O presbiteriano, então, dirá que o importante é batizar,</p><p>não importando a forma. O presbiteriano, portanto, relativiza o que o</p><p>batista entende como literal. E, mesmo que o batista tenha relativizado o</p><p>argumento do adventista, não aceitará que o presbiteriano faça o mesmo</p><p>contra o seu argumento. Enquanto os evangélicos debatem essas questões,</p><p>os católicos resolvem de maneira prática e objetiva: o papa dá a palavra final</p><p>sobre o que é literal e o que é relativo. Nesse aspecto, a Igreja Católica já</p><p>relativizou – e explicou – as passagens contra a utilização de imagens.</p><p>Mesmo assim, o evangélico tradicional jamais aceitará que os católicos</p><p>relativizem o uso de imagens nos templos, ainda que ele mesmo coma carne</p><p>de porco sem se preocupar com as proibições bíblicas para isso.</p><p>A maior controvérsia doutrinária entre os evangélicos, na verdade, é</p><p>anterior ao próprio movimento e remonta aos primeiros séculos da era</p><p>cristã. Trata-se do Calvinismo versus o Arminianismo. Há muito tempo, no</p><p>século V, dois padres debateram sobre a capacidade de o homem alcançar a</p><p>salvação da sua alma. Para Agostinho de Hipona (Santo Agostinho para os</p><p>católicos), o homem por si só é incapaz de não pecar e, por isso, só poderia</p><p>ser salvo mediante uma ação externa de Deus. Essa foi a base para a</p><p>doutrina da graça irresistível. Se Deus deixar o homem escolher, ele nunca</p><p>escolherá Jesus. Portanto, Deus escolheu alguns para salvar pela força.</p><p>Aqueles que Deus escolheu eram os predestinados. Pelágio, por outro lado,</p><p>argumentava que, apesar do pecado original, o homem ainda manteve a</p><p>imagem de Deus, que o capacita a escolher entre o certo e o errado. Logo, o</p><p>homem ainda tem livre-arbítrio para escolher ou rejeitar a salvação em</p><p>Cristo.</p><p>No século 16, após a Reforma Protestante, esse debate foi retomado</p><p>entre Calvino, que defendia a posição de Agostinho, e Armínio, que</p><p>defendia a posição de Pelágio. Surgiram os termos calvinista para quem</p><p>acredita na predestinação e arminiano para quem acredita no livre-arbítrio.</p><p>Muita gente confunde a teologia da predestinação com a teologia da eleição.</p><p>A teoria da eleição faz parte da teologia arminiana, isto é, o homem tem</p><p>livre-arbítrio para escolher, mas Deus, em sua onisciência, já sabe de</p><p>antemão quem irá escolher e quem irá rejeitar. Na teologia da</p><p>predestinação,</p><p>não se trata de Deus saber de antemão quem vai escolher e</p><p>quem vai rejeitar, mas de escolher quem vai aceitar ou não. Em consequência,</p><p>veio outra discussão: a pessoa que escolheu aceitar Jesus como Salvador</p><p>estará salva para sempre ou poderá, posteriormente, rejeitar a salvação e</p><p>voltar ao estado anterior de perdição? Importante lembrar que o objetivo</p><p>deste livro não é argumentar sobre nenhum ponto de vista, mas mostrar ao</p><p>leitor todas as possibilidades existentes dentro do meio evangélico.</p><p>Diante de várias possibilidades e controvérsias, iremos apresentar,</p><p>abaixo, resumidamente, algumas delas. O estudo na Teologia sobre a</p><p>salvação da alma se chama soteriologia. Dentro da soteriologia são inúmeras</p><p>as posições. A salvação, para a Teologia cristã, não tem a ver somente com o</p><p>destino após a alma. Dentro do conceito de Reino de Deus, acredita-se que,</p><p>quando uma pessoa é salva, a vida dela muda e ela já começa a desfrutar os</p><p>benefícios da salvação ainda nesta vida. Vamos às posições.</p><p>Posição 1 – Universalista: no fim, todas as pessoas serão salvas e irão</p><p>para o Céu, independentemente de religião, credo ou ações. Essa é a</p><p>posição menos aceita. Pouquíssimas denominações seguem essa tendência.</p><p>Posição 2 – Predestinação: o homem não pode escolher. A salvação é</p><p>uma escolha de Deus. Ele escolheu e predeterminou o destino de cada um.</p><p>Uma vez que uma pessoa foi escolhida, em algum momento ela terá um</p><p>encontro sobrenatural com Jesus, e sua alma será selada para o Céu no Juízo</p><p>Final. E uma vez que a pessoa foi salva, estará salva para sempre, e não</p><p>poderá voltar atrás. Se em algum momento abandonar a caminhada cristã</p><p>será porque, na verdade, ela não tinha chegado a ser salva de verdade. É a</p><p>posição da maioria dos presbite rianos.</p><p>Posição 3 – Livre-arbítrio total no início: o homem pode escolher. Tanto</p><p>que pode tomar a iniciativa, por conta própria, de ir até Jesus em busca da</p><p>salvação. Uma vez que ele obtenha essa salvação, não voltará atrás. Ele não</p><p>perderá a salvação. Assim como na predestinação, argumenta-se que, se em</p><p>algum momento a pessoa abandonar a caminhada cristã, será porque, na</p><p>verdade, ela não tinha chegado a ser salva de verdade. Essa é a posição da</p><p>maioria dos metodistas.</p><p>Posição 4 – Livre-arbítrio total no início e no fim: o homem pode escolher</p><p>tudo. Pode escolher aceitar ou rejeitar Jesus, e assim obter a salvação da sua</p><p>alma e, depois que a tenha obtido, ainda poderá escolher rejeitá-la e voltar</p><p>ao estágio anterior. Ele pode, ao longo da vida, escolher aceitar e rejeitar</p><p>várias vezes. É uma loteria: se morrer no período que estava reconciliado</p><p>com Deus, irá para o Céu. Mas, se morrer no período que estava desviado</p><p>da fé, irá para o Inferno. Essa é a posição da maioria dos assembleianos.</p><p>Posição 5 – Livre-arbítrio parcial: por causa do pecado original, o</p><p>homem não tem capacidade de ir até Deus por conta própria. Então, Deus</p><p>toma a iniciativa, por meio do Espírito Santo, de salvá-lo. Mas o homem</p><p>tem a palavra final e poderá escolher ou rejeitar. Uma vez que decida</p><p>responder sim ao chamado de Deus, e for salvo, será salvo para sempre. Não</p><p>poderá voltar ao estágio anterior, e, se no caminho se desviar, será sinal de</p><p>que não havia chegado a ser salvo de verdade. Essa é posição da maioria dos</p><p>batistas.</p><p>Sobre soteriologia, não podemos deixar de fora a doutrina do</p><p>aniquilacionismo, sendo a Igreja Adventista sua principal representante. O</p><p>aniquilacionismo é uma doutrina segundo a qual as almas dos pecadores que</p><p>não se arrependeram nem creram em Jesus serão aniquiladas após a morte</p><p>do corpo físico. De acordo com essa visão, no retorno de Jesus Cristo, este</p><p>ressuscitará todos os mortos, realizará o Juízo Final e, como consequência,</p><p>aqueles que não O aceitaram em seu coração serão castigados</p><p>proporcionalmente aos seus pecados. Depois, a alma será aniquilada e</p><p>destruída para sempre.</p><p>O fundamento dessa doutrina é que a tortura eterna aos pecadores no</p><p>Inferno é incompatível com o caráter amoroso do Deus cristão. Além disso,</p><p>argumentam que é injusto, uma vez ser desproporcional uma pessoa sofrer a</p><p>eternidade toda no Inferno por pecados que ela cometeu numa vida</p><p>limitada, ferindo o caráter justo do Deus cristão. Para justificar, afirmam</p><p>que as passagens bíblicas que fazem referência ao Inferno como castigo</p><p>eterno têm caráter simbólico. No caso da parábola do Rico e de Lázaro, por</p><p>exemplo, o próprio texto afirma ser uma parábola.</p><p>É importante lembrar que, no imaginário popular, o Inferno é um lugar</p><p>de reino do Diabo, e ele castiga a pessoa com seu tridente vermelho por</p><p>puro prazer. No entanto, segundo a teologia bíblica, o Inferno é um lugar</p><p>criado para castigar o Diabo e seus anjos. Assim, não se trata de um reino</p><p>paralelo ao Reino de Deus no Céu, mas um lugar puramente de castigo,</p><p>onde todos, pessoas e demônios, serão castigados para sempre no além.</p><p>Outra controvérsia, como já falamos, refere-se a qual dia da semana</p><p>guardar. A maioria dos evangélicos acompanha os católicos e guarda o</p><p>domingo como dia santo. Isso porque, conforme a Bíblia, eles acreditam</p><p>que Jesus ressuscitou num domingo. Além disso, na própria Bíblia se lê que</p><p>os primeiros cristãos se reuniam aos domingos (Atos 20:7). Já os adventistas</p><p>preferem guardar o sábado. Eles argumentam que essa é a ordem expressa</p><p>em passagens do Antigo Testamento, como os 10 mandamentos, e foi o dia</p><p>que Deus descansou após completar a criação, conforme o livro de Gênesis.</p><p>Mais outra controvérsia refere-se ao batismo no Espírito Santo e aos</p><p>dons espirituais. Para as igrejas protestantes tradicionais, no momento em</p><p>que uma pessoa se converte, ela é batizada no Espírito Santo. Todas as</p><p>pessoas recebem dons espirituais para servir à comunidade, mas os dons</p><p>extraordinários, que faziam milagres, eram exclusivos para o início do</p><p>Cristianismo e já cessaram. Assim, falar línguas significa dominar idiomas</p><p>estrangeiros para fazer traduções. Para os pentecostais, o batismo no</p><p>Espírito Santo é uma segunda bênção após a conversão, que demonstra para</p><p>a comunidade que o cristão alcançou maturidade espiritual. Sua</p><p>manifestação deve ser acompanhada necessariamente de manifestação</p><p>sobrenatural. Nesse sentido, falar línguas significa falar a língua dos anjos,</p><p>ou línguas estranhas.</p><p>Por fim, destacamos a doutrina da prosperidade. Essa doutrina é</p><p>defendida, principalmente, pelos neopentecostais e paraevangélicos das</p><p>igrejas Universal, Internacional e Mundial. Significa que a marca que o</p><p>verdadeiro cristão demonstra é ter uma vida próspera do ponto de vista</p><p>financeiro e material, na sua saúde, profissão e na estrutura familiar. Caso o</p><p>cristão ainda não tenha alcançado o sucesso é porque está escondendo</p><p>algum pecado, impedindo Deus de abençoá-lo, ou há uma maldição</p><p>diabólica em sua vida, que precisa ser quebrada por meio de campanhas de</p><p>jejum e oração – inclusive maldição herdada dos pais –, ou mesmo uma obra</p><p>do Diabo contra a qual ele precisa travar uma batalha espiritual.</p><p>Neste ponto, também é muito importante fazer uma distinção de</p><p>conceituação. O sociólogo alemão Max Weber, cujo livro citamos no</p><p>primeiro capítulo, percebeu uma relação direta entre a Reforma Protestante</p><p>e o surgimento do capitalismo. Na Idade Média, pregava-se que quem</p><p>desejasse uma vida espiritual melhor deveria afastar-se do mundo. Lutero e</p><p>Calvino perceberam que, ao contrário do que ensi nara a Igreja Católica, o</p><p>verdadeiro cristão deveria exercer sua vocação no mundo, e não dele se</p><p>afastar. Mas, ao mesmo tempo em que exercia essa vocação trabalhando,</p><p>não deveria ter prazer nas coisas mundanas, saciando sua carne. Na Idade</p><p>Média, acreditava-se, portanto, que as pessoas seriam salvas pelo que faziam</p><p>ou deixavam de fazer. Então elas se afastavam do mundo para evitar pecar e</p><p>viver uma vida mais santificada.</p><p>Quando Lutero pregou que a salvação se dava pela graça, essa relação</p><p>mudou, já que não seria necessário tanto radicalismo. E quando Calvino</p><p>pregou a predestinação, a relação mudou ainda mais, já que,</p><p>por essa</p><p>doutrina, ficou estabelecido que a salvação era uma decisão prévia de Deus,</p><p>e por isso o que a pessoa fazia ou deixava de fazer não faria diferença na sua</p><p>salvação. Essa relação fez com que o protestante, principalmente o</p><p>calvinista, acumulasse dinheiro. A lógica é simples: Se o cristão passa a</p><p>trabalhar, mas ao mesmo tempo se priva de desfrutar de luxo e outros</p><p>prazeres mundanos, então ele acumula o dinheiro ganho e passa a investir.</p><p>O investimento gera mais dinheiro, que continua sendo acumulado. Logo,</p><p>para Weber, os Estados Unidos se tornaram uma nação rica porque a</p><p>maioria de seus cidadãos, naquele contexto, era calvinista.</p><p>Nos dias atuais, é muito importante fazer uma distinção da análise de</p><p>Weber com a doutrina da Teologia da prosperidade neopentecostal, que</p><p>tem sido objeto de alguns equívocos. Ao associar o estudo de Weber – que</p><p>recortou o Protestantismo calvinista –, à doutrina da predestinação com o</p><p>Protestantismo neopentecostal e a Teologia da prosperidade, o estudante</p><p>acaba por cair num grande erro metodo lógico. É importante pontuar que o</p><p>Protestantismo que Weber estudou é bem diferente do Neopentecostalismo</p><p>contemporâneo. O pro testan te dos Estados Unidos, que Weber recortou</p><p>como objeto de estudo, não pregava que a sua fé o tornaria rico, tampouco</p><p>era esse o objetivo. Lá, o acúmulo de capital aconteceu como decorrência de</p><p>uma vida empenhada no trabalho e ascética. O protestante não acumulava</p><p>para seu benefício próprio, mas visando, inclusive, a expansão da sua fé. Já o</p><p>Neopentecostalismo atual, ao apregoar a Teologia da prosperidade, busca</p><p>num Deus generoso benesses para desfrutar o melhor possível nesta vida.</p><p>São, portanto, teologias, motivações e comportamentos muito diferentes.</p><p>COSTUMES</p><p>O que muita gente confunde com doutrina, na verdade, são costumes. Há</p><p>uma tendência entre os evangélicos de, num primeiro momento, condenar</p><p>como diabólica toda novidade que aparece. Depois, com o tempo, se</p><p>adaptar e até mesmo fazer uso dela. No início do século 20, os evangélicos</p><p>condenavam como diabólico o futebol, o cinema, a televisão e andar de</p><p>bicicleta. A bola de futebol era apelidada de “ovo do Diabo”. Quem fosse</p><p>visto indo ao cinema era expulso da congregação. O cristão jamais poderia</p><p>ter uma televisão dentro de casa e, quando fosse em outros lugares em que</p><p>houvesse uma, não poderia assistir. A bicicleta era condenada, pois a forma</p><p>de pedalar com as pernas abertas era vista como imoral, principalmente para</p><p>as mulheres.</p><p>Aos poucos, isso foi mudando. O futebol passou a ser usado como meio</p><p>de evangelização. Foi criada a entidade Atletas de Cristo, movimento</p><p>integrado por atletas de várias denominações e modalidades esportivas, em</p><p>1984. Como visto, há igrejas hoje em dia cujos pastores pregam com a</p><p>camisa do time do coração. O cinema também passou a ser instrumento de</p><p>evangelização. E, a partir da década de 1980, os evangélicos perceberam que</p><p>a televisão não só poderia ser permitida, como também era uma importante</p><p>ferramenta de propagação da fé evangélica. O movimento começou com</p><p>destaque para o pastor presbiteriano Caio Fábio, que tinha um programa</p><p>chamado Pare & Pense e uma organização chamada Vinde.</p><p>Na década de 1980, Caio Fábio e seu programa Pare & Pense,</p><p>transmitido principalmente nas manhãs de sábado na TV Manchete, era</p><p>sucesso de audiência. Um pastor da Assembleia de Deus da Penha, no Rio</p><p>de Janeiro, também dava os primeiros passos, mas com pouco ibope. Seu</p><p>nome era Silas Lima Malafaia e ele usava um caricato bigode enquanto</p><p>pregava sempre com muita eloquência e até mesmo humor.</p><p>Aliás, celeumas envolvendo evangélicos nunca faltaram na história do</p><p>movimento. Como dissemos no segundo capítulo, a década de 1980 foi</p><p>marcada por escândalos sexuais envolvendo televangelistas famosos. Em</p><p>2013, o pastor carioca Marcos Pereira da Silva, da Assembleia de Deus dos</p><p>Últimos Dias, foi acusado de estupro – condenado a 15 anos de prisão,</p><p>porém absolvido em 2021 –, lavagem de dinheiro e associação para o tráfico</p><p>de drogas. Apesar de não ter um programa de TV próprio, ficou famoso</p><p>principalmente a partir de 2004, quando intermediou e deu fim a uma</p><p>rebelião na Casa de Custódia de Benfica, no Rio de Janeiro.</p><p>Sucesso de audiência na televisão, o pastor Caio Fábio acabou</p><p>associando seu nome a algumas polêmicas. Inicialmente, destinava 90% dos</p><p>direitos autorais dos mais de 6 milhões de livros vendidos para o trabalho</p><p>social. Depois, em 1994, passou a fazer uso do dinheiro. Em 1999, em</p><p>entrevista à revista Veja, Caio declarou que precisava da quantia para</p><p>sustentar os filhos. Entre 1995 e 1996, foi a vez de outra polêmica. A polícia</p><p>encontrou papelotes de cocaína nas dependências da Fábrica de Esperança,</p><p>projeto social que ele implantara na favela de Acari, no Rio de Janeiro.</p><p>Em 1998, denunciado pelo Ministério Público sob acusação de crime de</p><p>calúnia, respondeu judicialmente por seu envolvimento no caso Dossiê</p><p>Cayman, um conjunto de documentos, sem veracidade comprovada, que</p><p>acusava políticos – inclusive o então presidente da República, Fernando</p><p>Henrique Cardoso – de movimentarem contas bancárias em paraísos fiscais</p><p>no Caribe. Como consequência desse processo, em 2017, Caio Fábio</p><p>chegou a ser preso por quatro dias. Então, no ano seguinte ao escândalo do</p><p>Dossiê Cayman, em 1999, tornou-se público o caso extraconjugal que</p><p>mantinha com a secretária, o que o retirou da posição de líder evangélico.</p><p>Entre os evangélicos, este episódio ficou conhecido como “queda do pastor</p><p>Caio Fábio”. E, como consequência, em 2003, deixou o ministério como</p><p>pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil.</p><p>Também foi no início da década de 1990 que Edir Macedo, bispo e</p><p>líder da Igreja Universal do Reino de Deus, comprou a TV Record, fundada</p><p>em 1953 pelo empresário Paulo Machado de Carvalho – Silvio Santos</p><p>detinha 50% da emissora. A concessão do canal foi cedida pelo então</p><p>Presidente Fernando Collor de Melo como uma espécie de vingança contra</p><p>a TV Globo, que à época articulava nos bastidores seu impeachment.</p><p>A década de 1980 foi a década das danceterias. Se o cinema e a televisão</p><p>estavam liberados, as casas de show jamais. Da mesma forma, era proibido</p><p>frequentar bares, consumir bebidas alcóolicas – ainda que muitos bebessem</p><p>escondido –, assim como qualquer tipo de vício e jogo de azar, desde apostar</p><p>em corridas de cavalo a jogar na Loteria Federal. Mas não eram raros os</p><p>momentos em que dois irmãos da mesma igreja se encontravam por acaso</p><p>numa casa lotérica e ficavam constrangidos.</p><p>Neste ponto é interessante ver que as igrejas protestantes tradicionais e</p><p>as denominações mais novas, de vertente pentecostal e neopentecostal, se</p><p>contrapunham. Enquanto, no tocante à música e à liturgia, as igrejas</p><p>protestantes resistiam às inovações das denominações pentecostais,</p><p>chamando ritmos e determinados instrumentos de diabólicos, profanos ou</p><p>heréticos, no que se refere aos costumes era o contrário: as igrejas</p><p>protestantes tradicionais iam se adaptando com maior fa cilidade, enquanto</p><p>as pentecostais e neopentecostais resistiam e condenavam como diabólico,</p><p>herético e profano. Era comum que fiéis de igrejas pentecostais e</p><p>neopentecostais chamassem os membros de igrejas protestantes tradicionais</p><p>de frios, católicos disfarçados, mornos e outros adjetivos pejorativos, pois</p><p>estes frequentavam cinemas, danceterias e até bebiam. Muitos ficavam</p><p>escandalizados quando viam os luteranos e presbiterianos bebendo cerveja</p><p>nos retiros. Quando iam para o exterior e viam protestantes fumando, o</p><p>escândalo era maior ainda.</p><p>A aparência também era muito vigiada, e o jovem não poderia se parecer</p><p>com o “jovem do mundo”. Tatuagens eram completamente proibidas.</p><p>Algumas denominações impunham um rígido controle sobre o vestuário</p><p>feminino. As mulheres da Assembleia de Deus deveriam usar somente saias</p><p>abaixo dos joelhos. Quanto mais longas, melhor. Calça era roupa masculina.</p><p>O cabelo não poderia ser cortado. Cabelo curto é coisa de homem. Por isso,</p><p>a Assembleia</p><p>de Deus ficou conhecida pelas mulheres de coque. Com o</p><p>tempo, a Assembleia de Deus se modernizou. Mas a Congregação Cristã no</p><p>Brasil e a Igreja Adventista ainda resistem. As adventistas também não</p><p>devem usar joias.</p><p>Sobre os costumes, havia uma polêmica a respeito de ser permitido ou</p><p>não ao jovem cristão ouvir música que não fosse evangélica, que eles</p><p>denominavam “música do mundo”. Hoje em dia, apesar de ainda haver</p><p>evangélicos que defendem esses posicionamentos, eles se tornaram mais</p><p>objeto de piadas e memes na internet. Mas, naquela época, esses temas eram</p><p>seríssimos, capazes de dividir congregações inteiras.</p><p>Existe um livro muito famoso, intitulado As origens sociais das</p><p>denominações cristãs, de H. Richard Niebuhr, no qual o autor se deteve em</p><p>analisar o contexto anglo-saxão. Desconhecemos estudo semelhante sobre</p><p>os evangélicos no Brasil. Aqui, também sabemos que a classe social</p><p>influencia na denominação em que uma pessoa ingressará. No início, era</p><p>comum que houvesse uma diferença básica: os ricos frequentavam as igrejas</p><p>protestantes tradicionais, enquanto os pobres, as pentecostais e</p><p>neopentecostais. A Assembleia de Deus foi pioneira em penetrar nos</p><p>lugares mais pobres, inclusive favelas. Com o tempo, isso também mudou.</p><p>Famosos e ricos começaram a ingressar em igrejas neopentecostais. No final</p><p>da década de 1990, o jogador da Seleção Brasileira de Futebol, Kaká</p><p>(Ricardo Izecson dos Santos Leite), tornou-se membro da Igreja Renascer</p><p>em Cristo. Hoje em dia, já não é mais possível fazer essa distinção de</p><p>classe – ainda que algumas igrejas tenham começado com públicos definidos</p><p>por classes sociais. Há ricos e pobres em todas as denominações. As igrejas</p><p>protestantes tradi cionais ainda concentram mais a parcela intelectual dos</p><p>evangélicos, ao contrário dos paraevangélicos, como Universal, Mundial e</p><p>Internacional, que congregam pessoas mais humildes. Até porque, num país</p><p>onde o Estado não oferece garantia de saúde, pleno emprego e segurança,</p><p>resta aos menos favorecidos buscarem socorro e conforto em promessas</p><p>espirituais de cura, proteção e provimento.</p><p>A MAÇONARIA</p><p>A maçonaria, ao contrário do que muita gente pensa, não é uma religião.</p><p>Trata-se de uma sociedade fraterna discreta, ou confraria, popularmente</p><p>conhecida como “sociedade secreta”, que se reúne com alguns objetivos,</p><p>como a promoção da filantropia. O nome remete à palavra maçon, que</p><p>significa pedreiro em francês. O mistério gira em torno de rituais e</p><p>cumprimentos, palavras e sinais usados em segredo para que seus membros</p><p>se reconheçam entre si. As origens são controversas, mas sabe-se que a</p><p>maçonaria se estabeleceu após o Iluminismo, inclusive adotando para si o</p><p>mesmo lema do movimento filosófico: Igualdade, Liberdade, Frater nidade.</p><p>Para ser maçon é preciso professar a fé em alguma divindade. Como a</p><p>maçonaria é uma instituição ecumênica, usam-se termos genéricos para</p><p>Deus, como O grande arquiteto do universo.</p><p>Desde a chegada dos primeiros missionários protestantes tradicionais</p><p>até o movimento pentecostal clássico, não havia conflito entre ser cristão e</p><p>maçom. Inclusive, a maçonaria foi responsável por ajudar os protestantes a</p><p>se instalarem no Brasil durante o regime do padroado, quando o país era</p><p>oficialmente católico e a pregação de qualquer outra religião para ganhar</p><p>adeptos, proibida. Já que pregar outra religião era crime, muitos pastores</p><p>escapavam de condenações e prisões enquanto pregavam, justamente por</p><p>serem maçons, tal qual delegados e juízes. Os maçons apoiavam a transição</p><p>de Monarquia para República, ideal que interessava aos missionários</p><p>protestantes, que desejavam a separação entre Igreja e Estado para poderem</p><p>pregar livremente. Muitos templos protestantes, como a Primeira Igreja</p><p>Batista no Rio de Janeiro, têm a mesma aparência e estrutura arquitetônica</p><p>de uma loja maçônica.</p><p>O primeiro conflito ocorreu, como dissemos, com o surgimento da</p><p>Igreja Presbiteriana Independente do Brasil. Em 1863, iniciou-se um</p><p>trabalho presbiteriano em São Paulo, com a organização da Primeira Igreja</p><p>Presbiteriana em São Paulo, em 1865, pelo missionário Alexander Latimer</p><p>Blackford (1829-90). Em 10 de dezembro de 1898, um membro da igreja</p><p>publicou um artigo no jornal denominacional O Estandarte contra a</p><p>participação dos membros da igreja na maço naria, dando início aos debates.</p><p>Quatro anos depois, em 1902, o então pastor da igreja, Eduardo Carlos</p><p>Pereira, começou uma campanha contra a maçonaria, propondo um</p><p>programa de reforma.</p><p>A proposta de reforma foi submetida a votação no sínodo (órgão de</p><p>deliberação da denominação) reunido nos dias 30 e 31 de julho de 1903.</p><p>Eduardo Carlos Pereira obteve somente 17 votos contra 52 contrários à sua</p><p>proposta. Os que saíram derrotados deixaram a reunião e foram para o</p><p>prédio da Primeira Igreja Presbiteriana de São Paulo, onde decidiram se</p><p>desfiliar da então Igreja Presbiteriana do Brasil e fundar a Igreja</p><p>Presbiteriana Independente, a primeira igreja evangélica oficialmente contra</p><p>a maçonaria.</p><p>Porém, foi somente com o advento do movimento neopentecostal que o</p><p>conflito entre evangélicos e maçons se tornou popular, quando a terceira</p><p>onda do Pentecostalismo elegeu como uma de suas bandeiras a</p><p>demonização da maçonaria. Quando o movimento neopentecostal</p><p>demoniza a maçonaria, ele se aproxima mais da Igreja Católica do que do</p><p>Protestantismo tradicional. Em 28 de abril de 1738, o Papa Clemente XII</p><p>expediu a bula In Eminenti Apostolatus Specula, proibindo católicos de se</p><p>tornarem maçons. Isso porque a maçonaria apoiava os ideais iluministas,</p><p>como a separação entre a Igreja e o Estado, que a Igreja Católica condenava,</p><p>entre outros pontos.</p><p>Apesar de haver inúmeros protestantes tradicionais maçons – inclusive</p><p>pastores –, a nova geração dessas igrejas embarcou no discurso</p><p>neopentecostal e passou a condenar a maçonaria e desprezar seus membros,</p><p>o que resultou na revisão de posturas oficiais. A própria Igreja Presbiteriana</p><p>do Brasil, que, em 1903, não aceitou a posição de Eduardo Carlos Pereira,</p><p>um século depois mudou de ideia e concluiu que a maçonaria era</p><p>incompatível com a fé cristã. Alguns evangélicos mais moderados a criticam</p><p>pelo seu caráter ecumênico, pois os maçons chamam de irmãos aqueles que</p><p>professam outra religião, enquanto os evangélicos só consideram irmãos</p><p>aqueles que confessam exclusivamente Jesus como Senhor. Outros, mais</p><p>radicais, condenam a maçonaria como obra diabólica, dado seus rituais</p><p>secretos. Muitos se baseiam na literatura de supostos maçons que deixaram</p><p>a Loja após se converterem e revelaram os segredos diabólicos da</p><p>instituição. O irônico é que várias denomi nações neopentecostais</p><p>condenaram a maçonaria por realizarem atividades secretas, enquanto</p><p>faziam exatamente o mesmo com o Encontro, como vimos.</p><p>COMO ENTENDER AS IGREJAS EVANGÉLICAS E OS EVANGÉLICOS</p><p>Por mais que a literatura acadêmica na área de Ciências Humanas a respeito</p><p>dos evangélicos no Brasil seja extensa e profunda, ela não consegue explicar</p><p>algumas questões sobre esse grupo. E como pressupõe a Antropologia, uma</p><p>pessoa que olhar de fora, sem nunca ter tido uma experiência imersa no</p><p>mundo evangélico, também terá muitas dificuldades para compreender</p><p>satisfatoriamente este mundo em suas peculiaridades. A história dos</p><p>movimentos nos ajuda a compreender, mas nenhuma explicação racional</p><p>dará conta de todas as possíveis experiências individuais. Vamos falar um</p><p>pouco sobre essas experiências.</p><p>Em geral, um evangélico não se considera um religioso. Se você disser</p><p>para ele que quer debater religião, a primeira coisa que ouvirá será ele dizer</p><p>que aquilo em que acredita não é uma religião, mas, antes, um</p><p>relacionamento pessoal e espiritual com Jesus. Um evangélico não se</p><p>importa com evidências científicas ou argumentos acadêmicos sobre a sua</p><p>fé, pois sempre se baseia nas próprias experiências metafísicas. Ninguém</p><p>deixa de ser evangélico porque alguém o convenceu racionalmente. Ele</p><p>deixa de ser evangélico quando suas próprias experiências</p><p>já não fazem mais</p><p>sentido para ele. Do ponto de vista acadêmico, esse discurso de que a fé</p><p>cristã não é uma religião é uma forma de legitimar uma pretensão de</p><p>superioridade qualitativa perante outras religiões, mas o evangélico,</p><p>individualmente, não perceberá isso.</p><p>Quando a experiência espiritual deixa de fazer sentido, ou quando um</p><p>evangélico começa a fazer questionamentos, ele não rompe de uma vez com</p><p>a sua igreja. É um processo longo e traumático que, em geral, segue alguns</p><p>passos. Primeiro, aquele que se vê desapontado tenta justificar para si</p><p>mesmo que a instituição é falha por ser governada por homens e tenta se</p><p>manter, argumentando que está ali em busca de experiências com Jesus, e,</p><p>para tal, pouco importa a mediação humana. Alguns conseguem se encaixar</p><p>assim.</p><p>Outros partem para o passo seguinte, que é a busca por uma nova</p><p>instituição ou denominação. Ele conclui que aquela em que está é mais</p><p>problemática por uma série de razões e que, se for para outra, os problemas</p><p>que o levaram ao questionamento se tornarão mais suaves. Geralmente,</p><p>esses evangélicos procuram as igrejas presbiterianas, anglicanas ou luteranas,</p><p>por serem consideradas as mais intelectualizadas. Alguns até conseguem se</p><p>adaptar. Outros, porém, não conseguindo obter respostas para seus</p><p>questionamentos, decidem abandonar por completo a participação numa</p><p>instituição evangélica e passam a ser considerados, pelos evangélicos</p><p>institucionalizados, um “desviado”.</p><p>Em geral – é muito importante enfatizar –, alguns ex-evangé licos se</p><p>mantêm cristãos sem instituição, outros migram para uma religião diferente,</p><p>e outros ainda se tornam ateus ou agnósticos. Quanto mais o número de</p><p>evangélicos no Brasil cresce, naturalmente aumenta também o número de</p><p>ex-evangélicos. Engana-se quem acredita que todos são ex-evangélicos</p><p>porque se decepcionaram com a instituição. Alguns o fazem porque</p><p>elaboram questionamentos que nenhuma explicação teológica, de nenhuma</p><p>denominação, consegue responder. O ex-evangé lico sofre diversos</p><p>preconceitos, afinal, muitos amigos da época da igreja o abandonaram,</p><p>considerando-o traidor. Alguns evangélicos não compreendem certos</p><p>questionamentos existenciais de indivíduos que desistem daquela fé e veem</p><p>os ex-evangélicos com certa pena, pois pensam que abandonaram a fé</p><p>evangélica por causa de algum trauma que não conseguiram tratar, o que até</p><p>pode ser fato.</p><p>Em geral, o evangélico não tem a menor noção de que, aos olhos das</p><p>outras pessoas, sua fé parece arrogância. Ao mesmo tempo que se sente um</p><p>privilegiado por ter convicção de que irá para o Céu, não sente que isso o</p><p>torna melhor do que os outros, mesmo que essa seja a imagem que acaba</p><p>transparecendo. Pelo contrário. Um evangélico está sempre ouvindo um</p><p>pregador lhe dizer que ele é um pecador. Sente muita gratidão a Deus</p><p>porque, mesmo sendo tão pecador, foi salvo das garras do mal pela graça de</p><p>Deus.</p><p>Da mesma forma, a maioria dos evangélicos não tem noção de que está</p><p>sendo desagradável quando tenta convencer os demais a se converterem à</p><p>mesma fé. Os evangélicos têm tanta convicção de que corriam risco de irem</p><p>para o Inferno e que Jesus os livrou desse castigo, que querem que outros</p><p>também tenham essa mesma experiência, que julgam positiva. Ou seja, os</p><p>evangélicos são chatos justamente com as pessoas de quem eles mais gostam,</p><p>pois consideram que elas estão correndo um sério risco de irem para o</p><p>Inferno e precisam ser salvas desse perigo.</p><p>Ao contrário do que muita gente pensa, o evangélico não é bobo. Ele</p><p>tem consciência dos problemas da sua igreja e do que os evangé licos em</p><p>geral fazem de errado na sociedade. Quando se depara com um pastor</p><p>desonesto, ele tem consciência disso. Porém, pensa não ser problema dele.</p><p>Se o pastor é desonesto, é pro blema dele com Deus, para quem, um dia,</p><p>prestará contas. Muitas vezes um evangélico parece ingênuo porque trata a</p><p>igreja dele como uma família: ele só faz autocrítica entre os pares, pois em</p><p>público sempre esconderá os defeitos da sua igreja e realçará os pontos</p><p>positivos.</p><p>Muitos evangélicos se olham com desconfiança. Para um tradicional,</p><p>por exemplo, o pentecostal não estuda direito a Bíblia, com a profundidade</p><p>teológica que a igreja dele tem. Já um evangélico pentecostal olha para uma</p><p>denominação tradicional como uma igreja fria, que se apega ao</p><p>intelectualismo e deixa de lado o agir do Espírito Santo. Por isso, o</p><p>evangélico também considera que a denominação que ele acha errada está</p><p>fazendo um desserviço para a propagação do evangelho, uma vez que</p><p>atrapalha as pessoas a acreditarem do jeito certo. Entre os evangélicos há</p><p>uma qualificação e hierarquização das igrejas. Os membros das igrejas</p><p>protestantes tradicionais muitas vezes evitam utilizar o termo evangélico</p><p>para si mesmos, com medo de serem confundidos com os pentecostais e</p><p>neopentecostais. Assim, se autodenominam protestantes para se</p><p>diferenciarem – e até se defenderem – de uma suposta superioridade</p><p>qualitativa em relação aos evangélicos neopentecostais. Têm orgulho de</p><p>estabelecer uma relação direta entre a sua denominação e a Reforma</p><p>Protestante, para não serem identificados com denominações que surgiram</p><p>de algum mo dismo momentâneo ou em consequência da ambição política</p><p>de um determinado líder.</p><p>Os evangélicos não são ovelhinhas obedientes. Mais uma vez, ao</p><p>contrário do que muita gente pensa, um evangélico não é uma ovelha que</p><p>faz tudo aquilo que o pastor manda. A maioria faz exatamente o contrário: é</p><p>desobediente, inclusive causando problemas à liderança de suas igrejas. É</p><p>comum as pessoas comentarem que não concordam com a maior parte do</p><p>que o pastor pregou do púlpito quando acaba o culto. E nem todo</p><p>evangélico é alinhado politicamente. A questão é que, sempre que um grupo</p><p>organizado começa a fazer campanha para um determinado nome, outros</p><p>evangélicos – inclusive pastores – ficam calados, pois sabem que uma</p><p>discussão naquele momento de ânimos inflamados será inútil. Mas, na hora</p><p>do voto, votam naquele que acham ser a melhor opção, mesmo que não seja</p><p>o nome indicado pela liderança.</p><p>A melhor maneira de unir os diferentes evangélicos (ou qualquer grupo</p><p>heterogêneo), é quando uma ameaça/inimigo em comum é detectado. Por</p><p>isso enfatizam tanto campanhas em defesa da família. Questões como</p><p>casamento gay e aborto costumam ser vistas como ameaça para quase todos</p><p>os segmentos evangélicos. Porém, ao mesmo tempo, há evangélicos</p><p>tolerantes que acreditam que outras pessoas serão salvas, mesmo que</p><p>estejam praticando uma religião diferente da sua. Assim como na pós-</p><p>modernidade líquida existem católicos que não acatam a autoridade do papa</p><p>e descartam a transubstanciação, acreditando na eucaristia como mero</p><p>simbolismo, existem evangélicos que não acreditam no fundamento basilar</p><p>da salvação pela fé – que motivou a Reforma Protestante a existir no século</p><p>16 e acreditam que, no Juízo Final, as pessoas serão julgadas pelas obras que</p><p>fizeram, e não pela fé que professaram. A pós-modernidade líquida do</p><p>século 21 relativizou a postura anticatólica que os missionários introduziram</p><p>nos séculos 19 e 20.</p><p>Em geral, uma igreja é definida pela sua liturgia, sua administração, seus</p><p>costumes, sua doutrina, entre outros aspectos. Os evangé licos mais antigos</p><p>sempre costumaram dialogar entre si e relativizar todos os aspectos, sem</p><p>renunciar à doutrina. Porém, com a ascensão da pós-modernidade e do</p><p>mundo líquido, até a doutrina passou a ser relativizada, dialogando até</p><p>mesmo com outras religiosidades. Atualmente, o que não se abre mão é da</p><p>centralidade de Jesus como único Senhor e Salvador.</p><p>Dessa forma, cada ponto sempre esteve aberto a controvérsias. Por isso,</p><p>cada congregação local ou denominação define um conjunto daquilo que</p><p>crerá e seguirá. As classificações são didáticas para ajudar no entendimento</p><p>do todo, mas jamais darão conta completamente da realidade evangélica.</p><p>Cada denominação, cada igreja, cada congregação é única e precisa ser</p><p>analisada dessa forma. E, no aspecto individual</p><p>então, nem há como</p><p>dimensionar. Cada evangélico é um ser único.</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>Geralmente, toda denominação, como toda religião, roga para si o discurso</p><p>de ser a portadora da verdade acima das demais. Mesmo que tolerem que a</p><p>outra esteja parcialmente correta, acreditam que a sua doutrina é a mais</p><p>correta. Por isso, estudar – do ponto de vista histó rico – a origem de uma</p><p>denominação protestante requer levar em conta a complexidade dessa tarefa</p><p>e não reproduzir o discurso do mito fundador, sempre ancorado na figura</p><p>extraordinária de algum herói, de preferência martirizado ou perseguido por</p><p>suas convicções. Deve-se ter um olhar crítico que vá além do que a própria</p><p>denominação roga para si como sua origem. Neste livro, conseguimos reunir</p><p>e apresentar mais de setenta denominações, cada uma na sua singularidade.</p><p>Como vimos, o movimento evangélico é muito diversificado e</p><p>complexo. No Brasil, apesar de o primeiro contato ter sido com imigrantes</p><p>europeus, os evangélicos formaram sua identidade a partir de uma ação</p><p>missionária muito forte, de diversas denominações vindas dos Estados</p><p>Unidos, que tiveram – e têm – uma influência conside rável. Ao contrário da</p><p>colonização portuguesa, adepta da denominada Contrarreforma católica do</p><p>século 16, trazida predominantemente pelos missionários jesuítas, os</p><p>missionários estadunidenses trouxeram o Protestantismo fundamentalista</p><p>para disputar o campo religioso, fazendo com que, ao invés de cooperação,</p><p>aqui se formasse uma disputa entre católicos e evangélicos, disputa esta que</p><p>se exemplifica na comemoração, entre os evangélicos, cada vez que um novo</p><p>censo demográfico demonstra crescimento numérico deste em face da</p><p>diminuição numérica de católicos. Esse Protestantismo fundamentalista de</p><p>origem estadunidense não compreende o movimento de secularização do</p><p>Protestantismo europeu e acredita que a Europa se apostatou, precisando</p><p>ser evangelizada de novo, o que significa implantar lá também a vertente</p><p>fundamentalista.</p><p>Como o movimento evangélico é bastante complexo, ao estudá-lo é</p><p>preciso tomar todo o cuidado para não se cometer injustiças, reducionismos</p><p>ou confusões. Deve-se evitar confundir nomes parecidos de denominações</p><p>muito diferentes, como a Igreja Congregacional e a Congregação Cristã no</p><p>Brasil, ou confundir menonitas com metodistas. Também é preciso evitar</p><p>agrupar movimentos muito diferentes dentro de uma mesma rotulação,</p><p>principalmente quando se refere ao termo neopentecostal. E não é porque</p><p>uma igreja tem a mesma prá tica de outra, que ambas acreditam na mesma</p><p>doutrina. Testemunhas de Jeová, mórmons e adventistas podem igualmente</p><p>bater à sua porta para tentar convertê-lo, mas cada um terá uma pregação</p><p>bem diferente.</p><p>Vimos também que as denominações não estão uniformemente</p><p>espalhadas por todo o território nacional. Isso nos mostra que, para além</p><p>das questões espirituais, elas também são fruto do contexto social e cultural</p><p>onde estão inseridas e onde surgiram. Os presbiterianos se estabeleceram no</p><p>interior paulista e no sul de Minas Gerais, mesma região do café, porque, à</p><p>época, foi onde encontraram mais espaço para a sua pregação. Expandiram-</p><p>se para o Paraná, que se tornou lugar de concentração da Igreja</p><p>Presbiteriana Independente. As igrejas influenciadas pela imigração</p><p>europeia concentram-se no Sul do país; afinal, é lá que estão muitas colônias</p><p>estrangeiras. Não por acaso, a sede dos luteranos fica no Rio Grande do Sul.</p><p>Os batistas se con centram nos estados mais litorâneos, sobretudo no</p><p>Espírito Santo e no Rio de Janeiro, onde os missionários pregavam à época</p><p>em que o melhor meio de se viajar era o navio. São Paulo, a cidade mais</p><p>cosmopolita, foi o principal celeiro das novidades, principalmente os</p><p>pentecostalismos trazidos do exterior. E muitas igrejas neopentecostais</p><p>surgiram e se expandiram a partir de Goiânia, uma das capitais mais novas</p><p>do Brasil.</p><p>Não menos importante também é perceber que nem toda igreja que se</p><p>apresenta com um determinado nome significa que é, de fato, pertencente</p><p>àquela determinada denominação homônima – ou quase. Igrejas novas e</p><p>autônomas, em busca de prestígio, gostam de se denominar por termos</p><p>consagrados, como presbiteriana ou batista, ainda que não estejam de</p><p>acordo com a doutrina dessas denominações nem sejam por elas</p><p>reconhecidas. A confusão entre as várias nomenclaturas evangélicas é tão</p><p>grande e complicada, que – só para citar mais um exemplo – em São Paulo</p><p>encontramos, no bairro dos Campos Elíseos, a Igreja Presbiteriana Unida</p><p>de São Paulo, a qual, a nível denominacional, é uma igreja que faz parte da</p><p>Igreja Presbiteriana do Brasil, e não da denominação Igreja Presbiteriana</p><p>Unida do Brasil. A Igreja Presbiteriana Unida de São Paulo, no mesmo</p><p>bairro, não concorda com a teologia da denominação Igreja Presbiteriana</p><p>Unida do Brasil.</p><p>Essa viagem no tempo, que fizemos neste livro, nos mostrou que os</p><p>evangélicos são, sobretudo, inconformados. Estão sempre em busca de</p><p>renovação. Há uma busca permanente por se desprender da</p><p>institucionalidade. Eles querem ser diferentes, livres, autênticos, sem</p><p>amarras institucionais ou burocráticas, que dependam exclusivamente da</p><p>Bíblia, de um relacionamento pessoal e íntimo com Jesus, e do mover do</p><p>Espírito Santo, entretanto acabam precisando se unir e, ironicamente, se</p><p>institucionalizar, como analisou o sociólogo Max Weber. De tempos em</p><p>tempos, surgia, e sempre surgirá, um profeta carismático dizendo que a sua</p><p>religião perdera a essência dos primórdios e precisava ser renovada. Ele</p><p>começaria um movimento de restauração, que também se institucionalizaria</p><p>e dali sairia um novo profeta, com a mesma pregação. Um ciclo sem fim</p><p>que, ad aeternum, produziria novas denominações.</p><p>Visando essa renovação, os evangélicos buscam a idealização que se faz</p><p>da Igreja Primitiva. Idealização porque, na realidade, nunca houve a</p><p>perfeição desejada. Os movimentos que dizem ser preciso restaurar a pureza</p><p>do Cristianismo Primitivo focam na Igreja de Jerusalém, descrita</p><p>biblicamente em Atos 2, mas se esquecem de que igrejas como a de Corinto</p><p>(há duas cartas no Novo Testamento para ela) e de Laodiceia (Apocalipse</p><p>3:14-21) também constituíam esse Cristianismo Primitivo, sem contar as</p><p>inúmeras repreensões que o apóstolo Paulo enviou para todas as igrejas,</p><p>inclusive dizendo que elas eram inconstantes e estavam o tempo todo</p><p>mudando de doutrina.</p><p>Aliás, sobre isso, os evangélicos gostam de citar Efésios 4:14, que</p><p>afirma: “O objetivo é que não sejamos mais como crianças, levados de um</p><p>lado para o outro pelas ondas teológicas, nem jogados para cá e para lá por</p><p>todo vento de doutrina e pela malícia de certas pessoas que induzem os</p><p>incautos ao erro.” As denominações utilizam esse versí culo para dizer que</p><p>têm a pregação correta e verdadeira da doutrina correta, para seus membros</p><p>não irem para outra deno minação, que terá uma pregação errada, “vento de</p><p>doutrina”, mas se esquecem de que, no passado, também já foram uma</p><p>novidade, e uma denominação anterior disse o mesmo sobre ela.</p><p>Um olhar leigo pode precipita damente acreditar que o movimento</p><p>evangélico é um grupo coeso, porém, como vimos, um olhar mais cuidadoso</p><p>mostra que tal premissa não corresponde à realidade. Mais do que coesão,</p><p>os evangélicos se olham com desconfiança. Se utilizarmos o conceito de</p><p>campo do sociólogo Pierre Bourdieu, entenderemos claramente que as</p><p>denominações estão em constante concorrência e só se unem diante de uma</p><p>ameaça em comum. A Igreja Presbiteriana, por exemplo, olha com</p><p>desconfiança para a Adventista. Entre outros motivos, acusam os</p><p>adventistas de basearem sua doutrina além da Bíblia, por levarem em conta</p><p>os escritos de Ellen G. White como normativos. Por outro lado, os</p><p>adventistas olham para os presbiterianos como muito condescendentes em</p><p>seus costumes, pois se permite às mulheres usarem joias, o que significa uma</p><p>vaidade carnal. Ao mesmo tempo que os presbiterianos acusam os</p><p>adventistas de seguirem Ellen G. White, parecem</p><p>se esquecer de que a sua</p><p>doutrina baseia-se nos escritos de Calvino. Os presbiterianos dirão: “Nós</p><p>não colocamos os escritos de Calvino em pé de igualdade com a Bíblia.”</p><p>Mas quem disse que os adventistas fazem isso com os escritos de White?</p><p>Assim, tudo é questão de interpretação. Todas as denominações dizem</p><p>que estão fazendo uma interpretação pura da Bíblia, mas não percebem que,</p><p>na verdade, a leem à luz da tradição. O maior exemplo disso é o conflito</p><p>entre Tiago 2:24 e Efésios 2:8-9. O primeiro afirma categoricamente: “O</p><p>homem é justificado pelas obras, e não somente pela fé.” Já o segundo</p><p>afirma: “Pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem das obras.” A</p><p>primeira reação das denominações evangélicas é afirmar a necessidade de se</p><p>observar o contexto. Porém, o contexto não muda, e cada autor está</p><p>defendendo uma posição antagônica. Assim, passa-se a explicar o que cada</p><p>um realmente quis dizer. Bom, por que ele já não disse? Ou seja, os</p><p>evangélicos não percebem que estão lendo o texto bíblico a partir da</p><p>interpretação dada pela Reforma. Se pressupõe-se que a salvação é pela</p><p>graça, e não pelas obras, dar-se-á ênfase a esses escritos e relativizar-se-ão os</p><p>demais, explicando o que, na verdade, se queria dizer. Ao ler a Bíblia pela</p><p>tradição, mesmo sem admitir, está-se fazendo o mesmo que a Igreja</p><p>Católica.</p><p>E não é só isso. Quando Lutero deflagrou a Reforma Protestante, ele</p><p>negou a tradição e o papado. Disse que a única autoridade de fé era a</p><p>Escritura Sagrada. Cada crente deveria lê-la e ter a sua própria experiência.</p><p>À medida que isso foi acontecendo, cada um começou a fazer uma nova</p><p>interpretação do texto bíblico, e surgiram novas doutrinas. O que, então, os</p><p>luteranos fizeram? Começaram a escrever confissões, dizendo qual era a</p><p>interpretação correta da Bíblia. Fizeram o que criticavam na Igreja Católica.</p><p>E assim é até hoje. Sempre que surge uma nova denominação dizendo-se a</p><p>verdadeira portadora da interpretação correta da Bíblia, ela precisa criar uma</p><p>declaração doutrinária para explicar qual é essa interpretação correta.</p><p>Tudo isso nos leva a uma reflexão muito importante. Vimos como as</p><p>certezas teológicas mudam com o passar do tempo. O que numa época era</p><p>amplamente condenado, como o futebol, em outra época é totalmente</p><p>aceito. Uma denominação sempre surge dizendo-se a portadora da verdade</p><p>bíblica e restauradora da suposta pureza da Igreja Primitiva, até que outro</p><p>movimento saia daquela denominação e diga o mesmo. Tudo isso, portanto,</p><p>deve fazer de nós pessoas mais tolerantes. Se todos sempre tiverem certezas</p><p>sobre tudo, ficará impossível o diálogo e a convivência. Portanto, é preciso</p><p>pensar que, talvez, essa certeza toda de hoje não será a certeza de amanhã e,</p><p>por isso, o outro pode estar certo também.</p><p>E se o outro pode estar certo, não é preciso competir. Cada</p><p>denominação requer para si certa superioridade. As protestantes tradicionais</p><p>buscam legitimar uma suposta superioridade na tradição histórica. As</p><p>pentecostais, por sua vez, na experiência individual. Alguns grupos sectários,</p><p>nos resultados. Porém, outra interpretação é possível: não se trata de</p><p>superioridade, mas de ênfase que, juntas, podem e devem mais se</p><p>complementar do que concorrer entre si.</p><p>BIBLIOGRAFIA BÁSICA</p><p>BLOCH, Ernst. Thomas Müntzer, teólogo da revolução. Rio de Janeiro:</p><p>Tempo Brasileiro, 1973.</p><p>CHAUNU, Pierre. O tempo das reformas. 1225-1550. II. A Reforma</p><p>Protestante. Lisboa: Editorial Presença, 1975.</p><p>DE BONI, Luis Alberto (org.). Escritos seletos de Martinho Lutero, Tomás</p><p>Müntzer e João Calvino. Petrópolis: Vozes, 2000.</p><p>DELUMEAU, Jean. Nascimento e afirmação da Reforma. São Paulo:</p><p>Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais, 1989.</p><p>DREHER, Martin N. A crise e a renovação da Igreja no período da Reforma.</p><p>São Leopoldo: Sinodal, 2006. 4ª Edição.</p><p>____. Fundamentalismo. São Leopoldo: Sinodal, 2006.</p><p>____. A Igreja latino-americana no contexto mundial. São Leopoldo: Sinodal,</p><p>1999.</p><p>ELTON, G.R. A Europa durante a Reforma. 1517-1559. Lisboa: Editorial</p><p>Presença, 1982.</p><p>ENGELS, Friedrich. Las guerras campesinas en Alemania. Barcelona:</p><p>Grijalbo, 1997.</p><p>FEBVRE, Lucien. Martinho Lutero, um destino. São Paulo: Três Estrelas,</p><p>2012.</p><p>GONZALEZ, Justo L. E até os confins da Terra: uma história ilustrada do</p><p>Cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 2011.</p><p>McGRATH, Alister. Origens intelectuais da Reforma. São Paulo: Cultura</p><p>Cristã, 2007.</p><p>MIRANDA, Valtair (org.). Reforma: passado ou presente?. Rio de Janeiro:</p><p>MK editora, 2006.</p><p>LEGOFF, Jacques. O nascimento do Purgatório. Petrópolis: Vozes, 1981.</p><p>LINDBERG, Carter. As Reformas na Europa. São Leopoldo: Sinodal, 2001.</p><p>LOYN, Henry R. Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,</p><p>1997.</p><p>MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no</p><p>Brasil. São Paulo: Edições Loyola, 2005.</p><p>MENDONÇA, A.G. O celeste porvir. A inserção do protestantismo no Brasil.</p><p>São Paulo: Paulinas, 1984.</p><p>NIEBUHR, H. Richard. As origens sociais das denominações cristãs. São</p><p>Paulo: ASTE, 1992.</p><p>WEBER, Max. A ética protestante e o ‘espírito’ do capitalismo. São Paulo:</p><p>Companhia das Letras, 2004.</p><p>SOBRE O AUTOR</p><p>JOÃO OLIVEIRA RAMOS NETO é bacharel e licenciado em História</p><p>pela Universidade Federal de Goiás, graduado em Teologia pela Faculdade</p><p>Batista do Rio de Janeiro, mestre em História Comparada pela</p><p>Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutor em História pela</p><p>Universidade Federal de Goiás. O autor tem realizado estudos e pesquisas</p><p>sobre a história dos evangélicos há mais de dez anos, divulgando resultados</p><p>em palestras, conferências, artigos e congressos. Atualmente, é professor</p><p>efetivo de História no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia</p><p>de Goiás, onde desenvolve projetos de ensino, pesquisa e extensão sobre</p><p>História das Religiões.</p><p>Créditos</p><p>Introdução</p><p>CAPÍTULO UM • O Início do Movimento Evangélico</p><p>A Historiografia da Reforma Protestante</p><p>As Fontes da Reforma Protestante</p><p>Os Antecedentes Históricos da Reforma Protestante</p><p>O Desenvolvimento</p><p>Começam os Conflitos</p><p>A Expansão da Fé Luterana</p><p>Enquanto Isso, na Inglaterra…</p><p>O Legado da Reforma Protestante</p><p>CAPÍTULO DOIS • Novas Doutrinas Dividem o Movimento</p><p>Os Puritanos</p><p>O Pietismo e os Grandes Avivamentos</p><p>Os Liberais e os Fundamentalistas</p><p>O Surgimento do Movimento Pentecostal</p><p>Os Evangélicos Durante a Guerra Fria</p><p>CAPÍTULO TRÊS • Os Evangélicos Chegam ao Brasil</p><p>Os Protestantes Tradicionais Históricos</p><p>Os Evangélicos Pentecostais</p><p>Os Paraevangélicos</p><p>As Igrejas Autônomas</p><p>A Insuficiência da Tríade Tradicional, Pentecostal e Neopentecostal</p><p>CAPÍTULO QUATRO • História das Principais Controvérsias no Brasil</p><p>Música e Liturgia</p><p>Eclesiologia</p><p>Política</p><p>Doutrina</p><p>Costumes</p><p>A Maçonaria</p><p>Como Entender as Igrejas Evangélicas e os Evangélicos</p><p>Considerações finais</p><p>Bibliografia básica</p><p>Sobre o autor</p><p>Wycliffe (1328-</p><p>84), professor da universidade de Oxford. Ele defendia que a Bíblia deveria</p><p>ser disponibilizada para todos, e que ela, e não o papa, deveria ter</p><p>autoridade sobre os cristãos. Wycliffe treinou alguns evangelistas para</p><p>decorarem passagens bíblicas inteiras e saírem pregando pela Inglaterra.</p><p>Esses viajantes eram os lolardos.</p><p>Já no século 15, surgiu Jan Huss (1369-1415), teólogo e professor da</p><p>Universidade de Praga. Além de ideias semelhantes às pregações de</p><p>Wycliffe, ele denunciava, entre outros problemas, a corrupção dos padres.</p><p>Por causa disso, Wycliffe e Huss foram considerados heréticos. Muitos</p><p>inconformados morreram ao longo de vários séculos, mas, ainda que seus</p><p>corpos fossem calados, suas ideias permaneciam vivas e preparavam o</p><p>terreno para o surgimento de Martinho Lutero, que, no século 16, causaria</p><p>um cisma definitivo que permitiu o surgimento do que hoje chamamos</p><p>evangélicos.</p><p>Quando estudamos História, tendo como pressuposto as ações materiais</p><p>dos homens, analisamos basicamente quatro aspectos de um evento: o</p><p>social, o político, o cultural e o econômico. A partir desses pontos, olhamos</p><p>o que causou o evento, analisamos o desenvolvimento do mesmo e depois as</p><p>consequências para esses mesmos quatro pontos. Essa é uma maneira de</p><p>estudar História, mas não a única nem a melhor. Por isso, veremos quais</p><p>foram as causas sociais, políticas, culturais e econômicas que fizeram a</p><p>religião cristã ficar dividida em diferentes denominações a partir de 1517.</p><p>Nesta análise, não seguimos a ordem cronológica. Às vezes avançamos,</p><p>outras vezes recuamos, para o leitor ter uma visão ampla dos acontecimentos</p><p>que, em grande parte, eram simultâneos. Se você fichar essas informações</p><p>em um caderno, poderá compreender melhor. Como veremos no final, isso</p><p>ajudará a fazer reflexões sobre os dias atuais. Em síntese, os evangé licos são</p><p>fruto da Reforma Protestante.</p><p>Aspectos Sociais</p><p>O principal fenômeno que permitiu acontecer a Reforma Protestante no</p><p>século 16 foi a urbanização. Se durante a Idade Média as pessoas viviam no</p><p>campo e trabalhavam principalmente na agricultura, a partir do século 12</p><p>elas passaram a morar em cidades. Isto porque, depois das Cruzadas, os</p><p>europeus redescobriram o comércio e o uso de dinheiro, que facilitava as</p><p>trocas ao invés de ter que ficar carregando um produto de um lugar para o</p><p>outro. Essa urbanização foi intensificada a partir do século 14. Com ela</p><p>vieram as possibilidades de ascensão social que até então não existiam.</p><p>Assim, as cidades passaram a oferecer novas possibilidades que atraíram</p><p>muitos moradores. Entretanto, nem todos esses novos moradores foram</p><p>beneficiados, claro, gerando, no século 16, um número enorme de</p><p>marginalizados urbanos. Ainda assim, a urbanização proporcionou uma</p><p>drástica mudança na economia, quando a base agrária começou a ser</p><p>substituída pelo comércio e pela economia monetária.</p><p>Além da urbanização e do desenvolvimento do comércio, a Europa do</p><p>século 16 se recuperava da crise causada pela fome e pela escassez nos</p><p>séculos anteriores. Como veremos adiante, não só a Reforma Protestante,</p><p>mas também muitos movimentos religiosos surgiram em momentos de</p><p>mudança e crise, quando a sociedade buscava respostas para os problemas</p><p>que estava enfrentando e, individualmente, as pessoas buscavam sobreviver</p><p>em meio à situação de pobreza.</p><p>Além da fome, a Europa também vinha sendo severamente afetada pelas</p><p>pestes. Interessante que os problemas que a afligiam estavam relacionados às</p><p>mudanças. Isto é, a mudança com a passagem da população para as cidades</p><p>fez com que a concentração urbana difundisse as doenças de forma mais</p><p>rápida e eficaz. Apesar de terem sido mais intensas no século 14, as pestes</p><p>não deixaram de ser um perigo real no século 16, durante as Reformas. O</p><p>problema maior, que tem ligação direta com a Reforma Protestante, era</p><p>que, uma vez morando em cidades, as pessoas passaram a fazer</p><p>questionamentos que a Igreja Católica não dava mais conta de atender.</p><p>Voltaremos a este ponto nos aspectos culturais.</p><p>Aspectos Políticos</p><p>Como se não bastassem os problemas causados pela fome e pelas doenças,</p><p>para agravar ainda mais a dura realidade vieram as guerras. Em 1453, 64</p><p>anos antes da explosão da Reforma de Lutero, terminava a Guerra dos Cem</p><p>Anos (1337-1453), travada entre as monarquias francesa e inglesa. Junto</p><p>com as guerras entre as coroas, havia também as revoltas de camponeses</p><p>marginalizados e explorados pelos príncipes. Ambas não deixavam de estar</p><p>interligadas. As guerras entre as coroas aumentavam as despesas. Com</p><p>maiores despesas, os camponeses eram sobrecarregados com taxas de</p><p>impostos mais elevadas, o que, por sua vez, contribuía para o</p><p>descontentamento e a insatisfação.</p><p>O século 16 foi a época de ouro da Espanha, quando o reino dos</p><p>Habsburgo ficou conhecido como “o império sobre o qual o sol nunca se</p><p>põe”, uma vez que também abarcou as colônias americanas. Em 1492, às</p><p>vésperas do século 16, a Espanha conquistou Granada (depois de 450 anos</p><p>de guerra contra os mouros) e iniciou a expansão marítima. Isso aumentou o</p><p>prestígio do império, que revitalizou a Inquisição com a ideologia de</p><p>eliminação de judeus, mouros e heréticos. Carlos (V na Alemanha e I na</p><p>Espanha) não teve problemas para cumprir o papel de guardião da Igreja na</p><p>Espanha. A Igreja Romana, afinada com a nobreza daquela região,</p><p>solidificou-se na Península Ibérica. Essa solidificação, porém, não aconteceu</p><p>no Império Germânico, que, no mesmo período e com 15 milhões de</p><p>habitantes, era uma confederação frágil, posto que a ideia de príncipes</p><p>eleitores para escolherem um imperador não resolvera os conflitos entre ele</p><p>e os príncipes dos reinos.</p><p>Por isso, quando o espanhol Carlos V se tornou imperador do Sacro</p><p>Império Romano-Germânico, ele se viu imerso em vários conflitos político-</p><p>religiosos daquela região, que eram contemporâneos aos movimentos</p><p>reformistas. Os vários conflitos exigiam que constantemente se convocassem</p><p>as dietas imperiais. A dieta imperial era uma reunião constituída por três</p><p>grupos de participantes. O primeiro era formado pelos sete príncipes</p><p>eleitores. O segundo, pelos demais nobres, que não eram eleitores. Por fim,</p><p>o terceiro grupo era formado pelos representantes das cidades imperiais. Ela</p><p>se reunia quando ia eleger o imperador do Sacro Império ou quando era</p><p>convocada pelo próprio, quase sempre por motivos militares ou financeiros.</p><p>Também debatiam leis para todo o império, que eram executadas (ou não)</p><p>pelos governantes locais. Muitas vezes, as reuniões das dietas contribuíam</p><p>para demonstrar a fraqueza política do imperador Carlos V no território</p><p>germânico. Afinal, os nobres locais não eram entusiásticos com a ideia de</p><p>um imperador espanhol, portanto, estrangeiro, tendo domínio sobre eles.</p><p>O caso da Suíça, onde os anabatistas começaram, e onde houve a ação</p><p>de Zwínglio e Calvino, era um pouco diferente. A Confederação Suíça,</p><p>como era conhecida, havia obtido, na Paz de Basileia, em 1499, uma maior</p><p>autonomia do Sacro Império, quando comparada com os demais territórios.</p><p>Ela era, por sua vez, dividida em cantões, espécies de pequenas províncias,</p><p>com autonomia administrativa centrada numa cidade governada por um</p><p>conselho de membros da elite, inclusive aqueles que recentemente haviam</p><p>enriquecido com o crescimento do comércio e da mineração. Esse era o caso</p><p>de Zurique, Schleitheim, St. Gallen, Basileia e Genebra à época da</p><p>Reforma Protestante. Já a Áustria fora anexada pelos Habsburgo ao Império</p><p>Germânico no século 15 e, no 16, vivia sob a ameaça de invasão pelos</p><p>muçulmanos. A atual região da República Tcheca era dividida em três</p><p>pequenos reinos – Morávia, Boêmia e Silésia – submetidos aos Habsburgo.</p><p>Em 1521, Carlos V cedeu ao seu irmão, o rei Fernando I de Habsburgo, as</p><p>regiões da Áustria, Boêmia, Hungria, Morávia, Tirol, Estíria, Caríntia,</p><p>Silésia e Carniola. Em 1555, com a morte de Carlos V, Fernando I tornou-</p><p>se o imperador do Sacro Império Romano-Germânico, apesar de já</p><p>conduzi-lo nas eventuais ausências do irmão.</p><p>Carlos V, portanto, com pouco poder político, tinha como desafios: um</p><p>império dividido, cujos poderes locais desafiavam-lhe a autoridade; um</p><p>cisma na Cristandade, subdividido em várias correntes competindo entre si;</p><p>um conflito de disputa de poder com o papa; um conflito com os reinos</p><p>inimigos, França e Inglaterra; e uma ameaça de invasão muçulmana na</p><p>fronteira sudeste. Esses conflitos políticos também levaram o clero a</p><p>envolver-se em intrigas, causando descontentamento da população em geral</p><p>com tal situação. Nesse sentido, a proposta ideológica luterana era apoiar a</p><p>nobreza local, ou o poder temporal, desde que este escolhesse o</p><p>Luteranismo, no lugar da Igreja Romana. Diferente era a proposta</p><p>anabatista, que desejava a separação total, sem interferência política nos</p><p>assuntos eclesiásticos.</p><p>Aspectos Econômicos</p><p>A sociedade medieval era, basicamente, dividida em três ordens: o clero, os</p><p>guerreiros e os camponeses, economicamente baseados, sobretudo, no setor</p><p>primário. O setor primário foi, majoritariamente, explorado por meio do</p><p>domínio, que era dividido entre a parte do proprietário, a villa (que viria a se</p><p>transformar no senhorio), e a parte trabalhada pelos camponeses, o manso.</p><p>Os camponeses, por sua vez, deveriam trabalhar na parte do senhor um</p><p>determinado período no ano. O comércio e o artesanato não foram</p><p>predominantes, até mesmo porque, na primeira parte da Idade Média, as</p><p>cidades ocuparam um lugar secundário na organização geográfica. A partir</p><p>do século 12, porém, com o reflorescimento do comércio e a monetarização</p><p>da economia, sobretudo na Itália e no Império Germânico, a burguesia</p><p>começou, pouco a pouco, a ganhar seu espaço naquela sociedade, além do</p><p>surgimento de algumas atividades, como a produção têxtil.</p><p>A situação da monetarização da economia no período está ligada</p><p>também a outros dois fatores: o surgimento da mineração e o surgimento</p><p>dos banqueiros. No primeiro, a exploração de metais preciosos possibilitou a</p><p>cunhagem de moedas. Inicialmente existiam diversas moedas em circulação.</p><p>À medida que o poder político foi se centra lizando em torno do rei, a</p><p>moeda passou a ser padronizada em terri tórios maiores. No segundo, diante</p><p>da diversidade de moedas em circulação, alguns comerciantes passaram a se</p><p>dedicar ao câmbio e, por isso, ficaram conhecidos como banqueiros, já que</p><p>as diversas moedas disponíveis para troca ficavam expostas em bancas. Aos</p><p>poucos, os então denominados banqueiros ampliaram seu leque de atuação,</p><p>guardando o dinheiro para seus clientes, fazendo empréstimos e levando</p><p>valores de uma cidade para outra. Para incentivar as pessoas a confiarem seu</p><p>dinheiro a eles, devolviam a quantia depositada com juros. Em troca, com</p><p>dinheiro na mão, podiam emprestar, também com juros. Ou seja, a gênese</p><p>dos bancos modernos. A mineração, princi palmente a extração de prata,</p><p>floresceu mais na região da Saxônia, justamente onde Lutero liderou a</p><p>Reforma. Inclusive foi a mineração que proporcionou uma melhoria de vida</p><p>ao seu pai e permitiu custear seus estudos. Em Augsburgo, os Fugger,</p><p>judeus, tornaram-se os maiores banqueiros do Império Germânico,</p><p>concorrendo com os Médici, da Itália.</p><p>Aspectos Culturais</p><p>Como religião organizada formalmente, a Igreja Católica foi a única</p><p>instituição que permaneceu sólida com o fim do Império Romano e, então,</p><p>tornou-se necessário definir uma autoridade que, no início, ficou sobre os</p><p>bispos herdeiros da tradição dos apóstolos. Esses bispos, como já citamos,</p><p>passaram a ser conhecidos como Pais da Igreja. Com as ameaças das</p><p>heresias, eles começaram a se reunir, e essas reuniões deliberativas sobre</p><p>assuntos de fé eram chamadas concílios. Sua regu laridade contribuiu</p><p>paulatinamente para a supremacia do bispo de Roma, que, em 756, recebeu</p><p>as terras das mãos de Pepino, o Breve, dando início formal à Igreja como</p><p>instituição, inclusive política, liderada pelo bispo de Roma, o papa. Com</p><p>isso, estreitaram-se as relações entre o poder secular (dos reis) e o poder</p><p>espiritual (do papa), pois os clérigos participavam do conselho real, os bispos</p><p>tinham poderes temporais e os cânones da Igreja Romana ganhavam força</p><p>de lei sobre todos os habitantes do território, independentemente da religião</p><p>que confessassem. Estava, assim, formada a Cristandade, isto é, a estreita</p><p>relação entre a política e a religião cristã predominante nos territórios da</p><p>Europa medieval. A Igreja, no contexto da Cristandade, ampliou cada vez</p><p>mais a sua extensão política, culminando, no século 13, na reunião de</p><p>condições para o inquestionável exercício do poder papal sobre toda a</p><p>comunidade cristã da Europa, tendo na pessoa de Inocên cio III (1198 a</p><p>1216) o momento de maior poder papal.</p><p>Com a definição do poder papal e imperial, os chamados poderes</p><p>universalistas (imperador secular e papa) viveram o período denominado</p><p>Idade Média, disputando entre si quem deveria se subordinar a quem.</p><p>Porém, o envolvimento do clero com as questões temporais foi causando um</p><p>descontentamento na população e se agravou até chegar ao auge nos</p><p>períodos entre os séculos 14 e 16. Esse descontentamento popular recebeu</p><p>da historiografia, no século 19, o conceito de anticlericalismo para designar o</p><p>amplo leque de críticas da população europeia dirigidas contra a corrupção</p><p>dos sacerdotes católicos. Esse anticlericalismo do século 16 não pode ser</p><p>confundido com falta de interesse das pessoas pela religião. Isso só</p><p>aconteceu após o Iluminismo, no século 18.</p><p>No final do século 13, o Papa Bonifácio VIII (1235-1303) proibiu os</p><p>imperadores de cobrarem taxas das igrejas. Na França, em resposta, o Rei</p><p>Filipe IV (1268-1314) baniu os coletores de impostos papais. Depois,</p><p>prendeu um bispo, despertando protestos do papa. Por fim, prendeu o papa,</p><p>demonstrando sua superioridade em relação ao poder espiritual. Mais à</p><p>frente, o Papa Clemente V (1305 a 1314), que era francês, sentindo-se</p><p>inseguro em Roma por causa das disputas entre as famílias nobres locais</p><p>pelo poder local, e sentindo-se ameaçado pelo imperador do Império</p><p>Germânico, decidiu mudar-se para Avignon em 1309, transferindo a sede</p><p>da Santa Sé.</p><p>Isso fez com que a Igreja se tornasse indiretamente controlada pelos</p><p>franceses. Dos 110 cardeais do período, 30 eram da França. Dos sete papas</p><p>que reinaram em Avignon, todos eram franceses. Por causa dessa</p><p>dependência política, os papas passaram a logicamente favorecer o reino</p><p>francês. Inclusive, durante a Guerra dos Cem Anos, que acontecia nessa</p><p>época, tomaram partido da França contra a Inglaterra. Esse período foi</p><p>chamado “cativeiro babilônico da Igreja”, em analogia ao cativeiro</p><p>babilônico que os hebreus sofreram, conforme narrativa do Antigo</p><p>Testamento.</p><p>Essa situação desgastou a imagem do papado e atingiu seu pres tígio</p><p>religioso e moral. Começaram, então, a aparecer os primeiros estudos</p><p>críticos da Igreja. Um deles foi escrito por João Quidort (1255-1306). Em</p><p>Acerca do poder papal e real, Quidort defendeu que o papa não tinha</p><p>autoridade para depor reis. Outro autor do período foi Marsílio de Pádua</p><p>(1275-1342). Na sua obra O defensor da paz, argumentou que o papado, por</p><p>interferir na política secular, estava destruindo a paz mundial. A solução</p><p>estaria em limitar o poder papal pelo povo, já que o papado não fora</p><p>estabelecido por Deus. Então, o franciscano Guilherme de Ockham (1288-</p><p>1347) concluiu que o Papa João XXII era um herege por causa da sua</p><p>rejeição da teologia da pobreza, e sustentou a ideia de que nenhuma</p><p>instituição eclesiástica, nem mesmo um concílio geral, poderia pretender</p><p>definir com certeza a fé da Igreja. Segundo ele, a reivindicação de que a</p><p>Igreja era infalível significava que a verdadeira fé sobreviveria em indivíduos</p><p>diversos, mesmo quando papas e concílios errassem.</p><p>Além dos críticos internos, a Igreja se viu criticada também pelos</p><p>pensadores externos. Exemplo disso foi o poeta italiano Dante Alighieri</p><p>(1265-1321), que atacou o papa em A divina comédia e Acerca</p><p>da monarquia.</p><p>Nesta obra, defendeu que o papa deveria abandonar toda a autoridade e</p><p>todas as posses temporais, e se submeter ao poder do imperador. Carter</p><p>Lindberg chama a nossa atenção para o fato de que os críticos medievais</p><p>não pretendiam abolir o papado, e sim reformá-lo e retornar a Igreja ao</p><p>modelo da Igreja Primitiva.</p><p>O papado, por incrível que pareça, não se preocupou com essas críticas.</p><p>Ao invés de respondê-las, intensificou seus mecanismos de controle</p><p>burocrático e investiu na construção de palácios em Avignon. Os apelos</p><p>aumentaram, e, em 1377, o Papa Gregório XI (1329-78) decidiu levar o</p><p>papado de volta a Roma, morrendo logo em seguida. Os católicos, então,</p><p>exigiram que o papado continuasse em Roma e que um italiano fosse eleito.</p><p>Os cardeais escolheram Bartolomeo Prignano, um napolitano que assumiu</p><p>com o nome de Urbano VI (1318-89). Em seguida, os cardeais chegaram à</p><p>conclusão de que tinham incorrido num erro e impugnaram o próprio</p><p>processo eleitoral. Então, foram para Avignon e elegeram Clemente VII</p><p>(1378 a 1394). Urbano não aceitou a nomeação de outro papa e</p><p>excomungou Clemente, que fez o mesmo com Urbano. A situação ficou</p><p>complicada, afinal, o mesmo colégio de cardeais havia eleito ambos. De</p><p>1378 a 1417, portanto, a Cristandade se viu dividida entre dois papas, sendo</p><p>um em Avignon e outro em Roma, sem saber a qual dos dois deveria</p><p>obedecer para garantir a salvação de sua alma. A Europa se dividiu: a França</p><p>e a Península Ibérica seguiam Clemente VII, enquanto a Inglaterra e o</p><p>Sacro Império Romano-Germânico seguiam Urbano VI.</p><p>Em junho de 1408, os dois colégios de cardeais (Avignon e Roma)</p><p>decidiram se encontrar em Pisa (o concílio durou de março a julho de 1409,</p><p>mas tanto Clemente como Urbano se recusaram a participar) e contaram</p><p>com representantes de todas as regiões europeias. O concílio, então, anulou</p><p>os dois papas e elegeu um novo, Alexandre V (1409 a 1410). Ambos,</p><p>obviamente, não aceitaram a decisão do concílio, e a Cristandade se viu com</p><p>três papas. Depois de Alexandre V, atuou em Pisa o Papa João XXIII (1410</p><p>a 1415).</p><p>O Sacro Império Romano-Germânico, então governado pelo Imperador</p><p>Sigismundo (1368-1437), passou a seguir o novo papa de Pisa, mas não</p><p>estava contente com a tríplice cisão. Então, o teólogo Dieterico de Niem</p><p>(1340-1418) desenvolveu a tese de que, numa emergência como aquela, o</p><p>imperador deveria seguir o exemplo de Constantino e convocar um concílio</p><p>geral para unificar os cristãos. Sigismundo acatou essa ideia e, em 1414,</p><p>convocou um concílio na cidade de Constança, que durou até 1417. Esse</p><p>concílio vindicou o conciliarismo, ideia que já vinha sendo defendida não só</p><p>por Niem, mas por vários outros teólogos de que o concílio reunido estava</p><p>acima do papa. Configurou-se dessa forma um consenso de que os três</p><p>papas deveriam renunciar e eleger algum com voto por reinos, e não por</p><p>pessoas. Isso ajudou a fortalecer o sentimento de unidade local, que viria a</p><p>desenvolver um nacionalismo contra a ideia de uma comuni dade cristã</p><p>universal, o Corpus Christianus, ou a Cristandade, sob a liderança do</p><p>papado. Em 17 de novembro de 1417, o concílio elegeu o cardeal Odo</p><p>Colonna como papa, eleito Martinho V (1369-1431) em honra ao santo do</p><p>dia, São Martinho. Mesma data em que, quase um século depois, nasceria</p><p>Martinho Lutero!</p><p>O Concílio de Constança, portanto, acabou com o cisma e condenou</p><p>John Wycliffe (que já estava morto) e Jan Huss à fogueira. Além disso, o</p><p>decreto Haec Sancta colocou a autoridade do concílio acima da autoridade</p><p>do papa, sancionando a teoria conciliar como doutrina oficial da Igreja. E,</p><p>para evitar eventuais retrocessos, decretou também que a promoção de</p><p>concílios gerais deveria estar na agenda da Igreja para corrigir erros e</p><p>excessos. Essa medida foi cancelada pelo Papa Pio II, com a bula Execrabilis</p><p>(1460), que decretava que qualquer apelo a um concílio para colocá-lo acima</p><p>do papa seria heresia. De toda forma, o que o Concílio de Constança</p><p>ratificou foi a perda da soberania do papa sobre os povos. Desde então, o</p><p>papa passou a conviver com os reis e o imperador, como mais um governo.</p><p>Essa postura do clero, portanto, em fins da Idade Média, contribuiu</p><p>para gerar uma crise no imaginário popular, que passou a enxergar no</p><p>papado uma corte em que o papa era um príncipe terreno como qualquer</p><p>outro. Exemplo disso foi o último papa do século 15 e primeiro do século</p><p>16. Alexandre VI (1431-1503), papa entre 1492 e 1503, teve, pelo menos,</p><p>oito filhos com suas amantes e serviu de modelo para Maquiavel (1469-</p><p>1527) escrever O Príncipe, em 1513, além de ter sido denunciado pelo</p><p>dominicano Jerônimo Savonarola (1452-98), que foi morto por encomenda</p><p>do próprio papa. Sua filha, Lucrécia Bórgia (1480-1519) [o nome de</p><p>batismo de Alexandre VI era Rodrigo Bórgia], casara-se por acordos</p><p>políticos e realizava extravagantes festas no Vaticano. Um de seus maridos</p><p>foi assassinado pelo seu irmão, César Bórgia (1475-1507), que já havia</p><p>assassinado outro irmão dentre eles. Certa feita, quando estava ausente de</p><p>Roma, Alexandre VI designou a filha para responder por ele no papado.</p><p>Depois de Alexandre VI subiu ao trono pontifício o Papa Júlio II (1443-</p><p>1513), que foi papa de 1503 a 1513. Ficou conhecido por ser mecenas de</p><p>Michelangelo (1475-1564) e Rafael (1483-1520), e por incentivar a</p><p>reconstrução da atual basílica de São Pedro por meio da cobrança de</p><p>indulgências. Rafael o pintou com uma armadura militar para representá-lo</p><p>como o guerreiro que era, pois ele mesmo conduzia suas tropas no</p><p>extermínio dos estrangeiros. Erasmo de Roterdã (1469-1536), humanista e</p><p>colega de Lutero, criticou o Papa Júlio II por meio da sátira presente nas</p><p>obras O elogio da loucura (1511), A querela da paz (1517) e Julius Exclusus</p><p>(1517). Com a morte de Júlio II, a sucessão coube a Leão X (1513 a 1521),</p><p>da família de banqueiros de Florença, os Médici e, depois, ao Papa</p><p>Clemente VII (1523 a 1534). Entre eles houve o pontificado de Adriano VI</p><p>(1459-1523), que durou apenas dois anos (1522 a 1523).</p><p>Ou seja, com a realidade da fome, da peste, das guerras e revoltas, a</p><p>população estava convivendo diretamente com o medo e constantemente</p><p>com a ameaça da morte. Tal situação despertava um grande sentimento de</p><p>culpa nas pessoas, que acreditavam estar vivenciando castigos e punições</p><p>divinos pelos seus pecados. Muitos entendiam que todos aqueles escândalos</p><p>eram o fim dos tempos. Como veremos, sempre que a sociedade passa por</p><p>uma crise surgem grupos cristãos anunciando serem sinais de que o fim dos</p><p>tempos está próximo, como narrado no simbólico livro bíblico do</p><p>Apocalipse, e que Jesus está voltando para realizar o Juízo Final. Ao estudo</p><p>do fim do mundo se dá o nome de escatologia. Todas as denominações</p><p>acreditam que, um dia, Jesus voltará para julgar o mundo, conforme narrado</p><p>em Mateus 24. Porém, as nuances dessa volta variam de acordo com a</p><p>interpretação que cada denominação faz dos textos escatológicos.</p><p>É necessário ressaltar, porém, que também ocorreram mudanças</p><p>positivas no século 16. Aliás, é sempre assim na História – ideias brilhantes</p><p>também surgem em momentos de profunda crise. Entre elas, destacamos,</p><p>por exemplo, a invenção dos tipos móveis/máquina de impressão, por</p><p>Gutenberg (1398-1468). Foi graças a ela que a Igreja Católica não</p><p>conseguiu sufocar o movimento reformista, pois quando Lutero, Zwínglio,</p><p>Calvino ou mesmo os anabatistas escreviam algo questionando o poder do</p><p>papa, era logo reproduzido e espalhado, ganhando apoio da população, que</p><p>tomava conhecimento do assunto.</p><p>Todo esse contexto, relacionado com a religiosidade das pessoas,</p><p>esclarece que um dos problemas surgidos era que, diante da realidade</p><p>intensa da morte, a Igreja Católica já não conseguia mais manter o controle</p><p>de outrora por não responder às novas questões levantadas. A atitude de</p><p>Roma foi justamente o contrário do que o povo necessitava para se acalmar.</p><p>Diante do medo da morte e, consequentemente, do Inferno, as pessoas –</p><p>aquelas</p><p>que tinham condições financeiras para tal – começaram a adquirir</p><p>indulgências. A camada com menor condição financeira desesperava-se cada</p><p>vez mais. Por isso, no final do século 15, além de não conseguir mais</p><p>responder aos anseios da população, a Igreja Católica se encontrava imersa</p><p>numa crise de credibilidade, pois seu clero estava desacreditado.</p><p>O DESENVOLVIMENTO</p><p>Em 31 de outubro de 1517, Martinho Lutero publicou 95 teses contra a</p><p>venda de indulgências praticada pela então Igreja Católica. Sua</p><p>argumentação era de que somente a Bíblia, e não o papa, tinha autoridade</p><p>sobre o que era dever do cristão. Disso surgiu o lema da Reforma: Solla</p><p>Gratia, Solla Fide, Solla Scriptura, isto é, “Somente a graça, somente a fé,</p><p>somente as Escrituras”. Imediatamente as 95 teses foram rebatidas pelo</p><p>dominicano e teólogo papal Silvestre Mazzolini, conhecido por Priérias, em</p><p>Diálogo sobre as presunçosas teses de Martinho Lutero a respeito do poder do</p><p>papa, que acusou o reformador de herege, pois este desafiava o poder papal.</p><p>Em 7 de agosto de 1518, por causa dos escritos de Priérias, chegou em</p><p>Wittenberg o documento que convocava Lutero a apresentar-se em Roma</p><p>em 60 dias. Lutero escreveu a Frederico, príncipe do reino germânico da</p><p>Saxônia, pedindo que ele intercedesse junto ao papa para que a questão</p><p>fosse resolvida na própria Alemanha, ou Império Germânico. Frederico</p><p>apoiava Lutero, entre outros motivos, porque Lutero havia dado prestígio à</p><p>menina de seus olhos, a Universidade de Wittenberg, e não queria perder</p><p>seu mais brilhante professor. O Papa Leão X, por sua vez, não queria</p><p>indispor-se com Frederico, afinal precisava da ajuda dos exércitos alemães</p><p>para combater a ameaça muçulmana, cujo exército já estava na Europa.</p><p>Então, o papa atendeu ao pedido de Frederico, e o caso foi transferido para</p><p>a dieta que estava acontecendo em Augsburgo (não confundir esta com a de</p><p>1530, de onde surgiu o documento Confissão de Augsburgo), e para tal enviou</p><p>o cardeal Caetano como seu representante. O Papa Leão X também enviou</p><p>uma carta a Frederico, pedindo seu apoio na questão, e este, uma carta ao</p><p>papa pela segurança de Lutero. O encontro entre Lutero e Caetano não</p><p>resultou em acordo.</p><p>Na mesma época, Johann Maier von Eck, professor da Univer sidade de</p><p>Ingol stadt, passou a atacar as teses de Lutero, assim como as de outro</p><p>professor de Wittenberg, Andreas Bodenstein von Karlstadt, desafiando-o</p><p>para um debate, que foi aceito, mas que também teve a participação de</p><p>Lutero. O debate ocorreu em julho de 1519, na Universidade de Leipzig.</p><p>Os juízes foram os professores das universidades de Paris e Erfurt, mas eles</p><p>se negaram a emitir uma decisão sobre o vencedor. De qualquer forma, o</p><p>debate serviu para Lutero sistematizar sua opinião, que seria o programa das</p><p>propostas reformistas. E, justamente por insistir nas ideias de</p><p>questionamento papal, foi excomungado por ser considerado herege.</p><p>Eck, depois do debate, foi para Roma e ajudou na formulação da bula</p><p>papal, Exsurge Domine, de 15 de junho de 1520. Ela refutava 41 das 95 teses</p><p>de Lutero, dando a este o prazo de 60 dias para se retratar. Uma bula era um</p><p>documento papal que tinha validade de lei em todo território europeu. No</p><p>dia 10 de dezembro de 1520, Lutero queimou publicamente a referida bula.</p><p>Por isso, no dia 3 de janeiro de 1521, foi promulgada outra, a Decet</p><p>Romanum Pontificem, de excomunhão definitiva de Lutero.</p><p>Neste meio tempo, Lutero publicou o Manifesto à nobreza cristã da nação</p><p>alemã (1520), onde, depois de sistematizar algumas ideias no debate de</p><p>Leipzig, propunha uma mudança social baseada em 27 proposições, entre</p><p>elas a proposta de que o imperador não deveria submeter-se ao papa, além</p><p>de reformas nas universidades e na assistência social das cidades.</p><p>Como o imperador do Império Germânico era o guardião da</p><p>Cristandade e não queria indispor-se com o papa, o novo imperador, Carlos</p><p>V, atendeu ao pedido do núncio papal Aleandro contra Lutero, convocando</p><p>este para apresentar-se na dieta de Worms. Chegando lá, Lutero foi posto</p><p>diante de exemplares de livros seus para se retratar. Sua resposta foi a recusa</p><p>de negar seus escritos. Por isso, em 25 de maio de 1521, Carlos V</p><p>promulgou o Édito de Worms. Era a resposta oficial do Império contra a</p><p>proposta de Martinho Lutero de reformar a Cristandade. No documento,</p><p>Carlos V proibiu os escritos de Lutero, que foi declarado inimigo do</p><p>Estado. Por isso, o príncipe da Saxônia, Frederico, raptou Lutero quando</p><p>ele voltava para Wittenberg e escondeu seu professor preferido no castelo de</p><p>Wartburgo, de maio de 1521 a março de 1522. Enquanto esteve escondido,</p><p>Lutero escreveu uma carta para seu amigo e professor de Wittenberg, Filipe</p><p>Melâncton, que deu continuidade à movimentação luterana. Lutero</p><p>também escreveu uma carta para o cardeal de Mainz, Alberto, reprovando a</p><p>atitude dele de vender indulgências. Enquanto esteve preso no castelo,</p><p>vivendo disfarçado como cavaleiro, Lutero produziu uma de suas mais</p><p>brilhantes obras: a tradução do Novo Testamento, do grego para o alemão.</p><p>Essa obra é referência até hoje, pois foi ela que padronizou a língua alemã.</p><p>COMEÇAM OS CONFLITOS</p><p>Os luteranos tiveram seus conflitos, não só com os católicos, como também</p><p>com os radicais. O primeiro foi com Andreas Karlstadt. Enquanto Lutero</p><p>estava em Wartburgo, ele foi informado, por Melâncton, que Karlstadt</p><p>começara a pregar contra imagens e a incentivar seus seguidores a entrarem</p><p>nas igrejas para derrubá-las (apesar de o senso comum considerar que foi</p><p>Lutero quem aboliu o uso de imagens nos cultos, essa ideia foi de Karlstadt,</p><p>pois Lutero era contrário, já que considerava tal atitude um radicalismo).</p><p>Lutero também ficou sabendo que os discípulos de Thomas Müntzer</p><p>pregavam que Deus falava direto com eles por meio de revelações, e que eles</p><p>não precisavam das Escrituras. Inclusive, ficou sabendo de um grupo de três</p><p>leigos de uma cidade chamada Zwickau, que se proclamavam profetas.</p><p>A missa era o elemento central da vida de um europeu medieval, e</p><p>alterá-la teria uma enorme repercussão. Frederico não queria que Lutero</p><p>alterasse nada e, em alguns casos, como no mosteiro agosti niano, preferiu-se</p><p>suspender as missas a alterar sua forma. Karlstadt insistia na ideia de a ceia</p><p>ser distribuída como pão e vinho (e não como hóstia) para todos, e pregava</p><p>que não tomar ambos os elementos era pecado, o que Lutero considerava</p><p>extremismo.</p><p>Outra questão que estava em pauta durante a reclusão de Lutero era o</p><p>celibato do clero. Em 1520, Lutero já havia escrito que o papa não tinha</p><p>poder para proibir o casamento dos sacerdotes, já que as Escrituras e a</p><p>prática da Igreja Primitiva o recomendavam. A pregação de Lutero foi um</p><p>alívio para muitos clérigos que mantinham relações escondidas. O problema</p><p>é que o celibato religioso era não só uma imposição de Roma, mas também</p><p>uma lei do Sacro Império Romano-Germânico. Por isso, quando alguns</p><p>seguidores de Lutero decidiram levar sua pregação a sério e se casaram,</p><p>incorreram no risco de prisão e até de morte. O cardeal Alberto chegou a</p><p>pedir a Frederico que entregasse os sacerdotes que estavam se casando, coisa</p><p>que o príncipe se recusou a fazer. Ao impedir a execução das sentenças do</p><p>clero romano, os príncipes locais reafirmavam seu poder secular em seus</p><p>territórios. Desafiar o poder do papa era uma forma de afirmar o poder</p><p>local, o que garantia proteção dos príncipes para o desenvolvimento da</p><p>teologia protestante.</p><p>Então, para ir além dos pronunciamentos e dar exemplo, Karlstadt</p><p>resolveu se casar, e a cerimônia ocorreu em 19 de janeiro de 1522. O convite</p><p>público para a cerimônia dizia que seu casamento serviria de exemplo para</p><p>os demais. Ele enviou um convite ao príncipe, aos outros professores de</p><p>Wittenberg, aos bispos das regiões romanas e ao con selho da cidade. Estava</p><p>disposto a dar uma grande festa, e chegou a gastar 50 florins em salsichas e</p><p>bebida. O príncipe não compareceu ao casamento, mas o objetivo foi</p><p>alcançado e, pouco tempo</p><p>depois, muitos padres também se casaram. Essa</p><p>foi a relação mais próxima entre os debates teológicos e as ações práticas. Os</p><p>matrimônios de clérigos era uma clara rejeição pública da estrutura</p><p>eclesiástica de então. E eles contavam com amplo apoio popular.</p><p>Melâncton já não sabia mais o que fazer, e por isso Lutero resolveu</p><p>voltar para Wittenberg, onde Carlos V estava concentrado na ameaça</p><p>francesa, pois Francisco I havia se declarado seu inimigo e o imperador do</p><p>Sacro Império ficara envolvido em guerras entre 1521 e 1525, ano em que</p><p>Lutero se casou. Lutero conheceu Catarina von Bora (1499-1552) em 1523,</p><p>quando ela chegou em Wittenberg, fugindo com outras freiras de um</p><p>convento próximo, e se casaram em 13 de junho de 1525. Ficaram juntos 25</p><p>anos e tiveram seis filhos (dois morreram ainda na infância).</p><p>O segundo grande conflito que podemos enumerar foi o de Lutero com</p><p>Thomas Müntzer. Em junho de 1524, teve início uma revolta camponesa</p><p>na região da Floresta Negra. O movimento foi crescendo e ganhando força.</p><p>Em dezembro do mesmo ano, ocorreram levantes também na Suábia. Em</p><p>março de 1525, os camponeses escreveram e publicaram 12 artigos que</p><p>reuniram as queixas das aldeias próximas a Baltringen e fomentaram a</p><p>guerra dos camponeses em todo o território alemão entre abril e maio de</p><p>1525. Thomas Müntzer participou do levante na região de Mühlhausen.</p><p>Sua participação incluiu vários pronunciamentos contra a ordem</p><p>estabelecida, como um protesto e um sermão que foi pregado para dois</p><p>duques da Saxônia, além de Müntzer também influenciar na composição</p><p>dos 12 artigos dos camponeses. Em algumas regiões onde ocorreram as</p><p>revoltas, os camponeses foram completamente derrotados e acabaram se</p><p>rendendo.</p><p>Por causa disso, em 24 de julho de 1524, Lutero escreveu a Carta aos</p><p>duques da Saxônia. No documento, ele criticou a ação dos camponeses, as</p><p>ideias de Müntzer, e chamou a atenção das autoridades sobre a</p><p>responsabilidade delas de manterem a ordem social. Em setembro do</p><p>mesmo ano, Müntzer se pronunciou com a sua Resposta contra Lutero.</p><p>Lutero também escreveu Exortação à paz como resposta aos 12 artigos do</p><p>campesinato da Suábia.</p><p>Enquanto Lutero protagonizava mudanças em Wittenberg, outro</p><p>teólogo propunha mudanças na cidade de Zurique, na Suíça. Tratava-se de</p><p>Ulrico Zwínglio. Em 1521, ele começou alguns estudos bíblicos com jovens</p><p>da cidade, entre eles, Conrad Grebel, filho de um dos membros do conselho</p><p>da cidade, Félix Manz e George Blaurock. Suas ideias eram muito próximas</p><p>das de outro reformador suíço, Calvino, que ficaria mais famoso que</p><p>Zwínglio ao publicar As Institutas, ou A instituição da religião cristã.</p><p>Em 1523, começou uma insatisfação da parte de Grebel, Manz e</p><p>Blaurock com Zwínglio. O motivo principal foi a discordância deles acerca</p><p>da forma correta de batizar. No dia 18 de dezembro de 1523, por exemplo,</p><p>Grebel escreveu uma carta para seu cunhado e ex-professor, Joachim von</p><p>Waltt, ou Vadianus, relatando o que ocorria em Zurique. Já em 8 de</p><p>setembro de 1517, enquanto estudava em Viena, Grebel havia escrito uma</p><p>carta para Zwínglio contando sobre Vadianus. Por tudo isso, em 1524,</p><p>Grebel, Manz e Blaurock começaram um grupo de estudo bíblico em</p><p>Zurique, na casa de Manz. O grupo contava com sete participantes e, sob a</p><p>liderança de Grebel, escreveram cartas para Lutero, Müntzer, Karlstadt,</p><p>entre outros, tentando convencê-los de suas novas ideias. As discordâncias</p><p>foram se agravando, e, no dia 21 de janeiro de 1525, houve o rompimento</p><p>público e definitivo. Grebel, Manz e Blaurock foram para a casa de Manz,</p><p>onde realizaram um rebatismo. Por causa disso, foram expulsos da cidade.</p><p>Teve início o movimento anabatista, o mais proeminente dos grupos da</p><p>Reforma Radical. Foi um evento significativo, pois, pela primeira vez no</p><p>contexto do século 16, um grupo deliberadamente rompeu com a Igreja</p><p>estabelecida e deu início a uma comunidade autônoma. A recusa dos</p><p>primeiros anabatistas em se submeterem à autoridade do conselho da cidade</p><p>de Zurique foi a primeira separação entre Igreja e Estado.</p><p>O movimento anabatista pode ser metaforizado com o rio Reno, que</p><p>corta a Europa de norte a sul. Suas nascentes se encontram na Suíça, e o rio</p><p>flui através da Alemanha até a Holanda, onde se divide em vários afluentes</p><p>até desembocar no mar. O movimento anabatista também teve o seu início</p><p>na Suíça e, como o Reno, dividiu-se em diferentes ramificações enquanto</p><p>passava pela Alemanha, até chegar à Holanda, onde finalmente se</p><p>consolidou como menonitas e batistas, então se expandindo maritimamente.</p><p>Voltaremos a este ponto. Por enquanto, é importante ressaltar a diferença</p><p>dos movimentos. É comum encontrarmos textos que apresentam Müntzer e</p><p>Karlstadt como anabatistas. No entanto, eram líderes de outros</p><p>movimentos. Espiritualistas, racionalistas e anabatistas eram considerados a</p><p>ala radical da Reforma Protestante, mas, mesmo assim, tratava-se de</p><p>movimentos distintos.</p><p>A EXPANSÃO DA FÉ LUTERANA</p><p>Em 1523, a dieta de Nuremberg havia adotado uma política de tolerância</p><p>para com os luteranos, apesar de o Édito de Worms, de 1521, continuar</p><p>valendo. Carlos V tinha vencido a guerra e feito Francisco I seu prisioneiro,</p><p>colocando-o em liberdade depois de um tratado de paz. Solto, Francisco I</p><p>fez uma aliança com Clemente VII contra o Imperador Carlos V. Clemente</p><p>VII pensava em contar com Francisco I para acabar com a heresia luterana e</p><p>com a ameaça dos turcos estacionados na fronteira da Europa. Enquanto</p><p>isso, Lutero, de volta a Wittenberg contra a vontade do príncipe Frederico,</p><p>pregava sermões que, aos poucos, puseram a cidade em ordem. Estava claro</p><p>que aqueles acontecimentos não se limitavam à esfera religiosa, mas tinham</p><p>tomado conotação social e política. A Reforma Protestante não foi somente</p><p>um evento religioso, mas também um evento político e social. Por isso, não</p><p>basta estudá-la numa perspectiva teológica.</p><p>Em 1526, por pressão dos príncipes locais, a primeira dieta de Espira</p><p>recusou a execução do decreto de Worms e decidiu que cada principado</p><p>poderia adotar a religião que quisesse, pois, em meio às guerras, Carlos V</p><p>precisava do apoio de todos os príncipes do Império Germânico, apesar de</p><p>nunca ter desistido de erradicar a heresia luterana para que, por meio da</p><p>unificação da Cristandade, o Império também se mantivesse unido.</p><p>Francisco I, porém, traiu a confiança de Carlos V e tentou uma nova</p><p>investida com apoio papal. Por isso, em 1527, ocorreu o saque de Roma, e o</p><p>Papa Clemente VII teve que fugir de Carlos V. A situação só se resolveu em</p><p>1529, ao se estabelecer a paz provisória entre Carlos V, Francisco I e o Papa</p><p>Clemente VII.</p><p>Estabelecida a paz, Carlos V, então, convocou a segunda dieta de</p><p>Espira, na esperança de finalmente executar o Édito de Worms. Nessa</p><p>ocasião, os luteranos já eram bem numerosos, e, diante da recente proibição</p><p>de se seguir a nova doutrina religiosa, houve o famoso protesto – de onde</p><p>surgiu o termo protestante. Filipe de Hesse (1504-67), fervoroso protestante,</p><p>convocou o Colóquio de Marburgo no mesmo ano para unir os</p><p>reformadores de Wittenberg com os de Zurique, visando fortalecer uma</p><p>frente protestante contra o imperador e os católicos.</p><p>Desde a sua eleição como imperador do Império Germânico até 1542,</p><p>Carlos V raramente foi até o seu novo território. Ele delegou a</p><p>Á</p><p>administração ao irmão, o arquiduque Fernando da Áustria (1503-64), que</p><p>o sucedeu como imperador em 1558. Essa ausência prolongada de Carlos V</p><p>também contribuía para o fortalecimento dos príncipes locais. Sempre</p><p>preocupado em guerrear contra a França e contra os muçulmanos, poucas</p><p>eram as ocasiões para se ocupar dos luteranos, que ganhavam cada vez mais</p><p>apoio daqueles que queriam seu território livre da estrangeira dominação</p><p>romana.</p><p>Então, quando a Cristandade, representada na figura do Impe rador</p><p>Carlos V, finalmente pensou que estava unida para atentar para o problema</p><p>do Luteranismo, o imperador muçulmano Solimão, do império Otomano,</p><p>invadiu Viena,</p>
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